Enquanto, desde a infância, as meninas imaginam ‘o escolhido’ como um terno salvador (“o príncipe encantado”), os meninos identificam-se com personagens corajosos que enfrentam obstáculos para conquistar a sua amada (“o herói”).
Sonhar acordado é algo familiar para as mulheres: seja nas brincadeiras infantis ou na vida real, a antecipação é para o feminino o que o presente é para o masculino – uma forma de estruturar o pensamento. O “príncipe encantado” não é apenas uma criatura de contos de fadas, mas o resultado do famoso período edipiano para a menina: ele é o homem inesperado; aquele que chega como num golpe de magia, que tem a mesma força do pai e capacidade de compreensão imediata da mãe. Une os pais numa pessoa só, e ela é única aos olhos dele. O “príncipe” é forte quando necessário, terno e presente na hora certa, um nutridor, um inventor – o homem perfeito.
Mas é também uma fantasia que nenhum homem está pronto para aceitar. Se por um lado devemos esperá-lo (é importante carregar uma parte do sonho que nos ajuda a sustentar a realidade), por outro é importante renunciar a este príncipe que nunca chegará (a ideia impede-nos, precisamente, de viver a realidade): este é o grande paradoxo. Se estamos à espera do príncipe, nunca encontraremos ninguém fora dessa (exigente) fantasia. Do ponto de vista místico, ele é Deus.
O “príncipe encantado” também existe no imaginário das mulheres casadas: nos momentos difíceis, será ele quem deverá sempre ter a resposta correta. E isto é extremamente difícil para os homens.
E sim, se eles quiserem, os homens também sonham com a sua “princesa encantada”. Ela é sempre misteriosa – será preciso superar obstáculos (reais ou imaginários) para conquistá-la, salvá-la de algo e mudar o curso da sua vida. A “princesa encantada” permite ao homem finalmente realizar o seu sonho de infância: arrancar a mãe das garras do pai. Na sua imaginação, a mulher ideal deve combinar o inacessível, o mistério, o já conhecido, o maternal e o sensual. Posteriormente, uma vez formado o casal, ela deve permitir que o homem viva como um herói, ou seja, capaz de superar as dificuldades.
As relações formadas com o pai e mãe durante a primeira infância constroem a nossa autoestima. A real e/ou percebida falta de afeto por parte da mãe ou do pai deixa marcas: uma incerteza, até mesmo um sentimento de não ser digno/a de ser amado/a, e a procura por um amor difícil de satisfazer. Esta procura pode então ocupar todo o espaço, levando frequentemente a uma espiral destrutiva. O/A parceiro/a é apenas um espelho ou uma conquista acessória que esconde o déficit afetivo da pessoa.
O/A sedutor/a é o protótipo da criança não amada: interiormente, vive o drama de não acreditar ser capaz de “seduzir a mãe” – daí a constante corrida à sedução, na esperança de obter uma reparação pelo amor materno. Perturbações relacionais, e possivelmente depressão, são as marcas desses amores impossíveis. Poderíamos falar também do/a solitário/a, incapaz de realmente acolher o que o Outro tem para lhe dar, pois não tem um lugar em si para receber. Quando ainda mal abertas, depressa as portas do afeto se fecham. Qualquer encontro que provoque emoções, confronta-o/a com a incerteza sobre a capacidade de se entregar. A menos que renuncie a uma forma de diferença, o/a solitário/a dirá a si mesmo/a: “Nunca estamos tão bem servidos como quando estamos por nós mesmos/as”.
Filhos/as de pais divorciados tendem a repetir o fracasso dos pais indefinidamente: inconscientemente, comparam o sucesso no amor a uma traição – tal como a traição sofrida por um dos pais. Algumas mulheres boicotam a sua própria vida amorosa para não desqualificarem a mãe, por exemplo, ou expropriam-se de uma vida amorosa, afetando-se antes ao “príncipe encantado”: um homem virtual é a garantia de que a relação jamais será bem-sucedida.
No início de um relacionamento amoroso, do amor à primeira vista à idealização, a fantasia funciona. A realidade é posta de lado. Cada um/a verá no outro o que quer ver, inconscientemente. Mas cada um traz consigo as pedras de toda a sua história, feliz ou dolorosa. Este momento inicial não deve ser evitado. A ilusão de totalidade, necessária ao florescimento do estado de amor, deve, no entanto, dar lugar à realidade, à descoberta das diferenças, para se chegar a uma relação verdadeira. Um momento perigoso e ao mesmo tempo fascinante. O amor não pode prescindir do imaginário, mas o prisioneiro da idealização imaginária condena a verdadeira relação. O amor enraíza-se na diferença.
A única forma de superar a idealização é aceitar o outro nas suas diferenças, por oposição a querermos viver com um espelho de nós mesmos/as – ouvir o outro, deixá-lo expressar-se (ao invés de pensar por ele). Fico, por vezes, impressionado com a extensão de desconhecimento que os casais demonstram, pela ausência de real curiosidade um pelo outro, pela forma como permanecem no nível de conteúdo, ou seja, na dimensão mais factual das suas experiências quando comunicam entre si, e pela falta de apoio que procuram um/a no/a outro/a, sobretudo para tomar decisões importantes.
Deve levar-se em conta que o outro não é apenas uma fonte de prazer. Esta consideração exige um investimento, uma presença, uma escuta ativa. No entanto, os casais tendem a preferir viver separados, encontrando-se apenas para partilhar atividades comuns agradáveis. É uma forma de recusar que o outro possa estar triste, cansado, infeliz ou frustrado.
O “príncipe encantado” e o “herói” são dois homens ideais. O mal-entendido decorre da crença de que ele é o mesmo. Na verdade, o ideal seria que cada um fosse um pouco mais longe: que a mulher deixasse algum espaço para o herói e o homem para o sonho. Se reconhecermos o homem como herói, ele pode ser um pouco príncipe encantado. Da mesma forma, a mulher deve ter cuidado para não “matar a sedutora” tornando-se “mãe”. A principal dificuldade para ela é conciliar o seu papel de mãe e de esposa.
Faz-lhe sentido?
Aqui para si.
Com estima,
Carlos Marinho
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