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CONCERTO PARA UMA RUTURA AMOROSA

INTRO - ESPECIAL S. VALENTIM '24

Datas comemorativas, como o São Valentim, quando conotadas com experiências de ausência afetiva, frequentemente despertam gatilhos emocionais negativos e trazem à consciência lembranças ou nostalgias desagradáveisfazendo com que esta efeméride seja vivida de forma dolorosa

Já durante as semanas que antecedem o “Dia dos Namorados”, pode ser difícil para muitos/as de nós lidarmos com o sentimento de luto, sobretudo pelo bombardeamento massivo de propagandas e conversas gerais e omnipresentes sobre o tópico que no-lo fazem recordar e reviver constantemente.

Quando falo de luto, refiro-me ao processo emocional de vivência da ausência e do vazio causados por uma perda relacional (ou pelo que se signifique e perceba como tal), seja a nível familiar, amoroso ou de amizade – uma morte, uma discórdia, uma rutura, a condução de uma relação à distância, e até o não se ter ainda encontrado alguém com quem forjar uma relação significativa. 

Este processo tem como propósito encontrarmos um lugar (interior) para o que se perdeu, para o que ainda não se encontrou, de forma a tornarmos a dor mais tolerável. Mas e depois do término? É realmente possível manter-se uma relação saudável com o/a ex-companheiro/a? Muitos/as dirão que sim, especialmente pelo respeito e por todas as experiências significativas partilhadas durante o tempo em que estiveram juntos/as. Para outros, a música é diferente. Vejamos o compasso de cada possibilidade...

1º. ANDAMENTO (ADAGIO)


1. 
E ENTÃO ACABOU ("CAN'T BREAK THROUGH")

A maioria das relações tende a entrar em desgaste e a terminar pelo fato de os amantes se distanciarem emocionalmente
, e estes são alguns dos seus mais flagrantes sinais:

...discussões frequentes. Diminuição de contacto físico e ofertas afetivas – como beijos, carícias, e abraços. Perda de desejo sexual e diminuição do envolvimento sexual. Excesso de tempo investido em trabalho e passatempos. Pouca comunicação ou conversas somente referidas a temas que não incluem nada de importância pessoal ou emocional. Incapacidade de interagir com amigos ou familiares do casal. Parar de fazer planos em conjunto. Sensação de vida rotineira. Falta de atenção e preocupação na vida quotidiana. Desculpas ao considerar passeios a dois. Esforços que não são compensados. Sensação de solidão quando estão juntos. Sentir que há muitos aspetos da outra pessoa que nos incomodam. Imitação de comportamentos prejudiciais do/a parceiro/a, em vez de falar sobre eles e corrigi-los...

Por trás da distância emocional podem existir diferentes realidades. A mais comum é a falta de amor, e a relutância ou insegurança em comunicar ao/à parceiro/a que os sentimentos já não são os mesmos. A estas, acrescem-se: a rotina cansativa, a divergência de objetivos de vida e de opiniões (particularmente sobre a educação dos filhos), a emergência de novas necessidades e desejosembargos financeirosperdas familiares (especialmente de filhos), intromissão de parentes e/ou amigosinfidelidadeciúmes excessivoscondutas irresponsáveis (em relação às finanças da família e à criação dos filhos), tentativas de mudar o/a parceiro/a.

Independentemente do motivo, acabou. 
Acabou mesmo. E agora? 

1.1. DA FERIDA À CICATRIZAÇÃO ("IT'S SO SAD THAT YOU'RE LEAVING") 

Mesmo que seja de comum acordo, o término de uma relação amorosa não é nunca fácil, sobretudo nas semanas ou messes subsequentes. Quem já passou pela experiência, sabe que a revolta, o medo e o desespero não são sentimentos incomuns. Com efeito, a dor pode ser excruciantemente intensa. Embora não seja fácil fazê-lo, o caminho de regresso ao nosso equilíbrio emocional implica seguirmos, fase a fase, com paciência e tolerância, o processo de luto que nos re-harmonizará com o passado.

