1: INTRO: A família é a matriz de socialização, e a relação fraternal é a primeira relação horizontal que conhecemos. Constitui, por isso mesmo, (1) uma importante fonte de aprendizagem e de treino de relações entre iguais - promovendo o desenvolvimento de competências de partilha, de reconhecimento e aceitação da diferença, de resolução de problemas, de negociação, de autocontrolo da raiva, de maior tolerância à frustração, e de sentimentos de solidariedade (entre crianças que estão ao mesmo nível e que possuem o mesmo tipo de poder); e (2) um fator de proteção relativamente ao desenvolvimento de problemas emocionais internalizantes (como tristeza, ansiedade, queixas somáticas) - promovendo comportamentos positivos de entreajuda, dentro e fora do universo familiar, que trazem o potencial de os/as irmã(o)s poderem ser, para toda a vida, um refúgio afetivo e de segurança.
Mas, claro, nem todas as relações de fratria colhem destes benefícios e são harmoniosas. Saber quando e como intervir pode fazer a diferença na forma como educamos os/as nossos/as filhos/as. Comecemos pelo início...
2: A RIVALIDADE FRATERNAL COMO SENTIMENTO UNIVERSAL
As lutas fraternais são comuns à maioria das famílias, não obstante as diferenças de valores, estilo ou filosofia de vida de cada uma delas. Por norma, essas lutas - características de todo o grupo fraternal -, têm um carácter mais lúdico do que agressivo, sendo a sua finalidade conquistar e preservar um espaço dentro do sistema familiar e garantir a sua individualidade. A fratria nunca é um lugar de experiências partilhadas igualmente por todos/as os/as irmã(o)s. Cada um/a deles/as ocupa um lugar específico nesse subsistema familiar, ao qual corresponde um papel único e diferente dos papéis dos restantes membros. Importa considerar que a relação fraterna é uma intimidade imposta. Os/As irmã(o)s não escolhem a família em que nascem, e não se escolhem um/a ao/à outro/a. Podem ser do sexo oposto, têm idades e provavelmente personalidades diferentes e, o que é mais difícil, têm de partilhar entre si as duas pessoas que mais querem para si próprios/as: os pais.
A rivalidade entre irmã(o)s, especificamente,
é um sentimento universal e tem a sua base na
competição pelo amor e atenção parental, na infância
. Qualquer filho/a quer ser
o/a mais amado/a, o/a mais valorizado/a e o/a mais reconhecido/a. Isto significa que
quanto menos afeto percepcionarem por parte dos pais (ou das figuras cuidadoras),
mais rivalidade e conflitos existirão entre si. Esta condição está intimamente relacionada com a forma como resolvemos o conflito natural do nosso
narcisismo primário.
Uma forma de ajudar a distinguir o normativo do patológico, é procurar avaliar se apesar das manifestações de rivalidade ou hostilidade, os/s irmã(o)s conseguem ter interações positivas em períodos em que conseguem brincar e relacionar-se de forma amistosa. No entanto, se se verificarem manifestações excessivas de agressividade, a par de uma postura desafiante e opositora, inicia-se o que poderá vir a perdurar como uma rivalidade patológica entre irmã(o)s. O fenómeno pode não ser surpreendente durante a infância, mas muitos/as vivem ainda em conflito, já adultos/as, fisicamente separados/as dos pais, e até após a morte destes. Voltaremos a este ponto.
3: O COMPLEXO FRATERNO: A CHEGADA DO/A RIVAL
Iremos aqui chamar de "complexo fraterno" ao conjunto de desejos amorosos e hostis que a criança experimenta em relação aos/às seus/suas irmã(o)s. Abrange as identificações, as ambivalências e também a consolidação da sua posição, da rivalidade, da raiva e da inveja.
Cada um/a de nós nutre a fantasia de ser alguém especial, de ser o/a único/a a contar para os outros e no mundo. Abandonar esta ideia é um esforço difícil, mas absolutamente necessário para se viver entre os outros, com toda a sua vulnerabilidade. O nascimento de um/a rival constitui uma ameaça inconsciente à fantasiosa supremacia e omnipotência do/a primogénito/a. A criança é obrigada a renunciar à posição de 'objeto de amor' exclusivo e privilegiado, ao ser deslocada do lugar único que até então ocupava na relação com os pais, suscitando nele/a sentimentos de inveja, de hostilidade, de ressentimento, de ódio - não só contra o/a intruso/a ("viste roubar-me a minha majestade"), mas também contra os pais por lhe terem imposto o/a irmã(o) ("deixaram que me roubassem a minha majestade"). É curioso notar que o 'complexo fraterno' estaria posto também para filhos/as únicos/s, na medida que a criança, num dado momento, pode gerar a hipótese de que os pais desejem algo além dela.
