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PERTURBAÇÕES NA COMUNICAÇÃO (IDENTIFICANDO MARCADORES DE COMUNICAÇÃO DISFUNCIONAL)

1. PERTURBAÇÕES NA COMUNICAÇÃO

Um dos pilares centrais em qualquer registo relacional é a comunicação, meio pelo qual nos expressamos e ao nosso 'mundo interno'. Se há boa comunicação, o resto virá como agradável consequência; mas quando as pessoas não conseguem conversar e estabelecer um canal positivo é possível que certos problemas surjam e minem a relação.

As discussões magoam, frustram-nos e, às vezes, fazem com que nos sintamos sem esperança. Quanto mais nos esforçamos por partilhar os nossos sentimentos e verificamos que a pessoa que está ao nosso lado não só parece não nos compreender, como ainda diz coisas que nos ferem, mais desamparados/as nos sentimos. Às vezes, temos a clara sensação de que o maior problema é a comunicação mas nem sempre é fácil perceber em que aspeto e o que há a fazer.

Na prática, entre aquilo que uma pessoa tenta manifestar e aquilo que a outra ouve, vai quase sempre uma grande distância, pelo que importa prestar mesmo muita atenção ao nosso comportamento, àquilo que cada um/a de nós pode fazer para se sentir compreendido/a e escutado/a sem equívocos. 

Para facilitar este reconhecimento e gerar alguma clarividência sobre formas pró-ativas de resolução, listo abaixo alguns marcadores de comunicação disfuncional, que incluem dinâmicas, comportamentos e atitudes relacionais não adaptativas. A partir daqui, deixo a todos/as os/as leitores/as - particularmente no contexto de casais/parcerias - o seguinte desafio...

1.1. UM DESAFIO TERAPÊUTICO

Procurem perceber quais destes marcadores estão presentes na forma como se entendem com a outra pessoa
.

Depois de devidamente identificados, iremos trabalhá-los em sessão, estudando os motivos inerentes a esses marcadores e planificando formas alternativas, mais adaptativas, de comunicação.

Atempadamente, será importante permitirem-se um momento para explicarem como se sentem, que pontos da relação acham que ambos/as precisam de melhorar para otimizá-la

Espera-se que para chegarem a um acordo mútuo, estejam ambos/as capazes de fazer a sua devida cedência, abdicando do desejo de impor uma versão absoluta dos eventos. Vamos então aos marcadores: 

2. MARCADORES DE COMUNICAÇÃO DISFUNCIONAL


ÍNDICE:
  1. Crítica
  2. Desprezo
  3. Defensividade
  4. Indiferença/Stonewalling
  5. Insensibilidade para a Escuta Ativa ("Ele/a Não Me Ouve")
  6. Dragar o Passado
  7. Presos/as ao Problema
  8. Shut Down de Possibilidades
  9. Contabilidade Afetiva/"Scorekeeping"
  10. Redireccionamento da Culpa
  11. Estar do Contra
  12. Dificuldades no Controlo de Raiva
  13. Atitude Passivo-Agressiva
  14. Invalidação
  15. Monólogo
  16. Conversas de Dominação /One-Up Manship
  17. Gaslighting
  18. Mansplaining
  19. Declarações Não-Autorizadas 
  20. Conselho Não Solicitado
  21. Projeção
  22. Injunções Paradoxais
  23. Mentira/Confabulação
  24. Iliteracia Emocional 
  25. Distorções ao Nível de Conteúdo e Relação
  26. Erro de Tradução Digital/Analógico
  27. Problemas na Pontuação da Sequência de Eventos
  28. Desencontros ao Nível da Linguagem Amorosa
*

1. CRÍTICAA crítica é uma maneira desrespeitadora de expressar um desacordo ou uma queixa por algo que a outra pessoa fez, mas no formato de um juízo de valor a seu respeito. Aquilo que seria uma mera opinião sobre os seus comportamentos/atitudes transforma-se numa apreciação que o/a desqualifica e ataca, sem respeito pela sua individualidade (confundem-se os termos de “se ages assim, tu és assim – e como não gosto do que fazes, não gosto de ti”). 

O QUE FAZER? | É da nossa responsabilidade relacional ensinarmo-nos uns aos outros sobre como queremos e precisamos de ser tratados/as – não só não há problema como, na verdade, não nos podemos dar ao luxo, de não comunicar sobre algo que nos desagrada na relação, ou sobre necessidades e desejos que poderão não estar a ser (devidamente) satisfeitos. E é possível fazê-lo sem críticas – através do “soft start up”, uma prática da comunicação não-violenta. Um dos seus recursos é usar afirmações começadas por “eu” (evitando o ‘apontar de dedo’ acusatório ao outro). Um exemplo:

Em vez de dizer: “Tu já não me dás atenção nenhuma”, poderá dizer: “Eu sinto falta da tua atenção”. 

Ou…

Em vez de dizer: “Só falas de ti”, poderá dizer: “Eu sinto-me algo ignorado/a. Gostava de falar sobre como foi o meu dia: parece-te bem?”.

NOTA: Ajuda expressar semelhantes sentimentos e pensamentos à medida que surgirem, por oposição a reprimi-los e acumulá-los, até que o ressentimento venha à tona.

2. DESPREZO: Manifesta-se em atitudes agressivas e de falta de respeito, que são diretamente expressas ao outro, como insultos, ameaças, ofensas, piadas, sarcasmo e humilhações, que implicam uma atitude de superioridade por parte de quem despreza. A pessoa desprezada sente-se diminuída e anulada. É o mais forte dos presságios de fracasso de uma relação e, geralmente, alimenta-se de pensamentos negativos guardados há muito, a respeito do(s) companheiro(s)/companheira(s).

O QUE FAZER? | Recomenda-se a construção de uma cultura de apreciação mútua (o que, claro, não acontece de um momento para o outro), assente na capacidade de pensar de forma positiva sobre o/a seu/sua parceiro/parceira, de acreditar que o Outro é digno de carinho e de admiração (ajuda lembrar as primeiras impressões com bons sentimentos), concentrando-se nas suas características positivas, demonstrando estima e afeto por isso. Para cada interação negativa sugere-se, pelo menos, 5 interações positivas.

A ‘cultura da apreciação mútua’ não depende apenas de elogios. Perceber alguns esforços diários do/a parceiro/a para facilitar ou melhorar a vida de ambos/as – mesmo que sejam coisas “pequenas” (como acordar mais cedo para nos fazer café) – é de extrema importância. 

3. DEFENSIVIDADE: Refere-se à atitude defensiva que incorremos quando nos percebemos na mira de um ataque – ou seja, quando consideramos que a culpa pelo início das tensões é do outro (“o problema não é meu – é teu”). Protegemos os nossos sentimentos, fechando-nos em nós próprios/as, nada fica resolvido, e a fratura vai aumentando. Esta postura tende a desresponsabilizar a pessoa da sua quota parte no conflito/dificuldade, dificultando a mudança necessária para solucioná-la. Muitas vezes envolve um ataque, que pode surgir sob forma de censuras, ameaças, e juízos de valor, e ficamos mais concentrados em “atacar por defesa” do que em assumir a responsabilidade e a procura de soluções. Nota de atenção para a utilização de certos sintomas como forma de escape à autoresponsabilização e conversação.

O QUE FAZER? | A batalha é aqui contra o orgulho, o medo e o desejo egóico de estarmos sempre certos/as, sempre em controlo, sempre em posição de dominância (e quem, senão alguém inseguro/a, precisa de estar sempre tão no controlo?). Aceitar a própria vulnerabilidade não é tarefa fácil, mas é concretizável: implica consciência, humildação, disciplina e a boa vontade de ir ao encontro do Outro, na expectativa (legítima) de que este seja um movimento recíproco. O amor começa aqui: na capacidade de sairmos de nós próprios/as, da nossa própria dor, para nos ocuparmos do Outro, e vice-versa – “Eu cuido de ti, tu cuidas de mim”. A comunicação implica um diálogo – o diálogo implica a escuta atenta do outro, e não uma mera defesa da nossa posição. O que se quer é uma conexão profunda e autêntica, além-muralhas. O esforço compensa quando nos sentimos amparados/as na nossa própria vulnerabilidade. Assumir certas responsabilidades é consequência natural. Um dos maiores prazeres da maturidade emocional é saber fazer triunfar o amor sobre o ego

4. INDIFERENÇA/"STONEWALLING"Trata-se de mostrar indiferença para evitar o conflito. Distanciamo-nos e desconectamo-nos dos argumentos do outro, e da própria pessoa, como se a questão nos não estivesse relacionada. Geralmente, evitamos o conflito por estarmos já sobrecarregados/as emocionalmente. É uma estratégia negativa porque, novamente, nos afasta da solução (se não assumirmos o problema, nada será resolvido). 

