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MÃES TÓXICAS


Nem sempre somos capazes de perceber que estamos numa relação tóxica, ou de reconhecer os estragos que ela nos pode causar. Nas relações tóxicas, uma ou duas partes que formam a relação sofrem mais do que desfrutam e padecem de um grande desgaste emocional, pelo fato de permanecerem juntas. Quer consciente quer inconscientemente, o estilo educativo negligente das mães tóxicas produz consequências extremamente negativas para os/as filhos/as.

Se os seus níveis de stress negativo aumentam quando está com ela; se ela costuma fazê-lo/a sentir-se mal; se ela o/a força a mudar a sua maneira de ser, de pensar, de se apresentar, acabando por diluir-lhe a própria individualidade; se faz com que se sinta emocionalmente dependente; se faz com se sinta humilhado/a, inútil e/ou culpado; se sente que ela o/a manipula; que ela lhe absorve a sua energia; que lhe provoca uma diminuição de autoestima; se se percebe frequentemente envolvido em discussões, críticas, atitudes de despreza, de desclassificação ou insultos, de vitimização, de ciúmes, de inveja, de chantagem emocional, de ameaças (normalmente ameaças de abandono), então é bem provável que tenha uma mãe tóxica. Podem considerar-se diferentes tipos de mães tóxicas:

1] A Mãe dominadora: Este tipo de mãe tóxica é a mãe que se caracteriza por querer saber tudo acerca dos filhos: o que fazem, onde vão, com quem vão, quem são os seus amigos, etc. Além disso, controlam-nos a um tão alto nível de intrusão que não lhes deixa tomarem as suas próprias decisões, nem escolherem o que querem ou o que devem fazer. É a mãe quem se responsabiliza por administrar-lhes a vida. Normalmente, os/as filhos/as de mães controladoras sentem-se inseguros/as e indefensos/as perante as situações nas quais a mãe não decide por eles, dado estarem acostumados a não tomar decisões importantes.

2] A Mãe super-protetora: Trata-se da mãe que se preocupa em excesso pelos filhos, tem medo de que lhes possa acontecer alguma coisa e, portanto, tende a não lhes deixar espaço próprio. Normalmente, antecipam-se aos problemas porque querem solucionar todo o que possa causar algum tipo de dor ou consequência negativa para os/as filhos/as.

3] A Mãe absorvente e possessiva: É a mãe que precisa de passar o máximo de tempo possível com os filhos e também não lhes dá espaço: não tanto por medo ao que lhes possa aconteça, mas porque resiste ao confronto com a sua própria solidão.

4] A Mãe perfeccionista e exigente: Este tipo de mãe tóxica é o que têm em conta as virtudes e as capacidades dos/as seus/suas filhos/as, mas que tende a exigir mais perfeição e excelência deles. Normalmente não vê o processo (como esforço e constância) pelo qual os filhos passam para atingirem os seus objetivos, reparando unicamente nos resultados obtidos.

5] A Mãe Amiga: É a mãe que se considera companheira, camarada ou amiga dos/as filhos/as, para quem se faz difícil perceber que eles/as precisam de um exemplo e modelo regulador, capaz de equilibrar controlo e afeto, sem descair para excessos. 

6] A Mãe depreciativa: É o tipo de mãe que não valoriza as capacidades nem os êxitos dos/as seus/suas filhos/as, costumando desprezá-los/as, quer pelos seus atos, quer pelos seus rendimentos (a nível escolar, desportivo, profissional, etc.).

7] A Mãe ausente: Trata-se do tipo de mãe que não está emocionalmente disponível, para os/as filhos/as, quer estando fisicamente presente ou não (por exemplo, por motivos de trabalho), gerando sentimentos de carência afetiva que tendem a prolongar-se pela idade adulta;

8] A Mãe competitiva: Este tipo de mãe tóxica é a que compete com os/as próprios/as filhos/as, devendo sempre sentir-se superior. Se, por exemplo, eles/as conseguem atingir algum objetivo, ela tem de superá-los/as com um resultado melhor, fazendo-lhes saber que ela os venceu. 

9] A Mãe emocionalmente instável: Caracteriza-se por uma instabilidade emocional, fato que implica que os/as filhos/as não desenvolvam uma relação estável consigo.