A inveja normal está ligada à
dor sentida pela percepção da perda do status de 'objeto amado', e à
humilhação narcísica que lhe está associada. Mas de facto não é raro que a violência contra o/a irmã(o), seja também uma
tela ou um escudo do ódio em relação aos pais: ou seja, que tenha por função poupá-los e protegê-los do ódio que a criança sente contra eles - recorde-se que no mundo interno da criança é completamente impensável mover-se qualquer tipo de crítica ou ressentimento contra os
pais, que representam a autoridade máxima. O/A irmã(o) é diferente: é uma relação horizontal, e facilita assim o deslocamento da raiva.
Tal como ao nascer, o/a primeiro/a filho/a de um casal inaugura a família e o conflito inter-geracional, o/a segundo/a filho/a inaugura a fratria e dá origem ao conflito intra-geracional. A chegada do/a irmã(o) é a chegada do/a “estrangeiro/a”, daquele/a que com a sua presença vem perturbar o equilíbrio instituído. Com ele/a é introduzida a noção de mudança, de paridade. A partir do nascimento do/a segundo/a filho/a terão início partilhas, negociações, julgamentos. O/A filho/a mais velho necessitará de reorganizar o seu espaço e a sua maneira de pensar, levando em conta a existência do/a mais novo/a. Aqui se desenvolve uma disposição alteritária, ou seja, voltada para o Outro, ao invés de apenas para o 'próprio umbigo'. Esta disposição é necessária para, em idade adulta, se poder transitar de forma bem sucedida de uma posição afetiva mais "masturbatória" (mais centrada em nós mesmos/as, em que o Outro é visto como um prolongamento das nossas necessidades e desejos) para uma posição afetiva amorosa (capaz de reconhecer e querer ao Outro pela sua diferença).
4: A IMPORTÂNCIA DA FRATRIA NO PROCESSO DE NOS TORNARMOS 'PESSOA'
Assim, a chegada de um/a irmã(o) ao contexto familiar institui um novo tipo de identificação para a criança, diferente daquela estabelecida com as figuras parentais, marcada pela diferença de poder e de força. Ao colocar o/a filho/a mais velho/a na situação de “apenas mais um, um entre outros”, a fratria possibilita o seu deslocamento da posição narcísica primária e a sua introdução na rede de relações sociais. Ao/À irmã(o) mais novo/ cabe a função de descobrir, conquistar e cultivar os novos territórios. O/A filho/a mais novo/a costuma ser eximido do papel de portador/a e fiador/a responsável pela tradição familiar imperante. De referir que a diferença de idade entre as crianças também pode produzir algum efeito sobre a posição subjetiva que uma irá ocupar em relação à outra. Irmã(o) cujas idades são mais próximas estariam mais sucetíveis à tensão e disputa. Além disso, os/as mais velhos/as podem ocupar um lugar de maior ascensão e poder sobre os/as mais novos/as. Os/As filhos/as do meio, por sua vez, experimentariam uma espécie de impasse, afinal, compreendem ambas as posições simultaneamente.
O/A outro/a permite a cada um/a dos/as irmã(o) definir-se melhor, através da percepção do jogo das semelhanças e diferenças entre si. É a capacidade de diferenciação entre os irmãos que permite atenuar a sua rivalidade e aliviar o conflito interno.
5: SOPRANDO BRASAS
Para compreendermos a dinâmica conflitiva do subsistema fraternal, será necessário considerarmos variáveis da estrutura familiar que intervêm na relação entre irmã(o)s - tanto para facilitá-la como para dificultá-la -, tais como: (1) a posição na família/ordem de nascimento [sobretudo pelos papéis que lhe são inerentes e pelas consequentes expetativas parentais. Por exemplo, o/a irmã(o) mais velho/a pode sentir-se pressionado/a com responsabilidades para com o/ irmã(o) mais novo/a, ou o/a irmã(o) mais novo/a pode sentir que nunca consegue ter os mesmo privilégios que o/a irmã(a) mais velho/a]; (2) o sexo e as expectativas de género [ser-se rapaz ou rapariga (por exemplo, um filho pode sentir ciúme da irmã porque o pai parece mais afetuoso com ela; ou a filha pode sentir-se rejeitada por não participar numa viagem com o pai e o irmão)]; (3) a diferença de idade [que leva a interpretações diferentes de acontecimentos familiares]; (4) o temperamento da criança, (5) o tamanho da fratria, e (6) o tratamento diferenciado parental. Quererei aqui focar-me mais neste último.