Entenda-se que os conflitos são a expressão das diferenças e desejos encontrados, servindo para esclarecer e para nivelar expectativas. Servem para reafirmar, por um lado, a individualidade dos membros do casal e, por outro lado, encorajá-los a reforçar o ‘nós’ relacional, trazendo assim a ambos o germe da transformação e do crescimento. Contrariamente ao afastamento/evitamento, discutir a relação de forma aberta favorece a interação intimista, incentiva o espírito de confiança, de compromisso, e de respeito mútuo.

Geralmente, o afastamento é um comportamento inconsciente incorrido para tolerar o desconforto vivido na relação. Não raro, encontrámo-lo baseado em comportamentos aprendidos no círculo familiar em que fomos criados/as. Relações familiares tensas, com pouca afetividade, resultam frequentemente em pessoas incapazes de – ou com grande dificuldade em – expressar as próprias emoções. Mesmo apaixonadas, estas pessoas marcam uma certa distância do/a outro/a, já que é o que está no seu ‘banco de dados’ interno: ninguém lhes ensinou a demonstrar carinho e, consequentemente, não sabem como fazê-lo. Pode também acontecer que a pessoa tenha sido criada num ambiente em que as figuras cuidadoras estavam em constante conflito, levando-a marcar uma certa distância como forma de evitar que a mesma coisa aconteça no seu lar.

O 'stonewalling' pode implicar atitudes de silêncio (‘silent treatment’), uma expressão corporal passiva, inexpressão, evasão, dizer-se (sempre) ocupado/a, incorrer comportamentos obsessivos, dar respostas repassadas de lacunas, ou levar tudo para a brincadeira (não é mentira que o humor ajuda a aliviar a tensão e o stress, que eleva o estado de ânimo e de energia, que pode ajudar a solucionar problemas no relacionamento e a fortalecer o vínculo entre o casal, mas quando usado como forma de evasão, recaímos no 'stonewalling'). Quando desta forma nos retiramos do conflito, deixamos o/a(s) nosso/a(s) parceiro/a(s) sozinho/a(s) na conversa, o que é porta aberta para grande frustração e ressentimento. 

O QUE QUE FAZER? | Shakespeare falava dos soldados que desertavam da batalha, para voltarem no dia seguinte mais fortes. O truque também aqui se aplica: se algo nos fragilizar emocionalmente, ou provocar outra forma de reatividade emocional negativa, afastarmo-nos para procurar alguma acalmia poderá ser a melhor política possível. Só precisamos de garantir duas coisas: 1º: de que avisamos o/a(s) nosso/a(s) parceiro/a(s) de que precisamos desse tempo, e tranquilizá-lo/a(s) de que voltaremos; : de que, durante o tempo desse intervalo, procuramos acalmar-nos e não ruminar sobre o desentendimento. A autocomiseração não ajudará: é uma chamada à ação, uma chamada à resolução – então, aja. 

5. "ELE/A NÃO ME OUVE" / INSENSIBILIDADE PARA A ESCUTA ATIVA: Uma situação bastante comum nos relacionamentos é a incapacidade de ouvir de uma ou ambas as partes. O diálogo é formado por dois elementos: a fala e a escuta. Para que duas pessoas dialoguem com qualidade, ambos precisam estar presentes. Quando um dos cônjuges tem algo a dizer, mas não consegue se expressar sem abrasividade, a intensidade das emoções ou assusta o parceiro ou o incentiva a retaliar. Logo, as conversas transformam-se em campos de batalha. 

É comum ver como nas conversas as pessoas ouvem para responder, ao invés de entender a mensagem que a outra pessoa quer passar. Quanto mais tempo essa situação continuar, maiores serão as consequências negativas que ela deixa. Quando isso acontece durante as discussões, elas ficam cada vez mais acaloradas, e nunca é possível chegar a um ponto conclusivo, pois os integrantes do casal se interrompem constantemente, impedindo que alguém expresse seus pontos de vista normalmente.

A sensibilidade para a escuta ativa permite-nos não só ouvir o que a pessoa nos disser, como tentamos também obter o significado da sua mensagem. A escuta ativa pode ajudar-nos a manter uma conversa, e pode ajudar-nos a conhecer alguém melhor. Durante a escuta ativa não devemos atropelar o discurso do Outro falando das nossas próprias experiências – a escuta ativa é apenas acerca do que a outra pessoa está a dizer. 

O QUE FAZER? | Há quatro etapas principais na escuta ativa…

5.1. Atender: Atender significa ouvir e entender. A pessoa percebe que a está a ouvir devido à sua linguagem corporal – o seu rosto mostrará interesse e fará contato visual apropriado e gestos, tal como menear a cabeça encorajadoramente;

5.2. Parafrasear/Escuta reflexiva: Significa ouvir alguém com completa atenção e, em seguida, repetirmos o que essa pessoa disser utilizando as nossas próprias palavras. É frequentemente utilizada quando a pessoa que fala está a contar algo que a perturba. Por exemplo, se um/a amigo/a lhe disser: “Sinto-me mesmo triste por o meu gato ter morrido”, poderá sempre querer dizer: “Essa perda deixou-te mesmo triste, e vejo que está a ser difícil para ti lidares com isso” ao invés de “Podes sempre arranjar outro gato”. A escuta reflexiva mostra que temos empatia com a outra pessoa, ou seja, que entendemos o que ela está a sentir, ao mesmo tempo que a apoiamos;

5.3. Clarificar: Clarificar significa pedir mais informações para nos certificarmos de que entendemos o Outro. Poderá perguntar: “Podes dizer-se mais sobre isso...?” ou “Como é que te sentes em relação a isso?”;

5.4. Feedback: Dar feedback envolve descrever o que entendeu sobre os sentimentos da pessoa. Usando o exemplo anterior, poderá dizer: “É importante aceitarmos que as perdas fazem parte da vida, e que apesar de a interação com o teu gato ter cessado, ele fará sempre parte das memórias afetivas da tua história de vida".

6. DRAGAR O PASSADEnvolve o revisitar de um conflito passado. Sempre que a tensão emocional aumenta, cavam-se valas com o intuito de desenterrar esqueletos antigos e mostrar ao outro o quão assombrada está a relação. É uma forma de justificarem as suas ações numa espiral recursiva de tempos passados (há sempre um esqueleto no passado, à espera de ser desenterrado que justifica o momento presente). 

7. PRESOS/AS AO PROBLEMAAtitude de insistência na queixa em relação à existência de um problema, ao invés de: (a) trabalhar ativamente numa solução, (b) reconhecer que a outra pessoa está a trabalhar ativamente numa solução, ou (c) que a outra pessoa até já eliminou o problema por completo. A pessoa presa ao problema não reconhece os avanços na situação e recusa-se, consciente ou inconscientemente, a seguir em frente.

8. SHUT DOWN DE POSSIBILIDADES: Atitude derrotista relativamente a um problema ou dificuldade, que frequentemente catastrofiza as situações, maximizando aspetos negativos e menorizando os positivos, e que se expressa por profecias como: “Não vai funcionar”, “Já tentamos isso”, “Não vai acontecer”, ou expressões do género: “não pode”, "impossível” e “esquece”. Muitas das vezes, estas pressuposições tornam-se crenças, provocando assim a sua própria concretização - chamamos-lhes 'profecias autocumpridas' ou 'efeito Pigmaleão'. Quando as pessoas esperam ou acreditam que algo acontecerá, agem como se a profecia ou previsão fosse já real e assim a previsão acaba por se realizar efetivamente.

9. CONTABILIDADE AFETIVA / "SCOREKEEPING": O velho ditado: “dois erros não fazem um acerto” nunca foi tão relevante. Embora seja razoável esperar que as relações se pautem pela reciprocidade, raramente são uma questão de 50-50 exatos. Provavelmente descobrirá que é mais doador/a ou recebedor/a em diferentes relações, em momentos diferentes, e é essa dinâmica que lhe traz o equilíbrio. 

O QUE FAZER? | Pondere as seguintes atitudes...

9.1. Cultive a gratidão. A apreciação é o antídoto para o 'scorekeeping'. Quanto mais se concentrar nas boas qualidades das suas parcerias, amigos e familiares, menos notará as suas faltas e insuficiências. Pode até começar a descobrir as coisas incríveis que fazem por si e que vinha ignorando até agora.

9.2. Estabeleça prioridades. A contabilidade afetiva muitas vezes exagera questões menores. Esteja atento/a ao que realmente importa, nomeadamente a honestidade e integridade da sua parceria.

9.3. Dê generosamente: Numa relação significativa, a nossa satisfação geralmente depende mais do que damos do que do que dela recebemos. Pratique dar incondicionalmente e compare a experiência com a 'dádiva com restrições'.

