1: DA PAIXÃO E OUTRAS DOENÇAS
Desde os primórdios da civilização, as pessoas têm-se apaixonado, procurando a gratificação que nasce da conexão afetiva com outro ser humano, de forma intensa (e, por vezes, irracional). A neurociência debruça-se sobre o fenómeno do estado nascente de enamoramento (vulgarmente 'paixão') descrevendo-o como um estado hipermotivacional de demência temporária, com duração média de 12 a 18 meses. Leu bem. Do ponto de vista biológico, este seria o tempo necessário para que os envolvidos estreitassem laços e se reproduzissem, assegurando assim a perpetuação da espécie.
São também conhecidas as suas bases fisiológicas: a ativação das vias mesolímbicas dopaminérgicas, responsáveis pelo sistema de recompensa e prazer e a inibição das estruturas pré-frontais, encarregues de frear impulsos e antecipar as consequências das ações. O organismo aumenta a libertação de adrenalina e cortisol, que levam à aceleração dos batimentos cardíacos, à sudorese, à dilatação das pupilas, à respiração ofegante e, claro - ativando a circulação sanguínea nos membros, como braços e pernas, diminuindo-a no sistema digestivo -, às clássicas "borboletas no estômago" (afinal, com o sangue longe da região, os vasos sanguíneos do sistema digestivo contraem-se, provocando trepidações digestivas). Ao fim de algum tempo, é normal e expectável que esta sensação acabe por passar e dê lugar à serenidade.
Sob influência da paixão, o cérebro entra num estado de hiperatividade e hipervigilância, stress e compulsão, em muito semelhante à atividade cerebral de quem sofre de Perturbação Obsessivo-Compulsiva ou Perturbação de Ansiedade Generalizada, justamente porque a química libertada no organismo é a mesma.
Em estado de hipervigilância, o corpo sente menos apetite, dorme menos, vê o seu sistema imunológico enfraquecer, e tende a agir de maneira impulsiva ou inconsequente. Para nota, no número de outros sintomas deste estado contam-se ainda: a intensa atração sexual, o desejo constante de estar na companhia do 'objeto da paixão', o excesso de admiração por ele, o desespero, a inquietação, e abstinência quando estão separados/as (seguido depois de grande felicidade aquando da reunião).
Porque queremos então apaixonar-nos quando a paixão pode ser tão física e mentalmente devastadora e tão rápida na sua fulminante efemeridade? A resposta transcende qualquer encastelada sabedoria academicista e é bastante simples: porque também sabe bem. Todos/as nós queremos sentir a magnificência deste estado em que todas as nossas emoções são levadas ao rubro. É aqui que se levanta a grande questão que dá título a este artigo: por que será que algumas pessoas não conseguem sentir que alcançam o estado de paixão?
Com efeito, várias pessoas trazem esta queixa a consultório, tipicamente concentrada numa tirada do género: "Já não me consigo apaixonar. Queria tanto sentir as borboletas, mas não consigo sentir nada. Devo ter um bloqueio qualquer". Existem tantas e tão diferentes dimensões encerradas nesta formulação que se faz necessária uma certa desconstrução das suas várias passagens. Convido então o/a leitor/a a juntar-se a mim, e a partirmos os dois/as duas à caça das respostas para esta legítima e sofrida dúvida. Olhe, a primeira borboleta está ali...
2: ONDE ESTÁ O WALLY?
Sucede é que a maior parte das vezes a nossa presunção narcísica é mais forte: queremos tomar para nós as rédeas da realidade, decidir por ela, forçar o que não pode ser senão espontâneo. Em grande parte, isto deve-se também à pressão social a que muitos/as sucumbem.
Em pleno século XXI, vivemos numa sociedade e num mundo em que as pessoas sem namorado/a tem um problema ou “avaria” qualquer, que todos/as tentam resolver e concertar. De modo geral, a sociedade tende não só a exercer pressão sobre os/as solteiros/as como, caso prolonguem este estado civil no tempo, a considerar estas pessoas como imaturas emocionalmente, pouco flexíveis e muito independentes.