5.1. O/A FILHO/A DOURADO/A E A OVELHA NEGRA
Pesquisas indicam que o
favoritismo dos pais (ou seja, a experiência subjetiva que as pessoas têm de que um dos pais prefere outro/a filho/a em vez delas) é
surpreendentemente comum. Está presente em cerca de 65% das famílias e foi identificado e estudado em culturas diferentes. Embora admitir a preferência por um/a filho/a em detrimento de outros/as, não seja fácil e leve geralmente ao
julgamento da sociedade e da própria família, é inegável: os favoritismos rodeiam-nos constantemente, em inúmeros contextos da nossa vida. Ainda que os pais possam dizer que não têm um/a filho/a preferido/a, a verdade é que, muitas vezes, os/as filhos/as, outros familiares, ou até pessoas que não pertencem à família nuclear
conseguem perceber essa preferência, que pode ser - e tipicamente é - inconsciente. Nestes casos, distinguimos o/a "filho/a dourado/a" e a "
ovelha negra". Contudo, uma conclusão é certa:
a preferência é apenas a identificação e empatia por determinadas características de um dos filhos (ou de mais do que um).
Entre as variáveis que podem explicar essa predileção estão as qualidades ou características de personalidade partilhadas entre pais e filhos/as, os sistemas de educação a que os pais foram sujeitos, o facto de terem irmã(o)s ou de serem filhos/as únicos/as, as expectativas em relação à parentalidade. A idade e o sexo das crianças também podem ter influência. Por um lado, as mães normalmente preferem as filhas e os pais os filhos (porque é com eles que podem praticar atividades e basear-se nos modelos feminino e masculino). Existe ainda maior ideia de favoritismo em relação ao/à filho/a primogénito/a (o/ mais velho/a), pois foi o/a primeiro/a e talvez o/a mais desejado/a, ou então, em relação ao mais novo, pois é o "bebé" da família.
E nada disto tem de ser necessariamente mau. O problema não é os pais terem um/a filho/a preferido/a, mas sim não o admitirem, quando este é, na maior parte das vezes, um fenómeno natural. Os pais têm medo de admitir a preferência porque confundem favoritismo com amor: associam a preferência ao facto de isso poder significar não amarem os/as filhos/as por igual – e não é isso que está em causa.
O fenómeno pode, no entanto, ter consequências no funcionamento da família e no desenvolvimento das crianças. Longe ser uma mera particularidade da vida familiar, este fenómeno pode prejudicar o bem-estar dos/as filhos/as ao longo de toda a vida, desde a infância até a meia-idade e além - será aqui entendido por 'tratamento parental diferenciado'. Importa frisar que irmã(o)s da mesma família podem ter perspectivas distintas sobre o tratamento parental diferenciado, já que a sensação de ser-se desfavorecido/a é altamente subjetiva.
A percepção pode decorrer de a pessoa sentir que um dos pais (ou os dois) dedicam mais tempo, atenção, elogios ou afeição à outra, possivelmente exercendo menos controlo, para que ela sofra menos restrições, e esteja sujeita a menos disciplina ou até punições. Para o/a filho/a que se sente relegado/a para segundo plano, pode haver profundas consequências. Pesquisas indicam que, desde muito cedo, as crianças percebem o tratamento diferenciado, como pais que demonstram mais carinho por um/a irmã(o) do que pelo/a outro/a. A percepção do tratamento diferenciado parental foi associada à baixa autoestima em crianças, à ansiedade infantil, à depressão e a problemas de comportamento, incluindo comportamento de risco. Os impactos deste fenómeno sobre a saúde mental podem persistir até a idade adulta. O tratamento diferenciado das mães, por exemplo, é associado a graus mais altos de depressão entre filhos/as adultos/as.