9.4. Comunique-se diretamente: Pedir o que necessita e deseja é mais eficaz do que esperar que outras pessoas consigam ler-lhe a mente. Ensine a(s) outra(s) pessoa(s) sobre como quer e precisa de ser tratado/a: esteja disposto/a a estender-lhes o mesmo favor quando estiverem sob pressão.

9.5. Siga em frente: Se perceber que um relacionamento é excessiva e predominantemente unilateral, poderá ser hora de desistir. Merecemos ser amados/as e respeitados/as. 

10. REDIRECIONAMENTO DA CULPA: Esta atitude está associada a um mecanismo de defesa chamado 'deslocamento', e envolve o redirecionamento do foco, da culpa ou da crítica de si mesmo/a para outra pessoa, na tentativa de preservar a autoimagem. Um dos exemplos mais comuns do redirecionamento é quando alguém muda de assunto no meio de uma discussão. 

Especificamente, se o seu comportamento for questionado, o/a defletor/a redirecionará a conversa para se concentrar em algo que a outra pessoa fez de errado. Isto permite-lhes escapar à necessidade de assumir a responsabilidade pelas suas próprias ações ("Ah, sim? E daquela vez em que tu fizeste X?", "Eu só fiz X porque tu fizeste Y. A culpa é tua"). 

Outros exemplos, que cobriremos neste artigo, são o ataque, a projeção, e o 'gaslighting'

Esta atitude encontra-se muitas vezes presente no funcionamento narcisista (não significa que todas as pessoas que redirecionem sejam narcisistas, mas seguramente todos/as os/as narcisistas desviam, já que querem estar sempre em controlo, e nunca assumir a responsabilidade por algo negativo. Quando o redirecionamento da culpa acontece regularmente, forma a estrutura de um relacionamento emocionalmente abusivo. Um/a parceiro/a nunca assume a responsabilidade pelas suas ações, deixando a outra pessoa insegura para expressar as suas necessidades e os seus desejos. 

O QUE FAZER? | Diante de alguém que esteja a redirecionar, tente resolver a situação usando afirmações "eu", em vez de afirmações "tu" (já que esta linha de abordagem colocará a pessoa na defensiva). Por exemplo, ao invés de apontar: “Estás a desviar a conversa” ou “Não me estás  ouvir", talvez possa querer dizer: “Estou a tentar falar contigo obre isto porque é importante para mim que estejamos em sintonia".

11. ESTAR DO CONTRA: Uma tendência subconsciente de assumir a posição oposta, não importando o assunto ou a posição da outra pessoa, tipicamente associada à necessidade de uma autovalorização a expensas da menorização dos outros (e indicador de um possível complexo de inferioridade).

12. DIFICULDADES NO CONTROLO DE RAIVAEsta situação gera um ciclo vicioso através do qual a raiva nos faz transmitir certas ideias de forma inadequada, sendo que os estilos de comunicação inadequada desencadeiam ainda mais raiva. Esta emoção não é mais do que a experiência da mágoa, podendo expressar-se de várias formas, como o ficar-se irritado/a, ressentido/a, indignado/a, incomodado/a ou amargurado/a. A função da raiva é dar-nos energia para manifestar a mágoa quando ela está presente. Pagamos a penalização do mal-estar ao negarmos as nossas emoções, pois é como se passássemos a viver uma falsa realidade.

Sempre que experimentamos a raiva, repetimos o mesmo padrão: sofremos com um determinado acontecimento, adiamos a expressão da mágoa por um ou dois momentos e ficamos ressentidos/as por termos sido magoados/as. Quando tal acontece, refletimos sobre o momento, tentamos determinar o que aconteceu e decidimos o que fazer. Logo, é importante que a intensidade da raiva expressa seja adequada ao momento sofrido. 

Quando manifesto de maneira ineficaz, o ressentimento restante fica na “fila de espera” para ser exposto numa próxima oportunidade, quando muito provavelmente já existirá alguma raiva acumulada, o que tendencialmente ocorre na hora e no lugar mais inadequados e, muitas vezes, sobre a pessoa errada. Como permanece não-resolvida, é como se ficássemos obcecados/as.

Mas, por que é tão comum inibirmos a expressão da raiva, uma vez que este é um sentimento natural? Os motivos são vários: medo de ser rejeitado/a, de admitir a própria vulnerabilidade, de ser mal interpretado/a, de alguém sair ferido/a, de se perder o controlo, para numerar algumas. Culturalmente, aprendemos também que não é concordante com o decoro social expressarmos raiva em relação aos nossos pais ou a outras pessoas que se espera que respeitemos. 

Desenvolver a tão desejada liberdade emocional não é tarefa fácil, mas é preciso, acima de tudo, deixar que os sentimentos negativos como a dor, a raiva e a mágoa sejam ventilados até se esgotarem e desaparecerem.

Quando nos permitimos sentir as emoções ficamos conscientes de que elas nos pertencem, mas não fazem parte da nossa essência. Por outras palavras, não somos as nossas emoções: podemos manifestá-las sem que o nosso valor ou carácter se percam, sem que o nosso 'Eu' se despersonalize e dilua.

A raiva, em si, não é prejudicial: mas a sua acumulação pode ser extremamente perigosa. Permita-se sentir a mágoa, quando a rejeição, a deceção, a traição, a vergonha ou o fracasso acontecerem: será pior evitá-lo. Podemos dizer que começa a cuidar da sua saúde emocional quando admite a verdade da dor. Reconhecer as suas fraquezas dá-lhe um controlo real. Para informação mais específica e compreensiva, veja no artigo O DESAFIO DA (RE)CONEXÃO COM O 'SELF' [MANUAL DE BOLSO - Versão 2024], os pontos 3, 4 e 5 do capítulo 2.

O QUE FAZER? | Pondere as seguintes propostas...

12.1. Tomada de consciência /aceitação: Em primeiro lugar, terá de reconhecer a emoção de raiva. Essa tomada de consciência permite que se torne um/a observador/a de si próprio/a e daquilo que está a sentir, contribuindo para o afastamento da emoção em causa. Ao observar as emoções, mas não necessariamente agir sobre elas, descobrirá que não são assim tão catastróficas. A melhor forma de se tranquilizar é libertar-se à força de aceitar a sua presença, ao invés de lutar contra ela ou reprimi-la. Lembrar-se de que as emoções vão e vêm. São como as ondas do mar. E a maior parte das emoções só dura segundos ou minutos. Importa então perceber de que forma tende a gerir as suas emoções (negação/repressão versus aceitação/ventilação) e por que motivo o faz. Este último ponto implica algum estudo e reflexão sobre as aprendizagens emocionais que foi fazendo ao longo do seu desenvolvimento, na mira de identificar que experiências contribuíram para a sua forma de gestão emocional

12.2. Corpo e respiração: Outra forma de apaziguar a raiva será aprender a responder adequadamente aos sintomas físicos da raiva. Entrar em contacto com o seu corpo e com a sua respiração leva a que regularize esse pico emocional e se sinta mais controlado/a. A respiração profunda permite que o organismo absorva mais oxigénio, para além de diminuir o ritmo cardíaco e evitar que a adrenalina chegue tão rapidamente à corrente sanguínea. Esta respiração é profunda porque envolve a área do estômago ou diafragma, e não o peito. É rítmica e lenta. Quando detectamos alterações físicas indicativas de sentimentos de raiva, devemos parar por um momento e focarmo-nos na respiração: por norma, será rápida e superficial. Se quebrarmos este ciclo e voluntariamente começarmos a respirar lentamente e pelo diafragma, o organismo irá responder e as alterações físicas serão amenizadas. Os músculos começam a relaxar e a sensação de tensão a diminuir. Respirar desta forma consciente e concentrando-se no seu abdómen, durante algum tempo, vai seguramente apaziguá-lo/a.

13. ATITUDE PASSIVO-AGRESSIVA: Baseia-se em aparentar compostura, expressão calma, tom de voz moderado e fingir que 'está tudo bem', quando na realidade estamos irritados/as, dando-o a conhecer de forma indireta e ambígua. Se conseguir ficar calmo/a ou controlado/ durante as discussões, evite que as suas palavras sejam direta ou indiretamente ofensivas: não basta manter um tom de voz adequado e boa compostura quando o que dizemos fere a outra pessoa. Mensagens de duplo sentido, piadas mal-intencionadas, ironia, interpretação do papel de vítima, crítica, comentários sarcásticos, ignorância, e até mesmo a procrastinação, fazem todas parte do mesmo pacote passivo-agressivo. Alguns exemplos: “Só queria a tua autoestima para não me preocupar com o meu aspeto”, “Porque é que fizeste isso? Estavas melhor antes”, “Estás a ver: ficas bem bonito/a quando te arranjas”, “Porque é que ficas assim? Não é caso para tanto”, “Se continuas com essa atitude, ninguém te vai querer”, “Tantos anos a estudar e não te serviram de nada

Consegue identificar alguma? A pessoa passivo-agressiva é caracterizada por ser ambígua ou subtil, deixando-nos desconfortáveis e/ou confusos/as. Em certas ocasiões, percebemo-la respeitadora e educada, mas noutras mostra já hostilidade e rejeição sem motivo aparente. É frequente ter expressões indiretas de hostilidade para conosco, seja através de insultos velados, formas de diminuir-nos apontando os nossos pontos fracos, como se quisesse fazer uma crítica positiva. Esta tendência também se manifesta quando ignora sistematicamente as nossas opiniões como se, por virem de nós, não tivessem valor, e às vezes através do silêncio.