10] A Mãe que se faz de vítima…

Fazer o papel de vítima é uma forma de controlo materno tóxico, que muitas vezes inclui atribuir aos/às filhos/as o papel de bode expiatório da família, transferir a culpa e/ou chamar a atenção. O role-playing da mãe controladora que adota este papel produz um efeito direito sobre as crianças que pode ser duradouro e altamente prejudicial. Não raro, faz com que aquelas se sintam inadequadas, lutando para manter a precisão de limites diferenciadores, para reconhecer e validar esta forma de abuso, e expressar as suas necessidades. Vejamos os seguintes exemplos: 

ESTUDO DE CASO #1: CÉLIA

A Célia tem 52 anos, é mãe e avó, e a sua mãe tem 71 anos. Segundo conta em consultório: “Eu sou a razão pela qual a minha mãe nunca realizou os seus sonhos, e nunca vacilou nessa crença. O que fiz eu? Nasci quando ela deveria estar a terminar o segundo ano de universidade; em vez disso, desistiu e nunca mais voltou. A despeito de nunca ter feito qualquer esforço individual para regressar, a mãe de Célia continua a culpar a filha. “Era de esperar, passados todos estes anos, que ela visse quão absurda é essa acusação” prossegue Célia “Mas não. À medida que fui crescendo, aceitei que ela me tratasse de forma diferente dos meus irmãos, sabendo que era por ter-lhe arruinado a vida. Internalizei esta culpa, acreditei nela. Estou agora a tentar recupera, lentamente, mas quando a vejo – e não é frequentemente – ainda se faz de vítima. Percebi que ela necessita da simpatia que recebe por isso: do meu pai, dos meus irmãos e de outros”. À superfície, esta forma de manipulação poderia parecer relativamente fácil de ser rebatida, mas não o é. Findas contas, são anos e anos a internalizar a crença de que se é a causa do sofrimento da mãe. Ironicamente, enquanto a verdadeira causa é marginalizada, o resto da família vê-se aproximada por partilhar uma mesma narrativa comum.

ESTUDO DE CASO #2: FILIPE

Foi também este o caso do Filipe, de 35 anos, cuja mãe, afetuosa de aparência, ocultava formas de agressão implacáveis. “A maioria dos pais” diz Filipe em consulta “quer gabar-se dos filhos, mesmo que para isso às vezes tenham de ignorar ou florear certas verdades – a minha mãe fez o oposto, minimizando sempre tudo o que fiz e conquistei, ao comparar-me com outros. Nunca entendi o seu comportamento. Até perceber que ela prefere obter a simpatia e complacência dos outros, do que deixá-los orgulhosos ou invejosos. A sua natureza dissimulada fez com que o meu pai a protegesse, e a visse como vítima”. Nessa família, o pai tornou-se um reforço do discurso vitimizador da mãe. Não surpreendentemente, o Filipe dispôs-se sempre a querer agradar a mãe e a resolver todos os problemas, ainda que sem sucesso. Quando uma mãe interpreta a vítima, a criança é muitas vezes forçada a assumir o papel de socorrista, querendo ou não.

ESTUDO DE CASO #3: DANIEL

Esta dinâmica era também verdade para Daniel, o filho do meio, com um irmão três anos mais velho e uma irmã seis anos mais nova. Tem agora 45 anos e é pai de dois filhos: "A minha mãe adorava o papel de Cinderela antes do príncipe aparecer. Independentemente do muito que me esforçasse para agradá-la e fazê-la feliz, dececionava-se sempre com tudo e todos – incluindo o meu pai, o meu irmão, os restantes parentes, os vizinhos, e até estranhos”. Este cliente transformou-se no “socorrista” da família, procurando consolar a mãe após cada deceção: “Para ela, o meu irmão era o problemático, então culpei-o pela sua infelicidade; sem sequer entender o que era um bode expiatório, fui criado para culpá-lo. Demorou muito até perceber que os filhos não são responsáveis pela felicidade dos pais, que isso depende deles, da forma como estão organizados emocionalmente. Tanto eu como o meu pai tornamo-nos ‘enfermeiros de serviço’. Enquanto isto acontecia, ninguém se importava com as minhas preocupações ou problemas. Nem sequer eu. Na universidade, senti-me extremamente confuso e não sabia fazer nada exceto ser um filho obediente. Quando o Carlos me perguntou o que eu realmente queria, fiquei literalmente bloqueado: não me ocorria nada – queria apenas manter a paz familiar, e ter a certeza de que não desapontaria a minha mãe”.