A pressão psicológica e emocional a que as pessoas se autoinduzem no sentido de encontrarem um/a companheiro/a, fá-las muitas vezes acreditar que se não estão num relacionamento, estarão então fadadas à solidão e à infelicidade; e tão intensa pode ser a pressão, que algumas delas cometem disparates como namorar (ou mesmo casar) com quem não mantêm real reciprocidade, só para não ouvir os comentários dos pais e/ou dos amigos/as já casados/as e com filhos/as. Com o passar do tempo normalizam a inautenticidade/ilusão desta escolha, caindo no desânimo e, consequentemente, no embotamento emocional.Por isso, lembre-se: não compare os seus sentimentos a critérios ou a parâmetros impostos desde o exterior. Ao não se identificar com eles, pode assumir que não está apaixonado/a ou que não consegue sentir-se apaixonado/a, e cristalizar-se numa realidade inautêntica, que não revela a sua verdadeira forma de ser. Não se deixe estagnar numa versão fake de si mesmo/a: com o tempo, poderás transformar-se efetivamente nela. Aqui, importa realçar que existem várias formas legítimas de sentir e de se relacional: não apenas uma. Talvez não se esteja a ouvir a si mesmo/a realmente, a atender às peculiaridades do seu 'Self', que é único e irrepetível: talvez esteja a medir os seus sentimentos com réguas alheias, descurando variáveis imprescindíveis à avaliação da originalidade do que sente, como a sua experiência de vida, a sua idade, o seu estágio desenvolvimental, e o seu alcance de consciência e maturidade. Perceba se não será importante descobrir e validar a naturalidade dos seus sentimentos ao invés de tentar encaixá-los nas gavetas pré-fabricadas da sociedade.
Ironicamente, a pessoa que tanto quer relacionar-se pode acabar por afastar outras pessoas e possíveis relacionamentos, sejam amorosos ou de amizade, pela carga de pressão que faz descer sobre os demais. Muitas vezes, isto decorre de procurarmos uma ‘pessoa perfeita’, o príncipe encantado, o herói, ou a princesa, a sedutora. Voltaremos a este ponto. Este tipo de postura idealizadora, vigilante e crítica pode intimidar os/as possíveis pretendentes, que vêem nas cobranças um fardo difícil de carregar. Muitos/as de nós queremos não pessoas, mas “super-pessoas”, que sejam super-românticas, super-atenciosas, super-atentas, super-empáticas, super-conversadoras, super-atraentes, super-sedutoras, super na intimidade sexual, super-tolerantes e compreensivas, super-calmas, super bem-sucedidas, super-pais/mãe e de preferência super-ricas. Mas amor e “super” não conjugam nenhum verbo e podem ser inconciliáveis.Por isso, nesta primeira paragem da nossa caça, importará perguntar-se: já considerou o fato de simplesmente ainda não ter acontecido? É possível que se esteja a cobrar em demasia por algo que não pode controlar totalmente? É possível que esteja sob pressão, a forçar o que é espontâneo?
Podemos simplesmente não ter encontrado ainda quem nos atraia: seja do ponto de vista sexual e/ou sensual [o primeiro referindo-se ao sentimento de se desejar ter relações sexuais com a(s) pessoa(s), e o segundo a sentimento de partilhar experiências sensuais (não sexuais) com alguém, como o cuddling], seja do ponto de vista 'romântico' [sentimento de se desejar ter relações românticas com a(s) pessoa(s)], seja do ponto de vista estético [interesse ou desejo de apreciar a aparência física ou beleza de alguém, sem haver necessariamente desejo sexual ou romântico; não há desejo de ter qualquer tipo de contato ou envolvimento intercorporal. Inclui simplesmente achar bonito/a ou atraente alguém, mesmo sem haver sentimentos sensoriais], seja do ponto de vista intelectual (racional e emocional), seja do ponto de vista da responsabilidade afetiva [capacidade de reconhecer, de cuidar, de securizar].
Podemos também simplesmente não ter encontrado ainda com quem nos identifiquemos positivamente em termos de orientação sexual, de identidade de género e de registo relacional [monogâmico, não-monogâmico/novogâmicos].
A mesma coisa sucede quando a matéria são os afetos.
4: AS IDEALIZAÇÕES ROMÂNTICAS (SPOILER ALERT! #1)
Sob influência do Romantismo, a paixão é tratada como carimbo de certificação de um relacionamento amoroso verdadeiro: passa a esperar-se que os sentimentos arrebatadores que ela nos faz experienciar no início da relação perdurem para a vida inteira. Além disso, para o Romantismo esta paixão, este 'amor sempre excitante, sempre adrenalinogénico' deveria significar o fim de toda a solidão: segundo a sua promessa, a 'pessoa certa' entender-nos-á completamente, possivelmente sem sequer precisar de falar conosco, numa espécie de 'intuição de alma gémea prometida'.