Esta forma de comportamento passivo-agressivo pode deixar-nos inseguros/as quanto às nossas habilidades sociais; pode fazer-nos questionar constantemente se fizemos algo de errado, se a pessoa tem realmente motivos para sentir raiva de nós

Na mesma linha, a pessoa passivo-agressiva tende a ter problemas de comunicação nos diferentes ambientes em que vive. Pode enviar mensagens confusas, fazer declarações e depois negá-las, anunciar que vai se comportar de uma maneira e depois agir de outra, acusar os outros de mentir - tornando-se incapaz de nos oferecer previsibilidade e, consequentemente, segurança.

Há uma tendência nas pessoas passivo-agressivas para se fazerem reclamações constantes sobre serem desprezadas ou usadas pelos outros. Afirmam sentir-se subestimadas, pouco valorizadas e pouco reconhecidas pelos seus talentos e habilidades. Semelhantes comportamentos de vitimização tornam-se formas de manipulação emocional para se obterem vantagens no contexto das relações. Consequentemente, as pessoas expostas a estas recriminações tendem a sentir-se culpadas e desejam compensar os sentimentos de incompreensão e rejeição que assumem gerar. 

O QUE FAZER? | A melhor maneira de travar este comportamento é através de uma comunicação clara e assertiva. Quando estiver num momento calmo, confronte a outra pessoa diretamente. Explique-lhe o comportamento e o motivo pelo qual é problemático, estabelecendo limites claros. Caso estes limites sejam constantemente violados, talvez seja importante repensar a própria relação, e questionar-se: por que motivo me permito manter relacionado/a com esta pessoa?

14. INVALIDAÇÃOA invalidação emocional transmite a mensagem de que a sua experiência emocional não importa ou é inadequada. Frases como: “Tu és tão sensível, não se pode falar de nada”, “Ai, levas tudo para o lado pessoal”, ou “Tu dás demasiada importância às coisas”, são exemplos de invalidação emocional, em que a pessoa que busca compreensão e apoio é criticada e rejeitada. 

A invalidação emocional, entenda-se, não é apenas verbal. A indiferença pela dor ou preocupação do Outro é também uma forma de invalidar os seus sentimentos, e pode ser expressa pelo não prestar atenção quando a pessoa está a falar sobre um tema significativo, ou menosprezá-lo com gestos e atitudes mais subtis

A maioria das pessoas torna-se ‘invalidadora’ por dificuldade em processar devidamente as emoções que o Outro lhe transmite. Muitas vezes porque esses sentimentos são opressores para a pessoa, ou simplesmente desagradáveis, levando-a a rejeitá-los interiormente e assim, invalidar a pessoa que os vivencia. Na verdade, não se pode ignorar que vivemos numa sociedade profundamente invalidadora do ponto de vista emocional, em que os estados afetivos são até considerados um “entrave” indesejável. O sofrimento gera demasiada angústia para quem adora o hedonismo e o 'ideal da felicidade permanente'. 

Noutros casos, a invalidação resulta de a pessoa estar demasiado centrada nos seus próprios problemas para desumbigar-se e colocar-se no lugar do Outro – seja por estar a passar um momento difícil, seja por ser demasiado egocentrada. 

A invalidação emocional costuma gerar confusão, dúvidas e desconfiança em relação às nossas emoções. Se, quando expressamos o que sentimos, uma pessoa próxima e significativa nos diz que não o devemos sentir, podemos começar a desconfiar da validade das nossas experiências. No entanto, questionar as nossas emoções não as fará desaparecer, apenas tornará mais difícil para nós geri-las de forma assertiva. 

Estudos mostram que quando a invalidação inibe a expressão de emoções primária – como a tristeza – geralmente somos levados/as a um aumento de emoções secundárias, como a raiva e a vergonha. O comprometimento emocional pode contribuir para que uma pessoa predisposta desenvolva problemas de saúde mental, como depressão ou sintomas agravantes. Quando a invalidação vem do círculo mais próximo e é um padrão que se repete com o tempo, a pessoa aprenderá a reprimir os seus sentimentos. É também provável que se sinta profundamente sozinha e incompreendida

Foi ainda descoberto que as pessoas que sofreram de invalidação emocional na infância têm maior probabilidade de sofrer de perturbação borderline, caracterizada por impulsividade, labilidade emocional, sentimentos crónicos de vazio e problemas de gestão emocional. Em adolescentes, o comprometimento emocional tem sido associado a um risco aumentado de automutilação.

Devemos ter em mente que as reações emocionais não são passíveis de se caracterizar como corretas ou incorretas. Não é possível controlar a emergência das nossas emoções, pelo que não há razão para condenar, ignorar ou rejeitá-la, seja qual for o seu valor. Podemos, isso sim, controlar a forma como nos posicionamos diante delas

Para validar as emoções de outra pessoa, devemos primeiro abrir-nos à sua experiência. Isso significa estar disposto/a a ouvir com atenção e estar totalmente presente, colocando de lado todas as distrações à conexão emocional. Significa estar disposto/a a colocar os seus problemas de lado, naquele momento, para que possa empaticamente chegar ao Outro. Finalmente, envolve o uso de uma linguagem mais afirmativa e compreensiva, substituindo frases como: "Poderia ter sido pior" por "Sinto muito pelo que aconteceu"; “Acho que estás a exagerar” por “Imagino como isso deva ser mesmo frustrante”, e “Tens de superar isso de uma vez por todas” por “O que posso fazer para te ajudar?”. A validação emocional é uma arte aprendida.

15. MONÓLOGO: Diatribe longa e monótona, em que a pessoa quase não faz uma pausa perceptível, impedindo a outra de falar e emitir as suas próprias opiniões; 

16. CONVERSAS DE DOMINAÇÃO/ONE-UP MANSHIP: Contrariamente ao monólogo, existirá algum diálogo neste padrão. Ainda assim a maior parte do monopólio conversacional pertence a um/a dominador/a. Mudanças de tom e volume de voz são usados para calar habilmente a outra pessoa, sempre que esta tentar falar. Em muitos casos, este padrão descreve-se através da premissa: “O que quer que tu faças, eu faço-o melhor”.

17. GASLIGHTING: O 'gaslighting' é um tipo de violência psicológica e emocional de natureza manipulativa, que ocorre predominantemente nos relacionamentos afetivos, podendo também ocorrer em qualquer outro registo relacional – familiar, profissional e de amizade. O objetivo do/a 'gaslighter' é confundir a percepção que a vítima tem da realidade e de si mesma. O termo surge do filme americano “Gaslight” ("À Meia-Luz", em português) de 1944. A história descreve um marido que tenta fazer a esposa acreditar que ela está a enlouquecer, ao manipular pequenos detalhes do ambiente da casa; ao longo da trama, ela começa a duvidar de si mesma e a desconfiar efetivamente da sua própria sanidade. 

O termo “gaslighting” é empregue para descrever toda a forma de manipulação cujo objetivo é semelhante ao do marido no filme. Na vida real, o/a manipulador/a psicológico/a procura obter poder sobre a outra pessoa, enquanto a vítima passa a considerar mais a opinião e a percepção do/a manipulador/a do que a sua própria. Mesmo que ela perceba algo de errado no relacionamento, tenderá a não conseguir desenvencilhar-se por temer estar equivocada. Deixando de acreditar em si mesma, coloca-se numa posição de vulnerabilidade perante o outro, que aproveita para reforçar a violência psicológica. Pensemos nos exemplos:

Vítima: "Estás a controlar demais as minhas ações" / Agressor/a: "Tens mesma a certeza do que estás a dizer? Estou só a tentar ajudar-te a tomar boas decisões. E isso quer dizer que me importo contigo

Ou.. Agressor/a: "Dizes isso por causa dos problemas que tiveste na infância" ou  "Já sabes que ficas mais emocionado/a nesta época do ano, e por isso não podes confiar muito nos teus pensamentos".

