1. ALÉM DO SENSO COMUM
Reza a ladainha do senso comum que
o problema da pornografia é induzir nas pessoas que a consomem uma
expectativa idealizada sobre o sexo. Na medida em que os conteúdos pornográficos as expõem a corpos esculturais, posição sexuais exuberantes ou situações excitantes pela sua excepcionalidade, diz a ladainha,
o confronto com uma realidade descorada de 'efeitos especiais' tornar-se-ia frustrantemente desinteressante, levando-as a viciarem-se na fantasia. Há quem acredite que é isto que explica o fenómeno do vício. Podendo ser verdade em alguns casos, esta longe de ser a única leitura possível a fazer-se.
Muitas pessoas, sobretudo homens, queixam-se de estarem viciados em pornografia. Trata-se de um tipo de compulsão de que se ouvia falar muito pouco antes do advento da internet de alta velocidade. Antes dos anos 2000, o acesso a materiais pornográficos não era tão fácil como nos dias de hoje. Um adolescente nos anos 90 que desejasse encontrar material audiovisual para alimentar as suas fantasia masturbatórias precisaria de se contentar com certos filmes adultos exibidos a altas horas da madrugada. No mundo contemporâneo a situação é diferente: praticamente todos os adolescentes têm internet de alta velocidade nos telemóveis e mesmo que não conheçam nenhum dos milhões de sites pornográficos gratuitos disponíveis na internet, é muito provável que recebam regularmente fotos e vídeos de teor erótico e sexual por aplicações e redes sociais. Esta facilidade de acesso a estímulos sexuais tão intensos é uma condição completamente nova na história da espécie humana. E porque é que isso é problemático?
Existem diversos estudos neurofisológicos que atestam os danos provocados pelo vício em pornografia na regulação da resposta sexual humana. Concentrar-me-ei aqui no impacto que o excessivo consumo de material pornográfico exerce sobre a percepção da pessoa acerca da sua experiência erótico-sexual real. Muitas pessoas enganam-se ao acreditar que o grande problema causado pela pornografia, sobretudo entre homens, é o facto de os vídeos pornográficos levarem a desenvolver expectativas irreais sobre as relações sexuais reais. De acordo com essa hipótese, um jovem que consome pornografia regularmente acabaria por esperar da sua parceria um desempenho tão exuberante quanto o executado pelos atores e atrizes dos filmes a que assiste; poderia sentir-se frustrado pelo corpo da sua parceria apresentar certas imperfeições que não seriam encontradas nos vídeos. Embora de facto isso possa acontecer com algumas pessoas, não é tão frequente quanto o senso comum imagina.
Afinal, a maior parte das pessoas não consome pornografia para ter acesso a um erotismo mais belo e potente do que aquele que a realidade lhes oferece. Se assim fosse, as produtoras de filmes pornográficos que primam pela qualidade do seu material seriam as mais procuradas nas plataformas de conteúdo pornográfico. Todavia, não é isso que acontece.
De acordo com vários portais mundiais de material pornográfico, uma das palavra-chave mais procuradas pelos seus usuários é "amador". Esta categoria refere-se a vídeos não profissionais: registos feitos por pessoa comuns, pelos próprios usuários, das suas relações sexuais reais, onde não existem necessariamente corpos esculturais, nem performances exuberantes.
Ou seja, se muitas pessoas procuram materiais protagonizados não por atores e atrizes mas por pessoas comuns como elas mesmas, isto significa que a maioria dos consumidores não procura corpos e performances perfeitas. O que as pessoais procuram na pornografia é tão-somente uma experiência erótico-sexual diferente daquela que elas vivenciam. Elas não se importam com a qualidade da câmara, ou o físico dos/as protagonistas: o que querem é ter acesso a um mundo novo, diferente do seu quotidiano. O problema é que a pornografia oferece um acesso quase ilimitado a infinitas novidades.
Para as pessoas que conseguem tolerar a repetição da vida real, é suficiente uma visita ocasional à enorme variedade do mundo pornográfico. Para quem está nesta categoria, a pornografia serve apenas para apimentar os pratos principais que permanecem na vida real.
Mas existem pessoas que não conseguem tolerar o facto de que a realidade não lhes ofereça novidade a todo o momento, e de que a diferença que eles procuram na pornografia precisa de ser produzida com esforço e criatividade. São as pessoas que olham para a realidade e que só vêem repetição, rotina e chatice que se tornam vulneráveis a viciarem-se na pornografia.
O que procuram não é um mundo esteticamente superior, mas uma realidade que varie, que tenha novidades de forma constante. Ora, como não existe semelhante realidade concretamente, a pessoa acaba por recorrer à virtualidade pornográfica onde esse desejo por constantes novidades infelizmente pode ser satisfeito. A pessoa abre um separador e começa a ver um vídeo, depois abre outro separador e assiste a outro, e depois a outro e outro..., e em cada um desses separadores estará a viver na fantasia uma experiência sexual diferente, que é o que procura.
É por isso que muitos delas, mesmo estando em relações, ou seja, em situações que lhes oferece a possibilidade de se satisfazerem sexualmente de forma real, preferem descarregar a sua libido por meio da masturbação vendo pornografia. A pornografia hipertrofia a diferença e a novidade, e seduz quem não consegue tolerar a repetição. Como vivemos numa era que nos habitua maciçamente à passividade do mero consumo, perdemos - por falta de uso da imaginação, do pensamento divergente, da espontaneidade - a capacidade de produzir a diferença e seduzir.