E como para o Romantismo o 'verdadeiro amor' é sinónimo de uma total aceitação de tudo o que a outra pessoa é, a ideia de que nós ou a outra pessoa precise de mudar é considerada um sinal de que a relação está em crise, uma ameaça desesperada.
Importa lembrar que, ao longo da maior parte da história registrada até o momento, as pessoas uniam-se por motivos pragmáticos e lógicos (porque o lote de terreno dele era vizinho do dela, porque a família dele tinha um negócio próspero de grãos, porque o pai dela era o juiz da cidade, havia um castelo para manter, ou os pais de ambos adotavam a mesma interpretação dos textos sagrados). O Romantismo substituiu estas 'uniões racionais' por 'uniões de sentimentos', em que o mais importante é que duas (ou mais) pessoas desejem ardentemente que ela aconteça, sendo atraídas uma à outra por um instinto avassalador, sabendo, do fundo do coração, que aquilo é certo.
A era moderna já se cansou de “razões”, esses catalisadores do sofrimento, essas demandas de contadores. Na verdade, quanto mais imprudente parece ser uma união (talvez as pessoas se conheçam há apenas seis semanas, talvez uma delas não tenha emprego ou estejam ambas ainda na adolescência), mais segura, na verdade, ela pode ser considerada, porque a aparente ‘imprudência’ é tomada como um contrapeso para todos os erros e tragédias permitidos pelas chamadas uniões sensatas de antigamente. O prestígio do instinto e o endeusamento da paixão é o legado de uma reação coletiva traumatizada contra séculos de demasiada ‘razão’.
O modelo de amor oferecido pelo Romantismo é portanto uma criação histórica que foi baseando o amor nas características da paixão, levando a que os dois conceitos se confundissem de forma extremamente perigosa.
"É um modelo bonito e, frequentemente, agradável" como diz Alain de Botton "Os Românticos foram brilhantemente perspicazes em relação a algumas facetas da vida emocional e eram extremamente talentosos na expressão das suas esperanças e anseios. Muitos dos sentimentos já existiam, mas o que os Românticos fizeram foi elevá-los, transformá-los de modas passageiras em conceitos formais que determinam como lidar com um relacionamento durante uma vida inteira".
Entende-se por isso como este movimento intelectual e espiritual vem tendo um impacto devastador sobre a capacidade de gente comum ter vidas emocionais bem-sucedidas. O Romantismo deu-nos um roteiro de expectativas irrealistas: oferece-nos uma ideia bem intencionada mas fatalmente distorcida de como as relações podem funcionar.
O Romantismo ressalta emoções que não nos dão muita informação útil sobre como conseguir relações bem-sucedidas, ao mesmo tempo que nos afasta a atenção de outras que oferecem uma orientação bem mais construtiva.
4.1. DES-ROMANTIZANDO A PAIXÃO
É importante conhecermos a história do Romantismo já que ela sugere que muitos dos problemas que temos com os nossos relacionamentos não vêm (como normalmente acabamos por pensar) da nossa inaptidão, da nossa inadequação, da nossa desorganização interna, ou das nossas próprias lamentáveis escolhas de parceiros/as. Não que isso não aconteça: é evidente que sim! Mas parece crucial é questionarmos sistematicamente as presunções da visão romântica do amor – não para destruí-lo, mas para salvá-lo.
Precisaríamos de elaborar uma teoria pós-romântica de uniões, porque para fazermos uma relação perdurar, temos de ser quase desleais para com as emoções românticas - aquelas que começam justamente por introduzir-nos a essa mesma relação. A ideia de ser-se ‘pós-romântico/a’ não deveria significar cinismo – a de que se abandonou a esperança de que os relacionamentos possam funcionar bem. A atitude pós-romântica é igualmente ambiciosa quanto a bons relacionamentos, mas tem uma noção muito diferente de como honrar as esperanças...
Precisaríamos de substituir o gabarito romântico por uma visão psicologicamente madura do amor que estimule em nós diversas atitudes nada familiares, mas, esperançosamente, eficazes, como: (1) perceber que é normal que amor e sexo nem sempre devam estar juntos; (2) perceber que falar sobre dinheiro no início, de forma direta e séria, não é uma traição ao amor; (3) perceber que somos imperfeitos/as, e que o Outro também, de forma a aumentar a tolerância e generosidade em circulação; (4) perceber que nunca encontraremos tudo noutra pessoa, nem ela em nós, não por causa de alguma falha peculiar, mas pela própria natureza do funcionamento humano; (5) perceber que precisamos de fazer esforços tremendos, e frequentemente um tanto artificiais, para nos entendermos; e de que a intuição não pode sempre levar-nos aonde precisamos de ir; (6) perceber que passar duas horas a discutir lides domésticas (como pendurar as toalhas na casa de banho ao invés de deixá-las no chão) não é algo trivial nem casual: há uma dignidade especial em cuidar da casa, limpar, lavar a roupa e cumprir com horários.