Quando a manipulação alcança um grau extremo e perceptível até para quem está de fora, a vítima encontrar-se-á já num estado de grande fragilidade. Embora sofra, não conseguirá terminar o relacionamento abusivo com o/a manipulador/a: além de tudo, encontra-se numa relação amorosa, ou seja, haverá uma mistura de sentimentos positivos e negativos. Os/As manipuladores/as emocionais usam diferentes táticas de 'gaslighting' para desestruturar a vítima. Esteja atento/a aos seguintes:

17.1. Mentira: As mentiras tentam levantar dúvidas na cabeça da pessoa acerca do seu comportamento, da sua inteligência, das suas emoções e os dos seus demais relacionamentos, como com amigos e familiares. Porque tipicamente sustidas com extrema confiança, as mentiras tendem a colocar a perceção da vítima em dúvida.

17.2. Negação da Realidade: O sinal de alerta clássico do 'gaslighting' é a negação da realidade por parte do/a manipulador/a. Tudo o que a vítima diz é descartado como “loucura”, “mal-entendido”, “erro de intepretação” e outras desculpas para fazê-la duvidar do que realmente está em jogo. Da mesma forma, quando a vítima questiona o porquê de o/a agressor/a ter dito determinadas palavras, o/a agressor/a é capaz de repontar: “eu não disse nada disso: está a alucinar".

17.3. Chantagem: O/A manipulador/a sabe usar o que a vítima ama contra ela. O/A manipulador/a reconhece a importância da família, dos amigos, dos filhos e do trabalho na sua vida, e usa-os como elementos de perversa sedução para desestabilizar sua autoconfiança. No caso de filhos, podem dizer que a pessoa não é boa o suficiente como pai ou mãe, que não faz nada certo, ou que está constantemente a cometer erros. Por outro lado, o/a manipulador/a afirma que a vítima está constantemente a quer fazê-lo/a sentir-se mal, que ela não se importa com ele/a de verdade, e que não sabe por que ainda continuam juntos/as (deita toda a responsabilidade dos seus sentimentos para ela).

17.4. Ameaça: O/A manipulador/a diz: "se me deixares, vou acabar com a minha vida, vou levar os teus filhos, nunca mais encontrarás ninguém capaz de te aturar". À força de insistência, as ameaças entram na vítima e paralisam-na de medo. 

17.5. Aumento Gradual de Manipulações: As manipulações psicológicas e emocionais não costumam acontecer de uma vez só. Ocorrem gradualmente, começando com pequenos comentários e chantagens. Dessa forma, o/a manipulador/a não denuncia as suas verdadeiras intenções e consegue conquistar a vítima. Quando vasculha as suas memórias, no entanto, consegue perceber que o/a manipulador/a se comportava de maneira muito diferente no começo da relação.

17.6. Incoerência: O/A manipulador/a não segue as suas próprias palavras. Possui diversas condutas incoerentes com o objetivo de plantar dúvidas na cabeça da vítima. Por exemplo, pode afirmar ser uma pessoa justa, mas demonstra ter comportamentos opostos aos seus supostos valores.   

17.7. Palavras Amáveis: Para confundir a vítima, quem pratica 'gaslighting' sabe também ser extremamente carinhoso/a. Age com amabilidade para conquistar a vítima sempre que ela se sente muito vulnerável. Assim, consegue criar um ciclo de agressões psicológicas e interações amáveis, impedindo que a vítima termine o relacionamento. 

17.8. Exaustão Mental: A frequência de manipulações é extenuante. A vítima começa a acreditar que está a enlouquecer, o que faz com que a sua capacidade de tomar decisões seja mais e mais reduzida. 9

17.9. Acusações Descabidas: Não infrequentemente, o/a manipulador/a acusa a vítima de traição, de comportamentos inadequados, de querer magoá-lo/a, de ser uma má pessoa, entre outros. Mesmo que as suas palavras não façam sentido, o drama bem encenado tende a convencer a vítima. Por seu turno, a vítima, fica tão preocupada em defender-se que não percebe os demais sinais de alerta.

17.10. Constrangimento: Uma forma típica de manipulação psicológica é o constrangimento público e/ou privado da vítima. O/A manipulador/a faz comentários ácidos em tom de brincadeira ou tenta constrangê-la sem hesitação na frente de amigos e familiares, como forma de desmoralizá-la ainda mais.

O QUE FAZER? | Se estiver a ser vítima de 'gaslighting' procure pessoas queridas para lhe oferecer apoio. Amigos e familiares são peças-chave para o sucesso do processo de afastamento do/a manipulador/a. Sem apoio, a vítima raramente consegue deixar a situação. O gaslighting é crime? Sim! Pode ser enquadrado, por exemplo, a partir da Lei Maria da Penha, que trata da violência doméstica contra a mulher. Segundo a Lei Maria da Penha, são várias as condutas criminais que caracterizam o 'gaslighting', desde que comprovada a intenção do/a autor /ade enganar a vítima em proveito próprio. 

18. MANSPLAINING: O 'mansplaining' é, por norma, uma manifestação machista, já que o homem se expressa ou se relaciona a partir de uma aparente posição de superioridade, mostrando-se condescendente ou paternalista com a mulher, dando a entender que ela não tem suficiente capacidade, astúcia ou destreza para se desenvolver ou numa conversa ou numa situação na qual um homem não estivesse presente, mostrando-se mais entendido e com a intenção de fazer com que a mulher "se cale e aprenda". Falamos, às vezes, de um fenómeno bastante subtil, qualificando-o como micromachismo

O 'mansplaining' tem um claro efeito sobre as relações de poder, o que pode supor que a mulher seja anulada em âmbitos profissionais. Acontece igualmente em conversas com colegas ou chefes que se consideram mais sábios, experientes ou inteligentes. Embora a maioria das situações relacionadas com o 'mansplaining' esteja direcionado às mulheres, podem também acontecer casos de 'mansplaining' dirigidos a homens. Isto costuma acontecer em contextos nos quais a competitividade é muito grande. É mais difícil que este fenómeno parta de mulheres dirigido a homens. Por um lado, não existe uma cultura tradicional que as tenha educado nesse sentido; por outro, são vários os estudos que apontam que as mulheres têm uma maior preferência pelas relações simétricas.

Extensões deste fenómeno encontrámo-las no 'manterrupting', situação onde um homem interrompe a fala de uma mulher antes de ela terminar; no 'bropropriating', quando um homem se apropria e toma o crédito pela ideia de uma mulher;

O QUE FAZER? | Para lidar com o 'mansplaining' e fazer-se ouvir, as mulheres podem adotar algumas estratégias: 

18.1. Conheça o seu valor: Reconheça as suas habilidades, competências e conhecimento, e acredite em si mesma. Lembre-se de que tem todo o direito a expressar as suas opiniões e a ser levada a sério. 

18.2. Seja assertiva: Quando um homem começar a explicar algo de forma condescendente, seja assertiva e diga que está já familiarizada com o assunto. Não tenha medo de interrompê-lo e reafirmar a sua experiência.

18.3. Faça perguntas: Ao invés de simplesmente aceitar o 'mansplaining' faça perguntas para mostrar que já possui conhecimento sobre o assunto. Isto ajudará a desafiar a suposição de que precisa de ser ensinada.

18.4. Encontre aliados/as: Procure outras mulheres ou pessoas que estejam dispostas a apoiá-la e a defender as suas ideias. Ter aliados pode fortalecer a sua voz e torná-la mais difícil de ser ignorada ou desvalorizada. 

19. DECLARAÇÕES NÃO-AUTORIZADAS: Esta dinâmica manifesta-se quando alguém declara, de forma fixa, que algo é de uma determinada maneira, mas sem qualquer prova, fundamento ou autoridade.

20. CONSELHO NÃO SOLICITADO: Comportamento de emissão de opiniões pessoais como: “Deverias fazer assim”, “Não fales com essa pessoa, ela não sabe o que diz", ou "O melhor que tens a fazer é...", sentida como intrusiva e condescendente, que muitas vezes desconsidera ou invalida a capacidade de discernimento e clarividência da outra pessoa. 

21. PROJEÇÃOA projeção é um mecanismo do nosso psiquismo que se baseia no ato de atribuir à outra pessoa as características, sentimentos ou intenções que se originam em nós próprios/as. Ou seja, esses aspectos da nossa personalidade são deslocados do interior para fora. A ameaça que sentimos dentro é tratada como se fosse uma força externa. A pessoa pode então lidar com sentimentos reais, mas sem admitir ou estar consciente do fato de que a ideia ou comportamento temido é dela mesma. 