A sensação de impotência face à perda é, por vezes, tão grande e tão avassaladora, que não raro cedemos à angústia ontológica que nos faz questionar a origem e o mistério da própria existência. De repente, parece desconstruir-se a visão que detemos sobre a vida, sobre os outros, sobre nós; é-nos exigido um doloroso processo de reorganização interna: "quem sou eu, agora que não sou namorado/a de..., que não sou marido/mulher de...?".

Sob influência da saudade, do vazio, da autoculpabilização, de toda uma inquietante reatividade, torna-se-nos difícil perceber com lucidez que o ciclo continua, que existe sempre um outro ladouma nova margem, que a despedida dói, mas é necessária: que a vida é uma pressa de roda em movimento, que nunca cessará. É aqui que se faz necessário que o vazio deixado pela ausência se transforme num espaço inspirador do presente e do futuro. Este processo é denominado de luto e consiste numa adaptação à perda, envolvendo um conjunto de esforços para que tal aconteça. Voltaremos a este ponto.

1.2. ALERTA 'AMORES ANALGÉSICOS' ("I REALLY DON'T THINK YOU'RE STRONG ENOUGH")

Para muitos/as de nós, a dor chega a ser tão intolerável que sentimos precisar de uma solução rápida para amenizá-la eficazmente: e escolhemos assim investir num novo amor e iniciar uma nova relação, como analgésico para a dor que o vazio da ausência provoca. Embora atualmente se tenha já naturalizado a mudança rápida de parceiro/a, enfrentar tudo que uma rutura relacional implica não é fácil. Um analgésico far-nos-á sentir menos dor, mas não tratará o verdadeiro problema.

Quando não conseguimos ainda assimilar tudo o que nos aconteceu, quando não nos permitimos tempo suficiente para enlutar a nossa perda, o risco é o de levarmos dinâmicas e dificuldades da antiga relação para a nova, nutrirmos o medo de que a história se repita, levando conosco a desconfiança, os ciúmes e/ou as recriminações, podendo transformá-la num laço tóxico e/ou de dependência. Na prática, dificilmente um coração partido será curado através de uma nova relação. 

1.3. FERIDAS QUE ABREM OUTRAS FERIDAS ("SOMETHING INSIDE ME SAY")
 
Sucede que muitas vezes as ruturas ou divórcios podem desencadear feridas de infância, tais como as de abandono, a de ser-se rejeitado/a, de não se sentir suficiente, a ferida da traição, ou simplesmente mecanismos de autossabotagem e desvalorização, daí serem experiências tão dolorosas. Não só estamos de luto pela relação atual, mas por todas as vezes que ressentimos uma ferida semelhante que não tenha sido devidamente elaborada. 

Podemos senti-lo não só a nível psíquico, mas também no nosso corpo já que se nos ativa o sistema nervoso diante do trauma emocional da rutura, fazendo-nos reviver as sensações de todas as vezes em que nos sentimos abandonados/as, rejeitados/as, traídos/as ou humilhados/as na nossa infância.

Neste momento começamos a questionar-nos: "Foi por minha causa? Será que não fui suficiente", "Que há de errado comigo?", "Será que isto aconteceu porque eu…?", "Que fiz de mal?", "Posso voltar a confiar em alguém?", "Será que alguma vez alguém me vai amar?".

A importância de sararmos uma rutura amorosa radica em podermos desconstruí-la, dar-lhe um novo significado e uma nova interpretação à história que contamos sobre os factos dessa mesma rutura.  Para assim podermos reconhecer as lições a tirar da experiência, criarmos uma nova organização interior no meio do caos, aprendermos a arte do amor próprio, honrando-nos e gratificando-nos, e validando o nosso luto e as emoções que vêm a reboque deste processo.