Um dia, num ‘Manual de Amor’ ainda por escrever, encontrar-se-á – estou certo – uma breve passagem sobre como a diferença do Outro nos incomoda quando destoa da idealização que dele/a fazemos. A admissão de não se coadunar com os nossos desejos ou necessidades, fá-lo/a imperfeito (às vezes, ameaçador) aos olhos do nosso umbiguismo. Há que reter isto: a incompreensão que demonstramos face à individualidade do Outro é um caminho prometido à dor. Cada um/a tem a sua forma de sentir e demonstrar amor, com toda a unicidade da sua semântica. O mal é que raramente nos demoramos a consultar o dicionário do Outro para perceber como está organizada a sua experiência sentimental e afetiva. Lá está. precisamos de ir à escola! No fundo, não são as nossas diferenças que nos dividem. É a nossa incapacidade de reconhecer, de aceitar e de celebrar essas mesmas diferenças. Esta é a intolerância que tende a decepcionarmos após um período de paixão – e que, não raro, desemboca em ‘guerras frias’, separações/divórcios, traições e outras frustrações afetivas. Durante o estado de paixão não atendemos às diferenças: na verdade, elas são componente da atração que nos puxa para a intimidade. Impressionam-nos até ao encanto da novidade se esvair; depois, transformam-se em percebidos defeitos – em percebidos enormes defeitos, impossíveis de compreender e de tolerar.
A dificuldade que temos, em geral, é de entender que aceitar as diferenças não nos obriga a gostar delas – apenas significa que não temos o direito de tentar mudar o Outro para encaixá-lo/a na cuba dos nossos desígnios. Devemos dar ao Outro a oportunidade de se mostrar na sua autenticidade para enfim percebermos se queremos e/ou conseguimos integrá-lo na nossa vida. Assim como vivemos à procura de ser quem somos, intitulados/as aos nossos sonhos, desejos, gostos, e falibilidades, também as outras pessoas procuram o mesmo.
Neste ponto da nossa caça, faça-se as seguintes questões: como espera que o Outro seja e se comporte na relação? Até que ponto está capaz de aceitar uma realidade que destoe daquilo que idealiza na sua imaginação? Estará à espera de uma relação fabulosa, de uma relação mágica conforme prometida pelo Romantismo? Estará a fazer uma imensa birra por não conseguir atingir esses objetivos irrealistas? Levará essa birra a uma greve emocional, sentimental e afetiva?
Bonito que o seja, o anseio pelas "borboletas no estômago" pode trair apenas um certo estado melancólico e nostálgico pelos tempos idos de alguma inocência; findas contas, as 'borboletas' surgem nos inícios da nossa experiência de enamoramento (não importa a idade com que comecemos), geralmente por conta da nossa inexperiência em lidar com a novidade da situação. Porém, tornam-se cada vez menos presentes, intensas e encantatórias à medida que vamos acumulando experiência, e se fazem mais familiares e menos mistificadas. Bonita que seja esta entrega à nostalgia, nem sempre é sábio continuarmos a procurar as mesmas reações depois de adultos/as. Devemos procurar-nos sempre no 'aqui e agora' do nosso presente.
Poderá ser muito duro enfrentar o percebido romanticídio que esta perspetiva sobre a paixão comporta. Mas esta é a condição do crescimento. Como dizia Melanie Klein: "Quem come do fruto do conhecimento é expulso de algum paraíso". Com efeito, passamos a vida a despedir-nos dos nossos 'paraísos', das nossas presunções infantis. Fazemos birra quando as queremos preservar contra as ordenações da natureza. A birra é apenas um empate estratégico. Permite-nos adiar, temporariamente, o confronto com a falência da nossa presumida grandiosidade oceânica. Dói lembrar que não domamos a vida. Dói reconhecer que participamos tão pouco do comando das suas rédeas. Mas é na vida real que encontramos a nossa felicidade: não num estado de fantasia a tempo inteiro.
E por falar em fantasia, ali está a nossa próxima paragem. Olhe, olhe...
5: PERDIDOS/AS NAS NOSSAS PRÓPRIAS PROJEÇÕES (SPOILER ALERT! #2)
Refletimos já sob a paixão numa perspectiva neurobioquímica e numa perspectiva sócio-histórica. Conheçamos agora o que nos diz a minha cara Psicanálise.