O/A filho/a favorito/a irá crescer sentindo-se mais confiante e poderoso/a, mas também pode fazê-lo/a sentir-se sempre acima das regras, suscitando frustração e raiva quando percebe que não pode fazer tudo o que quer. Poderá ainda ter maior dificuldade em separar-se dos pais e desenvolver a sua própria personalidade, bem como em construir relações amorosas futuras pois sentirá que ninguém conseguirá amá-lo tanto quanto a figura parental que o/a preferia. Já o/a filho/a preterido/a poderá vir a sofrer de problemas de autoestima e, perceber que os pais estão constantemente a desvalorizá-lo/a, pode adotar comportamentos desajustados (regressão, infantilização, dificuldades na aprendizagem, apatia, desinteresse, revolta, entre outros).
O viés pode também permanecer ao longo da vida, com pais tratando os/as filhos/as adultos/as de forma diferenciada. E, embora os/as irmã(o)s não sejam responsáveis pela situação, mas sim os pais, o tratamento diferenciado pode prejudicar os laços entre os/as irmã(o)s, aumentando as tensões e os conflitos entre eles/as.
5.2. ASSUMIR O FAVORITISMO
Vale lembrar, porém, a necessidade de separar o/a filho/a preterido/a que adota a
atitude de autoresponsabilização pela gestão do seu ressentimento contra aos pais e a fratria, e aquele/a que se achata num papel
dependente e autovitimizante, como fuga aos conflitos da sua própria individualidade. Mesmo com trinta, quarenta e cinquenta anos, tendo já recursos para uma possível total autonomia, muitas das pessoas que passam por traumas e/ou carências afetivas na infância, parecem fixar-se obcessivamente numa posição infantil de
dependência dos pais,
culpando-os constantemente pelas suas posições educativas.
Considerando o muito prejudicial que o tratamento diferenciado é, não poderiam os pais evitar escolher um/a filho/a favorito/a? A questão é válida. Sucede, porém, que
eles podem não exercer o favoritismo intencionalmente. E, provavelmente,
nem sabem que o estão a fazer. O tratamento preferencial pode começar entre os pais porque um/a dos/as seus/suas filhos/as
é mais fácil de criar; podem relacionar-se mais com aquela criança, por observarem
mais similaridades entre si.
Estudos com adolescentes mostram que as famílias não costumam falar sobre o assunto, o que dificulta ainda mais a resolução de possíveis mágoas ou mal-entendidos. Se estas situações fossem abordadas de forma sensível, sem que ninguém sentisse que lhe está a ser atribuída culpa, poderiam ocorrer conversas mais abertas passíveis de harmonizar todos os lados. Os pais poderiam, por exemplo, perguntar por que motivo o/a filho/a sente que eles preferem outro/a dos/as seus/suas irmã(o)s.
Se os pais ouvirem e oferecerem uma razão para o comportamento diferencial em relação aos/às filhos/as, os/as filhos/as poderão perceber que existe uma razão prática, e que não é uma questão de os/as outros/as serem mais amados/as do que ele/a. Sugere-se pois aos pais que expliquem esta dedicação desigual (ou porque um/a é mais novo/a e requer mais atenção, ou porque um/a tem mais dificuldades do que o/a outro/a, etc.). Habitualmente, as crianças percebem e desvalorizam. O sentirem-se amados/as é o mais importante. O aumento da autoconsciência pode ajudar os pais a evitar a constante criação de situações injustas. Isso é especialmente importante porque a criança pode aprender o padrão de favoritismo e aplicá-lo ao seu próprio estilo de criação de filhos/as e relacionamentos na idade adulta. Se, enquanto pais, não formos conscientes e não tomarmos medidas para romper essa transmissão, estamos provavelmente a adotar o mesmo comportamento com os/as nossos/as filhos/as.
Além desta, deixamos outras sugestões no capítulo abaixo...
6: O COMPLEXO FRATERNAL NA INFÂNCIA E JUVENTUDE: COMO INTERVIR?
1: Defina as regras básicas e incentive o bom comportamento: certifique-se de que os/as seus/suas filhos/as entendem o que os pais consideram um comportamento aceitável e inaceitável quando se trata de interagir entre si, bem como as consequências do mau comportamento.