2º. ANDAMENTO (ADAGIETTO)

2. COM CALMA ("I NEED TIME TO MOVE ON")

Importa reconhecermos estas partes de nós mesmos/as, as partes que mais necessitam da nossa atenção e cuidado, como a nossa 'criança interior', ajudando-a a transitar neste processo desde um ponto de consciência e amor. 

Curarmos estas feridas é necessário para que (1) no futuro possamos experimentar o amor desde a cicatriz, e não desde a ferida(2) identifiquemos que padrões não saudáveis da nossa infância nos levaram à relação(3) reconheçamos as nossas ferias de infância e como impactam a nossa forma de dar e receber afeto; e (4) possamos co-criar uma nova relação desde o nosso autoconhecimento e autoaceitação.

Se desejamos cultivar uma relação com uma conexão emocional autêntica devemos primeiro reconciliar-nos com a nossa própria conexão emocional, curando-nos a nós primeiro, para que possamos depois receber na nossa vida parcerias que modelem o mesmo nível de consciência que temos.

Cabe ao processo de luto preencher a ausência que a perda deixou; é através dele que encontramos lugar para o que se perdeu. É o tempo de lembrar – de não esquecer nunca -, de deixar doer, de deixar sentir, de deixar chorar. É também o tempo para a reflexão, pois que a perda é um susto que devemos saber processar e assimilar. Para que possamos avançar, um passo atrás de outro, por entre os escombros do choque, da perplexidade, do desgosto, levando ao peito o legado de afeto que a vida nos deu a receber; para que possamos avançar, partilhando essa memória de permanência com a esperança dos novos amanhãs onde seremos outros/as e já mais seguros/as, capazes de amar melhor. 

Com o tempo, a dor passa a coexistir com o respeito e a gratidão pelo privilégio de termos vivido ao lado de quem já não está. Faz-nos mais sensíveis à valorização de quem amamos, de quem é presente, e do que está por vir, cedendo espaço ao recomeço.

2.1. UM CALENDÁRIO PARA O LUTO ("IT TAKES TIME TO BELIEVE IT")

Não existe um calendário ou uma forma certa de fazer o luto. Certamente que cada um/a de nós reagirá de forma diferente, e reagirá de forma diferente ao longo do tempo. Tipicamente, durante um processo de luto podemos passar por vários momentos – de choque, de negação, de raiva, de tristeza, de sentir afetos e pensamentos ambivalentes e contraditórios. É uma reação natural e, até certo ponto, previsível – mas quando estamos imersos/as na experiência de perda tudo nos pode parecer extremamente confuso, e levar-nos a estados de dúvida e grande angústia, sobretudo por não saber o que é normal e o que não é. Deixo aqui alguns dos possíveis efeitos que poderá sentir, para estar alerta:

• …sobre o seu corpo: agitação e inquietação; falta de energia para fazer seja o que for; exaustão; falta de apetite; dificuldades em dormir e/ou em acordar;

• …sobre os seus pensamentos e sentimentos: não conseguir parar de pensar no afastamento da pessoa ou em algumas reações a ela; sentir-se zangado/a; sentir que foi uma injustiça; ter medo de tudo; sentir-se culpado/a; achar que não fez tudo o que podia/devia; tudo lhe parece estranho e não familiar; sentir-se aliviado/a; ficar confuso/a; não conseguir sentir nada; sentir-se ansioso/a relativamente ao futuro;

• …sobre os seus comportamentos: não conseguir tomar decisões; não ter vontade de estar com ninguém; beber álcool em demasia; automedicar-se; não conseguir interessar-se e realizar as suas atividades habituais; não conseguir estar parado/a; ter de estar sempre ocupado/a; passar grande parte do dia a chorar.

Identificam-se cinco fases no processo de luto. Não são vividas linearmente, atenção. 