EFEITOS A LONGO PRAZO DE TER UMA MÃE QUE SE FAZ DE VÍTIMA

Embora dificilmente exaustiva, esta lista é anedótica, extraída de vários casos que fui atendendo ao longo dos anos:

1] Dificuldade em reconhecer limites saudáveis: ao fazer-se de vítima e responsabilizar a criança pela sua vida e pelos seus atos, a mãe entrelaça as duas identidades. Atribuir à criança o papel de salvadora – ou incentivá-la a assumi-lo – também envolve e elimina os limites saudáveis que devem existir entre os pais e as crianças. 

2] Internalizar a culpa da mãe como autocrítica: Infelizmente, é um truísmo sobre o abuso de crianças que elas absorvam o que lhes é dito, a elas e sobre elas, como verdades invioláveis; isto muitas vezes energiza a autocrítica como uma posição padrão inconsciente, baseada nas supostas ‘falhas de caráter’, impossíveis de ser alteradas.

3] Dificuldade em ver o papel de vítima da mãe como abusivo: As crianças normalizam os comportamentos e o trato dos seus pais, e é muito provável que só passados muitos anos é que se apercebam de que esta dinâmica tóxica de aparente vulnerabilidade é, no fundo, um meio para assegurar o controlo e o poder. A criança provavelmente acredita que a sua mãe não só está a sofrer, como é também uma vítima no sentido real do termo. Mesmo em idade adulta, o/a filho/a pode continuar a sentir-se culpado/a ou cúmplice.

4] Incapaz de reconhecer e/ou expressar as suas próprias necessidades: O comportamento da mãe empurra a criança para um papel bem definido – seja como a causa da angústia ou o seu bálsamo – de forma a que a atenção seja desviada dos desejos e necessidades da criança. Com efeito, a expressão de necessidades da criança pode ser atendida com resistência ou mesmo punição. A criança aprende a reprimir sentimentos e pensamentos e desapegar-se deles; e sim, esta posição tende a continuar na idade adulta.

QUANDO AS MÃES SE AFASTAM

Embora o afastamento das mães que se retratam como vítimas dos/as filhos/as adultos/as seja diferente do papel passivo-agressivo que elas desempenham enquanto agentes educativos ativos, não poderia ser remisso em assinalá-lo nesta nota, dada a sua grande frequência. Enquanto a maioria dos afastamentos entre pais e filhos adultos são iniciados pelos filhos, o retrato da mãe de si mesma como vítima também acontece quando é ela quem inicia o corte. Os mitos culturais relativos à maternidade – que todas as mulheres são nutridoras, que a maternidade é instintiva e que todas amam incondicionalmente – são os fundamentos da sua atitude, fortalecidos por uma disposição da sociedade para condenar a deslealdade filial e a ingratidão em vez de confrontar o abuso materno.

A Carolina é uma viúva de 70 anos, que se diz vítima de dois filhos adultos ingratos, que não só cortaram o contato com ela, como também se recusam a permitir que veja os seus netos. “Sem qualquer motivo”, acrescenta repetidas vezes. Na sua perspectiva, sempre foi uma boa mãe, uma mãe excecional, que sempre lhes deu “tudo”. Começa então um inventário contabilístico de todas as escolas particulares, férias e mimos com os quais sempre os brindou.  A verdade é que os adultos raramente, ou nunca, ficam órfãos sem motivos fortes. Mas é sempre mais fácil assumir o papel de vítima do que perceber e assumir os comportamentos que levam os filhos a quererem fugir. 

MÃES TÓXICAS: PSICOLOGIA E TRATAMENTO

Lidar com mães tóxicas é uma dinâmica complexa e frequentemente devastadora para os/as filhos/as. No número de formas passíveis de facilitá-la conta-se: 

1. O recurso a um profissional de mediação: a mediação é um procedimento de resolução de conflitos destinado a melhorar a comunicação entre as pessoas que se encontram em conflito (neste caso, mãe e filhos/as), com a finalidade de autonomizá-los na procura e implementação prática de uma solução para o problema. A figura do mediador/a consiste em mostrar-se neutro/a e imparcial, e promover e facilitar a fluidez da comunicação entre as duas partes;

2. O recurso à terapia familiar: este tipo de terapia trata os problemas que se geram no contexto familiar, e demonstra ser muito útil na resolução de conflitos familiares e dinâmicas relacionais prejudiciais para os seus membros.

3. O recurso à terapia individual: por um lado, e sobretudo para as mães que são instáveis emocionalmente, quer devido a traços personalísticos, perturbações mentais, ou adição a sustâncias. Por outro lado, a terapia individual pode ser vantajosa para poder tratar o desgaste emocional dos/as filhos/as a nível individual. 

Saiba mais em consultório.
Aqui para si.

Com estima,
Carlos Marinho

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