2: Promover espaços de convívio e atividades conjuntas que irão reforçar a união entre irmã(o)s e o sentido de pertença à família (ex. jogos de tabuleiro realizados em família, formando uma equipa com os irmãos);
3: Respeitar e valorizar as diferenças entre irmã(o)s: não trate os/as seus/suas filhos/as da mesma forma. Cada um/a tem idiossincrasias e necessidades exclusivas. Por exemplo, em vez de comprar os mesmos presentes para evitar conflitos, considere comprar presentes diferentes que reflitam os seus interesses individuais e, em caso de dúvida, peça a opinião deles/as;
4: Nunca fazer comparações entre irmã(o): comparar as competências e conquistas dos/as seus/sas filhos/as pode deixá-los/as magoados/as e inseguros/as. Evite discutir as diferenças entre as crianças à frente delas. Ao elogiar um/a, descreva a sua ação ou realização, ao invés de compará-la com o/a irmã(o);
5: Quando surgir um conflito, verifique se as crianças conseguem resolvê-lo sem a intervenção do adulto;
6: Se interferir no conflito, tente resolver o problema com os/a seus/suas filhos/as, e não pelos/as seus/suas filhos/as;
7: Se optar por intervir como mediador/a, promova a partilha de pontos de vista e emoções, mantendo-se imparcial e não assumindo o papel de detetive que procura descobrir o “culpado”;
8: Ensinar-lhes quatro etapas para resolver conflitos: clarificar o problema, escutar ativamente o/a outro/a, procurar diferentes soluções e escolher a que for benéfica para ambas as partes;
9: Incentivar os/a filhos/as a procurarem estratégias não agressivas de resolução de conflitos. É muito importante que também os pais resolvam os seus conflitos com os/as filhos/as sem agressividade, pois é muito provável que os/as filhos os imitem;
10: Dar-lhes espaço: os/as irmã(o)s partilharem tempo juntos/as é tão importante quanto poderem viver a sua individualidade, estando sozinhos/as, sozinhos/as com os pais ou com os amigos;
11: Dirigir a sua atenção para as crianças em muitos outros momentos para além das situações de rivalidade: privilegie dar-lhes atenção nos momentos em que há interações positivas, elogiando a sua capacidade de partilharem brincadeiras e trabalharem em equipa;
12: Ouça os/as seus/suas filhos/as e mostre o seu amor por cada um/a: ser irmã(o) pode ser frustrante. Permita que os/as seus/suas filhos/as desabafem os seus sentimentos negativos um/a pelo/a outro/a. Considere realizar reuniões familiares regulares para dar-lhes a oportunidade de conversar e resolver problemas entre si. Jantares em família também oferecem oportunidades para conversar e ouvir. Além disso, passe algum tempo sozinho(a) com cada um dos seus filhos. Faça atividades especiais com cada criança que reflitam os interesses dela.
13: Flexibilize os papéis familiares: as crianças podem sentir-se presas a determinados papéis dentro da família. Pensemos no caso do/a filho/a rebelde versus o/a filho/a 'atinadinho/a': o/a indisciplinado/a pode assumir que os pais gostam mais do/a calmo/a; enquanto o/a mais calmo/a pode sentir-se empurrado para o papel de “o bonzinho/a boazinha”. A menos que as crianças tenham a oportunidade de abandonar estes papéis rígidos, as rivalidades ou ressentimentos podem agravar-se com o tempo, levando a discussões, ciúmes ou lutas constantes.
7: A RIVALIDADE ADULTA: SER PARA AMAR?
Existem evidências de uma
tendência para a diminuição da rivalidade com o amadurecimento, a aproximação e a partilha de experiências similares (família, filhos,
stress ocupacional, etc.); tipicamente, as relações tornam-se
mais calorosas e menos conflitivas na transição para a idade adulta.
Outros estudos indicam que as rivalidades destrutivas podem persistir ao longo do ciclo de vida, na medida em que exista: (1) a crença nos/as filhos/s de que há um/a “favorecido/a” entre eles/as, seja pelos pais ou pela vida; (2) a percepção de interferências dos pais na resolução de conflitos entre irmã(o)s, ou também (3) diferenças de personalidade.
Os conflitos podem ser verbais, envolvendo o recurso à crítica, ao desdém e ao sarcasmo, podem envolver provocações, atos de manipulação, roubo, atos de sabotagem, violência física e corte total de todos os laços (é geralmente nesse momento que a cumplicidade não mais encontrada no/a irmã(o) se direciona para outras pessoas, comumente, primos/as ou amigos/as).