Sempre que caracterizamos algo "externo" como mau, perigoso, e/ou pervertido, sem reconhecermos que essas características podem também ser verdadeiras para nós, é provável que estejamos a projetar. É igualmente verdadeiro que quando percebemos os outros como sendo poderosos, atraentes, e/ou capazes, sem apreciar as mesmas qualidades em nós próprios, também estamos a projetar. A variável crítica na projeção é que não vemos em nós mesmos/as algo (que nos parece claro e óbvio nos outros).

Um exemplo clássico é o das inseguranças pessoais que nos levam a boicotar a intimidade: há quem queira muito amar e ser amado, mas quando alguém retribui os seus sentimentos de verdade parece-lhes difícil resistir à tendência para evitá-lo. Torna-se muito difícil não sentirem que aqueles que lhes oferecem amor estão equivocados, são frágeis ou carentes. Que de alguma forma têm qualquer coisa de erradoEstão a projetar nos outros as crenças e idealizações que têm a seu próprio respeito

Ficam um pouco enjoados/as com a proximidade, com o desejo de serem abraçados/as e acarinhados/as, com as palavras ternas que utilizam para agradá-los/as, e pela capacidade de os outros encontrarem pequenas coisas em si que os/as fascinam. Pode ser mais fácil quando não se é correspondido/a. Quando a sua principal preocupação era o enorme medo de que não reparassem em si. Era mesmo bastante mais fácil quando estavam numa relação muito tempestuosa com uma pessoa que nunca se comprometeu consigo, que os/as desprezou e que parecia estar permanentemente noutro lugar 

Mas agora que finalmente não existem dúvidas e é muito claro que alguém gostam deles/as, as coisas complicam-se. O carinho deles parece suspeito, incompreensível, e gera uma certa repulsa, porque, de alguma forma, não estão acostumados/as. Não encaixa com a visão que têm de si mesmos/as. Assumem que os outros não estarão a ver bem as coisas – e, talvez, então, acabem por comportar-se de forma muito desagradável para se certificarem de que os outro realmente percebem que não são quem pensavam, colocando um fim à relação. Ficam magoados/as, mas de alguma forma, psicologicamente, mais tranquilos/as. O amor pode ser difícil de receber quando não achamos que somos capazes de suscitar o amor do outro. A verdadeira questão não está no que fazer com os que lhes devotam amor; está num lugar completamente diferente: está em si e na relação consigo mesmos/as.

As pessoas que acolhemos na nossa vida refletem então as crenças que temos sobre nós mesmos/as. Pessoas que trarão à nossa superfície facetas que talvez precisem de ser curadas ou libertadas. Arranjamos lugar desde fora para o que precisamos dentro. Não, isso não significa que os jogos emocionais da sua parceria estejam também em si: os atraídos muitas vezes vibram no polo oposto da mesma questão. Pessoas controladoras são atraídas por pessoas submissas e dependentes, já que partilham a mesma teia emocional disfuncional. Se me permito relacionar com pessoas que não me valorizam ou que me criticam, muito provavelmente terei questões de autoestima a resolver dentro de mim. É a mesma questão em polaridades opostas: o controlador atrai o dependenteO agressivo atrai o submissoO desconfiado atrai o mentirosoO egoísta atrai o orgulhosoA vítima atrai o culpado. Esse "match" acontece porque, na maioria das vezes, é a nossa parte ferida que escolhe o seu ‘amor’.

Relacionamo-nos com pessoas que revelarão o programa inconsciente necessário à nossa cura. Se não percebermos o nosso reflexo no espelho do Outro, isso significa que nos não estamos a ver a nós próprios/as. Se nos permitimos relações desequilibradas, algo não está bem dentro de nós: então, para mudar a qualidade de pessoas que atraímos, é necessário curarmos em nós os aspetos que ainda vibrem negativamente. Não lhe cabe a si curar pessoas tóxicas: mas sim, curar as partes suas que têm ressonância com a toxicidade delas.

22. INJUNÇÕES PARADOXAIS: A estrutura da mensagem paradoxal comporta uma autocontradição, ou seja, comunica dois conteúdos incompatíveis ao mesmo tempo, em que simultaneamente se afirma o que se nega e se nega o que se afirma. No número dos seus exemplos temos: "Eu quero que sejas espontâneo" (a pessoa não poderá nunca ser espontânea se a sua ação decorre de um pedido/imposição por parte de outra); "Não sejas tão obediente", "Tens que me amar", "Quero que me domines", "Tens que ter mais autoconfiança". 

O QUE FAZER? | Sendo a injunção paradoxal uma situação insolúvel diretamente, só saímos de um loop paradoxal ao reenquadrarmos a situação, permitindo que esta seja lida num nível ou escala comunicacional diferente. Por exemplo, metacomunicar - ou seja, comunicar sobre como a comunicação está a ser feita e entendida, expondo o seu absurdo. Ao invés de nos socorrermos de uma abordagem analítica, a criatividade, o humor, ou o que quer que permita a espontaneidade, atuarão de forma muito mais eficaz na sua resolução.

23. MENTIRA/CONFABULAÇÃO: A mentira é tão frequentemente utilizada que o seu sentido ultimamente parece tender a ser banalizado. Segundo estatísticas, mentimos cerca de 200 vezes por dia e em média uma vez por cada 5 minutos. Seja aquele elogio não tão sincero, passando pelas desculpas "esfarrapadas" ou pelas mentiras descaradas; chegam mesmo existir casos em que os pais incitam os filhos a mentir (ex.: quando lhes pedem para dizer que eles não estão em casa).

Mentir uma vez ou outra faz parte do comportamento humano, é normal e todos/as nós o fazemos, em maior ou menor grau. A mentira pode surgir por várias razões: receio das consequências (quando tememos que a verdade traga consequência negativas), insegurança ou baixa autoestima (quando pretendemos fazer passar uma imagem de nós próprios/as melhor do que a que verdadeiramente acreditamos), por razões externas (quando o exterior nos pressiona ou por motivos de autoridade superior ou por coação), por ganhos e regalias (de acordo com a tragédia dos comuns, se mentir traz ganhos, vale a pena mentir já que ficamos em vantagem relativamente aos que dizem a verdade) ou por razões patológicas.

Quando a pessoa mente com frequência pode entrar num ciclo em que as falsas histórias acabam por tornar-se num estilo de vida para ela. Também conhecida como mentira patológica e pseudologia fantástica, a tendência duradoura e incontrolável para a mentira – a mentira compulsiva – é uma doença conhecida por mitomania. O/A mitómano/a é aquela pessoa que mente compulsivamente, sejam pequenas mentiras “inofensivas”, sejam histórias mirabolantes extremamente detalhadas.

A mitomania é também um sintoma associado à perturbação factícia, quando o/a cliente produz intencionalmente sintomas físicos ou mentais de alguma doença. Estes casos vão desde pessoas que fingem ter um surto psicótico ou sofrer de amnésia, até indivíduos que simulam vários sintomas e sinais de doenças físicas, fabricam resultados de exames, falsificam prontuários médicos para indicar uma anormalidade inexistente.

Algumas características chamam à atenção para o registo da mitomania: as histórias contadas não são inteiramente improváveis e contêm referências à realidade; as aventuras imaginárias manifestam-se em várias circunstâncias e de uma maneira crónica; o tema das aventuras é variado, mas o/a mentiroso/a acaba sempre por pintar-se como herói; as histórias não são usadas para obter vantagem ou recompensa. 

A ciência não sabe ainda o que leva alguém a tornar-se num/a mentiroso/a patológico/a, mas sabe-se que mentir está frequentemente relacionado com algumas perturbações de personalidade, como a antissocial e a borderline. A pessoa mente compulsivamente, mas tem plena consciência de que o que diz é mentira (caso contrário, teríamos de considerar que a pessoa estaria a fazer não um relato mentiroso, mas um delirante). 

Com relação à mitomania, pode ser difícil diferenciar o normal do patológico e fazer o diagnóstico. Se a pessoa mente com muita frequência e continua a fazê-lo mesmo quando as suas mentiras já estão reveladas, e se ela enfrenta dificuldades recorrentes com outras pessoas e ou com as autoridades por mentir tanto, isso é sinal de uma doença e aí o diagnóstico pode ser feito. O teor das mentiras também pode ajudar a diagnosticar um/a mitómano/a, já que costumam ser muito fantasiosas e extremas.

A mitomania leva a que se perca a confiança no/a mitómano, levando-o/a a ser afastado/a de todo o seu círculo social. Esta incapacidade no controlo dos impulsos é causadora de um sofrimento nítido, razão pela qual deverá ser alvo de tratamento. Nos/as dependentes da mentira, o primeiro passo a dar consiste em assumir a existência de um problema e de seguida procurar ajuda para esse mesmo problema. 