Partamos antes de mais de uma premissa base: ao contrário do que muitas pessoas assumem, nós não temos acesso direto e imediato à realidade; a nossa relação com a realidade é mediada por fantasias. Estas fantasias são construídas a partir das relações que estabelecemos na infância (fase durante a qual começamos a construir os nossos laços afetivos), e funcionam como matrizes ou lentes a partir das quais percebemos e, consequentemente, agimos sobre a realidade. Dessas matrizes fazem parte as crenças, os valores e as vivências adquiridas ao longo da vida que acabarão por forjar a forma que cada um /a tem de compreender e gerir o afeto, e é em função delas que nos vemos como tendo que adotar uma certa posição diante do Outro, e também certas expectativas sobre o comportamento do Outro.
Sob este enfoque, a paixão dá-se como um mecanismo de defesa inconsciente para lidar com conteúdos do passado não devidamente resolvidos, como necessidades emocionais não atendidas e desejos reprimidos, que deixam 'vazios', bloqueios, feridas, traumas, sentimentos de fragmentação e outros conteúdos por elaborar.
Em geral, escolhemos companheiros/as que recriam as dinâmicas inconscientes que aprendemos sobre o amor e a intimidade, sobretudo na nossa infância, nas quais a nossa 'criança interior' foi profundamente magoada [por exemplo, o impacto de um pai ausente, de uma mãe tóxica, de uma linguagem agressiva, de gritos ou uma criação sem segurança e afeto: são as nossas figuras cuidadoras (tipicamente os pais) que mais profundamente marcam uma certa pauta de atuação baseada tanto na forma como nos tratavam a nós, e também como se tratavam entre eles/as]. Tipicamente, estas experiências sensibilizam-nos para o medo da rejeição ou da perda, e para a expectativa de que nos decepcionem. Isto poderá ter eu ver com:
Agora, em idade adulta, o que fazemos é - inconscientemente - procurar formas de se curarem as nossas feridas e traumas, de se preencherem os vazios, de se libertarem os nossos bloqueios. Sem saber, sentimo-nos atraídos/as por pessoas que ressoam com a informação que arquivamos no nosso inconsciente, uma vez que elas nos ajudarão - para o bem e para o mal - a recriar as dinâmicas que nos são familiares, e também a confirmar as nossas crenças sobre o que esperar e merecer de uma relação amorosa.
Dizemos que estamos a "projetar" conteúdos nossos no Outro. Explico. A projeção é um mecanismo de defesa inconsciente em que a pessoa atribui ao 'objeto da sua paixão' características, desejos ou qualidades que, na realidade, pertencem a ela mesma. Isto acontece porque para o nosso cérebro e sistema nervoso, o 'familiar/conhecido' é assumido como o "correto" (ainda que seja disfuncional ou doentio). A mesma atração acontece também a nível sexual.
O grande perigo é colocarmos nas mãos de outra pessoa a responsabilidade pela nossa própria felicidade. É fundamental entender que somos responsáveis pela nossa própria felicidade, e que o/a(s) companheiro/a(s) será apenas alguém que participa da nossa vida. Independentemente de estarmos ou não numa relação de namoro, cada pessoa precisa de valorizar-se, e manter as atividades e amizades que definem a sua identidade individual. Mas nesta procura, motivadas pelo desejo profundo e inconsciente de corrigir erros passados, muitas pessoas acabam em associações de enamoramento negativas, justamente por se despersonalizarem.
Embora todos/as nos queiramos apaixonar, a intimidade para a qual o encontro com o Outro nos chama pode ser muito agressiva para quem guarda estes conteúdos dolorosos e não devidamente resolvidos. Sem termos consciência disso o medo, a vergonha e a culpa podem desencorajar-nos; se adotarmos uma postura evitante diante destes conteúdos podemos voltar a anestesiar a nossa autenticidade, caindo no desânimo e, consequentemente, no embotamento emocional - e aqui "deixamos de sentir", o que fechará portas à eventual experiência de enamoramento.
Não infrequentemente, é o fracasso em reconhecer estes medos pelo que eles são que leva a grandes términos relacionais. A única forma de evitá-lo é abraçar esses medos e desemaranhar o domínio que exercem sobre a nossa vida amorosa.
6: OUTRO: DA CRISÁLIDA DO SELF
Saiba mais em consultório.
Aqui para si.
Carlos Marinho
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