Mas porque continuam as lutas fraternais em idade adulta? Parece verdade que "pecados antigos projetam longas sombras". Mesmo depois da meia-idade, os/as irmã(o)s ainda se lembram de como se sentiram quando crianças. E isso afetará o relacionamento entre eles/as e o seu bem-estar psicológico. São conteúdos que permanecem conosco (isto é especialmente verdadeiro em conflitos graves ou prejudiciais, mas pode também acontecer em casos mais leves). Importa também considerar que a relação que temos com os/as nossos/as irmã(o)s é, provavelmente, uma das mais longas: diferente, portanto, daquela que temos com amigos, parceiros ou até mesmo com os pais.
Tipicamente, outro fator de peso é a projeção que podemos estar a fazer. O que é a projeção? A projeção é um mecanismo do nosso psiquismo que se baseia no ato de atribuir a uma outra pessoa (animal e/ou objeto) as características, sentimentos ou intenções que se originam em nós próprios/as. Ou seja, esses aspectos da nossa personalidade são deslocados do interior para fora. A ameaça que sentimos dentro é tratada como se fosse uma força externa. A pessoa pode então lidar com sentimentos reais, mas sem admitir ou estar consciente do fato de que a ideia ou comportamento temido é dela mesma. Sempre que caracterizamos algo "externo" como mau, perigoso, e/ou pervertido, sem reconhecermos que essas características podem também ser verdadeiras para nós, é provável que estejamos a projetar. É igualmente verdadeiro que quando percebemos os outros como sendo poderosos, atraentes, e/ou capazes, sem apreciar as mesmas qualidades em nós próprios/as, também estamos a projetar. A variável crítica na projeção é que não vemos em nós mesmos/as algo (que nos parece claro e óbvio nos outros).
Por outro lado, se admitirmos que não reagimos às pessoas pelas pessoas em si, mas à forma como as interpretamos (sendo que essa interpretação depende de como nos vamos permitindo organizar emocional e cognitivamente),
tudo depende realmente do significado que as pessoas atribuem aos acontecimentos passados. A verdade é que se em crianças éramos impulsivas/as, como adultos/as somos agora intencionais. Temos agora escolhas, competências e habilidades que não tínhamos anteriormente. Precisamos de entender as nossas projeções e recolhê-las, de
forjar a nossa própria identidade, assumir o nosso próprio 'Self', tendo-nos a nós mesmos/as como referencial supremo, por oposição a ficarmos dependentes dos outros, e da carga de ressentimentos e mágoas que trazemos a reboque.
8: O COMPLEXO FRATERNAL EM IDADE ADULTA: COMO INTERVIR?
Independentemente dos anos de distanciamento que se possam entrepor, o vínculo entre irmã(o)s pode sempre ser restabelecido, desde que essa iniciativa seja desejada por ambas as partes, numa disposição de cura e aceitação, ou seja, partindo de uma posição amorosa e não de uma posição ainda ferida e imatura. O processo de reconciliação passa por uma revisão de quem somos, do que nos determina, para eventualmente ajustarmos e corrigirmos comportamentos que não são positivos para a convivência. É importante mantermo-nos alerta para compreender se o conflito continua ainda latente ou se a separação existe apenas por comodidade. Daí a importância de periodicamente analisarmos os motivos para o afastamento, e questionarmo-nos sobre se têm ainda fundamento ou se sequer são ainda importantes. Este é o primeiro passo para assumirmos a nossa quota parte de responsabilidade afetiva na gestão da relação. Reconhecer os próprios erros, pedir desculpa, estar disposto/a a mudar determinadas atitudes: tudo isto faz parte do crescimento pessoal. O desafio não é diferente quando falamos da relação fraterna.