24. ILITERACIA EMOCIONALNão há comunicação verdadeiramente saudável sem um domínio otimal das nossas próprias emoções, já que toda a comunicação significativa pressupõe fazermos autorevelações acerca da nossa subjetividade. As emoções são alicerçais na vida. Ajudam-nos a avaliar as alternativas, oferecendo motivação para mudar ou fazer algo, pelo que não reconhecê-las pode levar a comportamentos disfuncionais e expressões emocionais descabidas (como explosões de raiva ou altos níveis de ansiedade). Por outro lado, as emoções revelam-nos as nossas necessidades, sendo que ao guardá-las, teremos dificuldade em expressar e conseguir suprir essas mesmas necessidades. Por exemplo: uma pessoa que se sente triste tem, geralmente, a necessidade de acolhimento e securização; contudo, se não identifica adequadamente essa emoção, poderá expressá-la como raiva, por exemplo, e ao invés de se aproximar de outra pessoa, afasta-a, sem conseguir suprir a sua necessidade de acolhimento

Descrever, expressar e comunicar os nossos próprios sentimentos, regular as nossas emoções (retermos as emoções, porém sem reprimi-las e canalizá-las conforme a situação e o momento mais oportuno), bem como reconhecer as emoções dos outros (sensibilidade aos sinais verbais e não-verbais das outras pessoas) e controlar as nossas relações sociais são habilidades exigentes que devemos desenvolver para desafiar o défice emocional. É o domínio da Inteligência Emocional (IE), sem a qual se corre o risco de um discurso pobre, faltoso em clareza, especificidade e profundidade, que muitas vezes redunda em ghosting e curving (manifestações típicas dos precários relacionamentos pós-modernos).

Uma pessoa emocionalmente inteligente possui cinco características, que podem sempre ser desenvolvidas ao longo da vida. São elas:

24.1. AUTOCONHECIMENTO: capacidade de ler as suas próprias emoções e de reconhecer os seus efeitos; usar o “instinto” para orientar as decisões (autoconsciência emocional); conhecer as suas próprias forças e os seus próprios limites (autoavaliação); e ter uma boa noção do seu próprio valor e das suas próprias capacidades (autoconfiança).

24.2. AUTORREGULAÇÃO: capacidade de escolher respostas adequadas, e não reagir apenas por impulso, mantendo sob controlo os impulsos e as emoções destrutivas (autodomínio emocional). O objetivo da autorregulação é encontrar o equilíbrio e não suprimir as emoções. É sentir a emoção proporcionalmente à circunstância, na medida certa. 

24.3. AUTOMOTIVAÇÃO: capacidade de dirigir as emoções a serviço de um objetivo ou realização pessoal, de ativar recursos suficientes para atingir os seus objetivos.

24.4. EMPATIA: capacidade de reconhecer as emoções nos outros e conseguir pôr-se no seu lugar, compreender o ponto de vista deles, e estar ativamente interessado nas questões que os preocupam. 

24.5. HABILIDADES SOCIAIS/DE RELACIONAMENTO: capacidade de relacionar-se melhor, comunicando-se de maneira clara e atenta às demandas e postura do Outro.

25. DISTORÇÕES AO NÍVEL DE CONTEÚDO E NÍVEL DE RELAÇÃOHá dois atributos na comunicação humana: a informação, também chamada de mensagem ou conteúdo (nível de conteúdo) e a relação que se estabelece na comunicação, que é a ordem, a interação afetiva entre interlocutores (nível de relação). A função informativa é apenas parte da comunicação, pois há que se relevar o lugar que cada um dos interlocutores ocupa na relação comunicacional e o clima em que o conteúdo se manifesta. O conteúdo da mensagem transmitida é interpretado pelo receptor de acordo com a relação entre o receptor e o emissor. O aspecto "relato" de uma mensagem transmite informação e, portanto, é
sinónimo, na comunicação humana, do conteúdo da mensagem. Pode ser sobre qualquer coisa que é
comunicável, independentemente dessa informação particular ser verdadeira ou falsa, válida, inválida
ou indeterminável. O aspecto “ordem”, por outro lado, refere-se à espécie de mensagem e como deve
ser considerada; portanto, em última instância, refere-se às relações entre os comunicantes. 

A distorção destes dois atributos pode levar a diferentes problemas na comunicação: (a) à confusão entre conteúdo e relação (ex.: o adolescente e a mãe discutem sobre o horário de chegar a casa quando, na verdade, pretendem discutir o poder que têm na relação), (b) à rejeição clara e constante do conteúdo e (c) à desconfirmação (é negada a existência do outro). Quando a comunicação se rigidifica, dando origem a distorções e mal-entendidos, a metacomunicação surge como estratégia central determinando (e clarificando) como devem ser interpretados os comportamentos relacionais.

26. ERRO DE TRADUÇÃO DIGITAL/ANALÓGICO: A comunicação analógica é toda a comunicação não-verbal como: postura, gestos, expressão facial, inflexão da voz, sequência, ritmo e cadência das palavras, e qualquer outra manifestação não-verbal. Já o material da comunicação digital é de um grau muito mais elevado, de complexidade, versatilidade e abstração do que o material analógico. A linguagem digital tem uma sintaxe lógica e, portanto é eminentemente adequada à comunicação no nível de conteúdo. A linguagem digital é uma sintaxe lógica, complexa, poderosa, mas carente de adequada semântica no campo das relações. A linguagem analógica possui semântica, mas não tem uma sintaxe adequada para a definição não ambígua das relações. O erro na tradução entre digital e analógico está em que as pessoas pressupõem que o outro possui o código ou pressupõem que o outro tenha a mesma função analógica, por isso, o acréscimo de dados possibilita a passagem digital para o analógico. Por exemplo: o Natal, padrão analógico, não significa 'amor, união, paz' para todas as pessoas. 

27. PROBLEMA NA PONTUAÇÃO DA SEQUÊNCIA DE EVENTOS: Para um/a observador/a externo/a, uma linha de comunicação pode ser vista como uma sequência ininterrupta de trocas. A pontuação organiza os acontecimentos comportamentais e a sequência da pontuação pode ser positiva ou negativa. A discordância na pontuação e a sequência de eventos são a raiz de inúmeras dificuldades e lutas em torno das relações

Tomemos como exemplo um problema de casal, em que o marido contribui com retraimento passivo às censuras críticas e irritantes da mulher. O marido dirá que o seu retraimento é por causa das implicâncias da esposa, enquanto esta criticará a sua passividade: "Eu retraio-me porque tu implicas". "Eu implico porque tu te retrais". Na psicoterapia conjunta com casais, aparecem as divergências sobre elementos de uma experiência em comum: aparecem as dificuldades de metacomunicar. Essa interação é oscilatória: sim - não - não - sim. A natureza de uma relação está na contingência da pontuação das sequências comunicacionais entre os/as comunicantes.

O que observamos em todos os casos de comunicação patológica, é que existe um círculo vicioso que não pode ser interrompido a menos que (e até que) a própria comunicação se converta no sujeito de comunicação, isto é, até que as pessoas estejam aptas a metacomunicarem; mas para fazê-lo, precisam de sair do círculo vicioso. A pontuação discrepante leva a diferentes ideias de realidades, incluindo a natureza das relações nos conflitos interpessoais. 

Exemplo: Marido: "A minha longa experiência ensinou-me que, se eu quiser paz em casa não devo interferir com o modo com que ela quer as coisas" Esposa: "Isso não é verdade. Eu gostava que demonstrasses um pouco mais de iniciativa e, pelo menos, tomasses alguma decisão de vez em quando, porque..." Marido [interrompendo]: "Tu nunca me deixaste fazer isso...".  

Observamos que o comportamento interpessoal mostra um tipo de redundância e que tem um efeito complementar nos outros, forçando-os a adotar certas atitudes específicas. O que há de típico na sequência de pontuação problemática é que a pessoa em questão só se concebe como reagindo a essas atitudes e não fazendo parte da dinâmica que a provoca.