2. O TRIUNFO DO SEXO SOBRE A SEDUÇÃO
"Pornografia" é um termo que nos chegou em fins do século XIX (dicionarizado pela primeira vez em 1899, por Cândido de Figueiredo, segundo a datação do Houaiss) do francês 'pornographie'. Esta palavra tinha nascido cerca de um século antes, em torno de 1800, inicialmente com um sentido sisudo: estudo (de saúde pública) sobre a prostituição. Foi em meados do século XIX que passou a ser empregada para designar a arte, em especial aquela produzida na antiguidade – a princípio a pintura –, que retratava temas obscenos. A raiz do termo francês estava plantada no grego, língua que tinha palavras como pórne (“prostituta”), e pórnos (“que se prostitui”), além de pornographos (“autor de escritos sobre a prostituição”). Todos esses termos traziam embutida a ideia de comércio, de compra e venda. Curiosamente, o vocabulário do latim clássico (conforme registrado pelo referencial dicionário Saraiva) não tinha nenhuma palavra derivada de pórne; ao invés, havia 'prostituta', também um vocábulo de origem comercial que, no seu sentido literal, queria dizer “(mercadoria) exposta”.
Na era contemporânea, caracterizada pela sociedade do consumo e do espetáculo, do gozo a qualquer preço, a pornografia é comumente considerada como podendo transforma o sexo em produto de consumo, mais uma mercadoria que se pode usar e descartar. Aquilo a que assistimos hoje é a relevância concedida ao sexo, erigido em instância autónoma, desvinculado do ritual inerente à sedução. Nesse contexto, o corpo absorve o mesmo fetiche que caracteriza a mercadoria, tendo como base o modelo ligado à produção e ao exibicionismo das formas. Autonomiza-se e insere-se na cultura da demonstração.
A pornografia está em todos os lados, acabando por incentivar a prática sexual cada vez mais cedo e de forma leviana na vida do sujeito, ou seja, sem compromisso e sem afeto. Percebe-se que o sexual triunfou sobre a sedução, anexando-a de forma subalterna. Trata-se da subversão de ordem: o que vem em primeiro plano é a sedução, da qual o sexo seria consequência. Cada vez mais, porém, qualquer sedução, qualquer forma de sedução, que é um processo altamente ritualizado apaga-se por trás do imperativo sexual naturalizado, por trás da realização imediata e imperativa de um desejo.
Há quase 20 anos, o sociólogo Zygmunt Bauman cunhou o hoje amplamente difundido termo amor líquido para retratar o modo como nos relacionamos. Este conceito de amor é pensado a partir da lógica dos bens de consumo. A relação só é preservada enquanto trouxer satisfação e utilidade instantânea, se não, é rapidamente substituída por outra: reflexo da sociedade capitalista, que valoriza o produto pronto para uso imediato, o prazer passageiro, resultados que não exijam esforços prolongados e receitas testadas, garantias de seguro total e devolução de dinheiro.
No cenário de uma sociedade
cada vez mais individualista, em que prevalecem a
exaltação e glorificação do eu narcísico, o Outro parece cada vez mais atreito a cumprir a mera tarefa de
confirmação e manutenção da nossa própria identidade. Com efeito, a maior parte das pessoas vê no problema do amor, em primeiro lugar, o problema de ser amado/a, e não o problema da
própria capacidade de amar. O que queremos, egoistamente, é a
garantia de que somos amados/as, especiais e tratados majestaticamente, que o Outro nos descubra de forma pronta, totalmente compatível conosco, ficando com pouca paciência para negociar as diferenças e enfrentar as frustrações inerentes a esse processo - uma espécie de regresso à fase do
narcisismo primário. Queremos esse 'amor' em bandeja e queremo-lo já. Isto é
atuar sob influência de um funcionamento assente no Ego. De igual forma, queremos ser seduzidos/as, mas nem sempre estamos capazes de incorrer esforços para seduzir o Outro.
3. O CASO DA HABITUAÇÃO SEXUAL
Est realidade é realçada em casais que enfrentam o fenómeno da habituação sexual. A ‘habituação sexual’ é um condicionamento biológico – presente em quase todas as espécies – que causa a diminuição progressiva do desejo e da excitação sexuais após ter relações sexuais regulares com a mesma pessoa. Ainda que possa ocorrer com apenas algumas semanas ou meses de sexo regular, a habituação sexual tende a tornar-se mais permanente até aos 2-3 anos de relação. Em grande parte, é devido a ela que a “lua de mel" dura raramente mais do que um ano ou dois.
A degradação e a diminuição de frequência de intercâmbios eróticos
afetam não só a satisfação sexual do casal, mas também condicionam a sua
aproximação emocional e harmonia relacional (e.g., aumentam os ressentimentos, instala-se a agressão passiva, e substitui-se o que dantes era agradável por um sentimento de irritação). As três formas mais comuns de lidar com esta situação são:
a repressão, a sublimação e o engano. QUER SABER MAIS? CONTINUE AS SUAS LEITURAS
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Com estima,
Carlos Marinho
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