8.1. DÊ ESPAÇO: Forçar a convivência com um/a irmã(o) que supõe uma afronta direta a tudo o que pensamos ou em que acreditamos pode ser
extremamente doloroso. Nestes casos, a melhor alternativa é
resguardar-se. Não se trata de cessar todo e qualquer tipo de convivência, mas sim de
poupar-se a conflitos desnecessários, envolvendo a família nesta forma de organização, para que todos/as contribuam com a sua parte e evitem, dentro do possível, encontros forçados. Sucede que vivemos numa
sociedade que valoriza muito a relação familiar, instituindo-a como um dos pilares do sucesso e da autorrealização. É por isso muito comum considerar-se estranho que os/as irmã(o)s apresentem uma relação conflituosa e não se falem. Supõe-se naturalmente que
duas pessoas com um vínculo de sangue devam amar-se. Mas a conexão entre duas pessoas, da mesma família ou não, é algo
que se constrói, não pode ser forçada. Lembrar sempre que os
verdadeiros laços de família
não são os da consanguinidade e sim os do
amor, do
respeito, e da
segurança. O vínculo só resiste se for estabelecido sobre estas bases. Às vezes, um pouco de espaço pode ajudar. Alguns/algumas irmã(o)s dizem que só começaram a notar uma melhoria no relacionamento quando um/a deles/as se afasta. Esta pode ser uma maneira saudável de nos redefinirmos para além dos/as nossos/as irmã(o)s (findas contas, precisamos da nossa própria identidade). Às vezes, a melhor maneira de seguir em frente é concordar em discordar, pelo menos temporariamente. Podemos não conseguir estabelecer uma amizade profunda com eles/as , mas podemos, pelo menos, interagir de forma mais pacífica.
8.2. ENTENDER O OUTRO: Desafie-se a compreender melhor a perspectiva, os objetivos, as necessidades e as preferências do/a seu/sua irmã(o). Perceberá que isto requer capacidade de empatia, compaixão e escuta ativa. A experiência deles/as pode ter sido diferente da sua, ou do que imagina que tenha sido. Muitas vezes apegamo-nos ao sentimento negativo, não as factos (ou à forma como eles são interpretados e vividos individualmente). Muitas pessoas não têm interlocutores válidos com quem se sintam confortáveis para conversar e crescem, desenvolvendo narrativas cada vez mais complexas e imprecisas sobre as relações. Esteja aberto/a e curioso/a para descobrir quem é o/a seu/sua irmã(o).
8.3. HUMANIZE O OUTRO E COMUNIQUE-SE: A tendência resvala para a endemonização da outra pessoa. Importa lembrar que todos/as cometemos erros, todo/as temos as nossas insuficiências e limitações, todos cometemos as nossas falhas. A verdadeira questão é: o que fazer agora com isso? A comunicação é chave. Muitas vezes o distanciamento não é enfrentado com honestidade e valentia, levando a que haja uma falsificação na relação entre os/as irmã(o)s: e isto percebe-se quando os/as irmã(o)s se reúnem e o seu discurso recai quase unilateralmente sobre a revisitação das lembranças do passado. Fazem um teatro de cortesia superficial. Assuma então claramente as suas próprias necessidades ao/à seu/sua irmã(a). Deixe-o/a saber o que precisa dele/a, o que já não representa uma verdade para si, o que lhe interessa no 'aqui e agora' do seu próprio presente. Ele/a não o adivinhará. Por exemplo, talvez possa querer dizer: “Preciso que tu não me dês conselhos porque isso faz-se sentir que não confias na minha capacidade de tomar decisões", ou “preciso que tu não me faças perguntas sobre este assunto porque isso gera-me muita ansiedade". Quando somos crianças, não temos autocontrolo para manter a calma em momentos de competição; mas como adultos, podemos. Você e o/a seu/sua irmã(o) já não são crianças: estão ambos/as em posição de serem mais intencionais nas escolhas que fazem. Consequentemente, pode optar por atualizar a relação no presente ao invés de remoer velhas feridas.
8.4. NÃO PRESUMA QUERER 'CONSERTAR' O/A IRMÃ(O): É provável que não saiba o que o/a seu/sua irmã(o) sinta e pensa, ou o que necessita. Muitas pessoas sentem que podem resolver um problema ‘consertando’ o outro; a verdade é que os membros da família ficam ressentidos. Ao invés desta atitude, procure manter-se empático/a: pense por que motivo podem ter agido de determinada maneira. Se houve algum trauma, às vezes é melhor criarem-se limites claros e saudáveis ao invés de se forçar uma reconciliação.
8.5. LEMBRE-SE DA SUA MOTIVAÇÃO: Considere o que ambos/as poderiam ganhar se conseguissem alcançar algum grau de reconciliação. Menos stress? Um relacionamento mais próximo? Abrir espaço para o lado positivo do relacionamento – ou pelo menos diminuir a toxicidade – pode ser a mudança que necessitem.
Saiba mais em consultório.
Aqui para si,
Com estima,
Carlos Marinho
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