28. DESENCONTROS AO NÍVEL DA LINGUAGEM AMOROSATodos/as nós temos uma forma particular de expressão e de receber amor. É importante que conheçamos bem estas ‘linguagens’ – não só para estarmos familiarizados/as com as nossas necessidades, mas também para podermos responder adequadamente às necessidades daqueles/as que amamos. Eis as 5 “linguagens do amor” que conhecemos: 

28.1. Tempo de Qualidade: Um passeio a dois, um almoço/lanche, uma ida à praia, uma caminhada, sentarem-se no sofá, olharem um/a para o/a outro/a e conversarem – um tempo dedicado exclusivamente à pessoa amada, sem interferências, com toda a nossa atenção completamente focada nela, no intuito de ouvir, compreender e acolher

28.2. Palavras de Apreço: Esta linguagem envolve uma comunicação verbal afirmativa, positiva e valorizadora  do outro – como elogios e palavras doces, motivadas pelo desejo de fazer com que as pessoas se sintam mais valorizadas, confiantes e amadas (“Estás bonita/o”, “Essa camisa fica-te bem”, “Obrigada por teres arrumado a casa”);

28.3. Presentes: Os presentes são símbolos sensitivos do amor; podem ser comprados, encontrados ou feitos. Não é necessário gastar dinheiro em materialidades extravagantes ou dar grandes tratos à imaginação: quem se rege por esta linguagem ficará feliz com coisas simples – uma flor colhida no caminho, um cartão feito à mão, um bilhete deixado debaixo da almofada. E não espere pelos dias festivos, faça-o em qualquer dia e qualquer hora, para que seja surpresa

28.4. Atos de Serviço: Referem-se ao que sabemos que o outro gostaria que nós fizéssemos. Estes atos podem ir desde fazer o jantar, a limpar a casa, levar o lixo, mudar a fralda do bebé, pintar um quarto, entre tantos outros. Não implica nenhuma experiência de servidão anuladora da nossa individualidade – antes, um gesto de entendimento validador do que a pessoa amada considera importante.

28.5. Contacto Físico: Muito mais além do que as relações sexuais, envolve beijar, abraçar, dar as mãos. A pessoa com esta linguagem quer sentir o calor do contacto físico, sentir a proximidade.

O marido que colabora com a esposa nas tarefas domésticas (limpa e arruma a cozinha, leva o lixo, passa a ferro, arruma e limpa a casa), todos os dias lhe dá um beijo ao acordar, ao despedir-se, ao chegar e ao deitar-se (em conjunto com um “amo-te”), mas a esposa diz que não se sente amada por ele, e exige o seu amor. O marido fica desorientado – não sabe que mais pode fazer para demostrar que a ama. Estamos perante um marido que ama com atos de serviço e uma esposa que quer ser amada com palavras de apreço.

Uma mulher, sobrecarregada e cansada, anseia que o marido colabore no que falta fazer em casa; ele observa-a, percebe-a cansada e vai ao pé dela, dá-lhe um grande abraço, diz que a ama e que é uma mulher corajosa, lutadora, bonita. Ela explode, diz que não quer saber de palavras bonitas, porque elas não arrumam a casa – ele devia colaborar. Ele fica atordoado, pois pensou que estava a ser carinhoso e a ajudá-la, amando-a. Portanto, não comunicam na linguagem do amor que o outro necessita e inicia-se uma discussão.

O QUE FAZER? | Tente perceber qual a sua linguagem de amor e qual a da pessoa que ama. Sente-se com ela, conversem sobre estes pontos. Façam uma lista de (4/5) itens sobre o que gostariam que o outro fizesse/dissesse para se sentirem amados/as e tentem chegar a um acordo. Se necessário, sentem-se de vez em quando para atualizar a lista. 

3. LOVE MAPS: QUAIS SÃO AS SUAS COORDENADAS?


Serão incontáveis as diferenças – especialmente de génio – entre os elementos de uma parceria. Cada parceria/cônjuge terá as suas próprias necessidades, os seus próprios desejos, os seus próprios interesses e objetivos. E quando nos permitirmos a oportunidade de ir ao encontro da diferença que o Outro representa, colocamo-nos em situações novas que nos afastam da zona de conforto, impulsionamo-nos o alargamento de experiências vitais, amadurecemos emocional e afetivamente. Sendo o Outro um espelho, o feedback proporcionado pela relação permite-nos perceber como lidamos com a nossa própria vida, nas suas mais variadas áreas de funcionamento, e podemos também ajustá-las para a otimização do nosso bem-estar. 

Mas quando um dos lados (ou ambas as partes), na tentativa de se acomodar ao que o Outro acha correto, ou para fazer jus a expectativas externas, sente que precisa de abrir mão de si e dos seus valores para poder continuar a investir na relação, a incompatibilidade anula a possibilidade de uma convivência harmónica. Se amar é tomar o Outro como parte de nós próprios/as, não podemos ser felizes se trairmos a nossa mais autêntica totalidade. Por isso, manter uma relação quando há incompatibilidade de génio pode ser uma escolha arriscada: é, muitas vezes, como remar contra a maré. 

Vários são os sinais da incompatibilidade de génio: a dificuldade em conceber o Outro no nosso futuro, as discussões frequentes, o desejo de passar mais tempo com outras pessoas, a dificuldade em manter uma boa comunicação, a consciencialização de que existem valores e crenças muito diferentes, a dificuldade em ceder, o desejo intenso e frequente de mudar a personalidade um/a do/a outro/a. 

É suposto o amor ser mais simples; é suposto o amor ser mais fácil. Nos relacionamentos compatíveis, ambas  as pessoas se sentem confortáveis em mostrar e acolher quem são de verdade uma à outra. 

Se perceber algum dos sinais que indico acima, poderá ser hora de conversar sobre o que sente. Revejam que pontos da relação precisam de melhorar. Acolham o feedback com atenção e humildade, livres de censuras e provocações. Espera-se que para chegarem a um acordo mútuo, estejam ambos/as capazes de fazer a sua devida cedência, abdicando do desejo de impor uma versão absoluta dos eventos. E se for preciso encerrar um capítulo, que o capítulo se encerre em conjunto. Poucas batalhas valem tanto a pena como a que se trava para superarmos o medo de seguir em frente, rumo à atualização da nossa autenticidade.

Tem-se perguntado se possui compatibilidade com o/a seu/sua parceiro/a? A sua relação parece não estar a funcionar, e não percebe porquê? É possível que estas questões tenham surgido em algum momento da sua relação. Questionar não é negativo, nem pode por si só significar algo conclusivo relativamente à saúde da sua relação amorosa. Acredite que se se questiona, é porque reconhece que é necessário fazer alguma coisa, é porque não está conformado/a e quer mais para si e para a sua relação

Pode significar que na pressa de roda em movimento do dia-a-dia, as prioridades de outros tempos foram dando lugar a respostas práticas e funcionais, menos afetivas, que o tempo a dois diminuiu por força das solicitações dessa rotina, que o entusiasmo por se verem já não é o mesmo, que a intimidade perdeu terreno para outras distrações. O tempo transforma as pessoas, as experiências moldam comportamentos e pensamentos e sentimento e assim sucede também nas relações amorosas.

Sabemos que um dos principais requisitos para a satisfação conjugal remete para o conhecimento que cada um dos elementos do casal tem do mundo do outro. A este conhecimento de carácter cognitivo dá-se, em inglês, a designação de 'Love Maps'. Como um mapa vulgar, o mapa de cada elemento do casal vai sofrendo alterações à medida que se tomam novos rumos e são construídas novas estradas que decorrem da necessidade de fazer escolhas quando surgem cruzamentos ou rotundas ou, simplesmente, dos momentos de transição na vida de um casal. Se não existir uma comunicação fluida e constante, e com os efeitos provocados pela passagem do tempo, deixa de conhecer os detalhes do mapa do/a seu/sua companheiro/a e, até mesmo, o ponto em que este/a se encontra no presente. 

Quanto mais conhecimento existir, mais forte será a união e relação de casal e, quanto mais detalhes do mapa do/a seu/sua companheiro/a cada um/a possuir, melhor um casal estará preparado para fazer face a acontecimentos adversos e conflitos. De facto, quando existem momentos de mudança ou crise, como seja o nascimento de um filho, uma alteração profissional ou uma situação de doença, muitos casais constatam que já não se conhecem tão bem como conheciam no início da relação – os seus mapas ficaram desatualizados.

Muitas vezes procuram-se soluções no passado para problemas do presente e chegam-se a becos relacionais, porque as soluções para os problemas atuais têm de ser descobertas no que existe agora, na pessoa em que cada um/a se tornou. Talvez seja esse um dos grandes desafios dos casais: reformular o discurso para um enquadramento atual ao invés do “Tu não eras assim”, ou “O homem/mulher por quem me apaixonei era…”.

O primeiro passo a dar será o de encontrar tempo para conversar diariamente – dez a quinze minutos ao final do dia, antes de deitar, por exemplo. Para além do conhecimento/informação que estas conversas veiculam, estão, em simultâneo, a ser trabalhadas competências de comunicação e a ser fomentada a ligação emocional do casal. Este tempo deve ser só dos dois, sem filhos, nem outras pessoas por perto. Por mais que lhe possa parecer um desafio demasiado ambicioso, quando pensa na sua vida agitada e muito preenchida por tantas, e tão diversas, exigências, vai ver que o retorno compensa realmente o investimento. Direcione o foco para aquilo que o/a faz permanecer na relação. Esses elementos encontram-se no presente com a sabedoria de uma história comum. Hora de acertar coordenadas. 

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Com estima,
Carlos Marinho


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