A Negação: Normalmente, a reação imediata à decisão de alguém terminar a relação é rejeitá-la. Este estágio do luto pode demorar minutos, dias ou semanas. É comum procurarmos o isolamento social e o distanciamento de tudo que nos lembre a pessoa. 

A Raiva: O turbilhão emocional faz-nos muitas vezes ter condutas mais ríspidas e desagradáveis. Quando alguém nos tenta trazer para a realidade, podemos ser mais agressivos/as, ainda incapazes de aceitar a perda. É possível que tendamos a expressar a nossa raiva por meio de atitudes autodestrutivas.

A Negociação: Pensamentos como “se eu tivesse feito isto ou aquilo…” são frequentes nesta fase. Mesmo que tenhamos consciência da impossibilidade desses feitos, alimentamo-nos destas ideias para obter algum consolo.

A Depressão: Pode prolongar-se por semanas ou meses. Choramos copiosamente, repensamos as nossas decisões e experiências de vida, isolamo-nos de familiares e de amigos, temos crises de saudade e não conseguimos voltar à vida normal. Este estágio do luto requer todo o apoio de pessoas próximas e válidas. 

A Aceitação: Nesta fase, compreendemos a nossa nova realidade, constituída pela ausência de quem se afastou. Os sentimentos e angústias já foram externalizados, resultando numa sensação de paz interior. É conviver pacificamente com a perda: demora, mas sim, é possível. É o mesmo que se lembrar da pessoa que partiu com carinho, sermos gratos/as por ela ter participado da nossa vida, compreender que é preciso continuar a viver mesmo sem a presença dela e compreender a finitude da vida. 

Lembre-se:

NÃO ADIE O LUTO: Por vezes, tendemos a suprimir as emoções ligadas ao luto, envolvemo-nos constantemente em atividades ou tarefas, na tentativa de não pensar no
assunto. Aceitemos que o luto tem de ser vivido. Que chorar é positivo: as lágrimas ajudam
a exteriorizar o sofrimento acumulado, a “pôr tudo cá para fora”;

NÃO SE ISOLE: Procure o apoio de familiares, amigos, vínculos. O luto é um processo difícil, e precisa de ser vivido com a ajuda dos outros. Falar sobre o que sente não aumentará a tristeza: divide-a – é saudável;

RESPEITE O SEU PRÓPRIO TEMPO: Não espere que a tristeza passe de repente. O luto é um processo longo de construção de uma nova realidade, que comporta várias tarefas;

RESPEITE AS SUAS EMOÇÕES: O luto pode incluir os mais diversos sentimentos: raiva, revolta, culpa, medo, impotência, ansiedade e até alívio. Não lute contra estes sentimentos. Aceite as suas emoções: todas elas são legítimas numa situação de perda;

PROCURE ÂNIMO EM TAREFAS QUE LHE TRAGAM ALEGRIA: Mantenha as suas rotinas e atividades e não abdique do que lhe der prazer;

VALORIZE O AUTO-CUIDADO: Quando se está em processo de luto muitas vezes acabamos por não cuidar da nossa saúde física e emocional. Aproveitar o tempo para cuidar de nós pode melhorar muito a capacidade de reagir à situação, especialmente a longo prazo.

3º ANDAMENTO (ANDANTE)

3. E DEPOIS DO TÉRMINO? ("DO YOU BELIEVE IN LIFE AFTER LOVE?")

E depois do término? É realmente possível manter-se uma relação saudável com o/a ex-companheiro/a? Muitos/as dirão que sim, especialmente pelo respeito e por todas as experiências significativas partilhadas durante o tempo em que estiveram juntos/as. Há-os/as, porém, que recusam firmemente a ideia. 

Quatro são os motivos que tendencialmente justificam a intenção de manter a amizade após o término romântico: 

(a) por segurança: a pessoa quer manter uma amizade porque não deseja perder o apoio do/a companheiro/a(b) por pragmatismo: apesar de nestes casos o fator mais comum ser a existência de filhos, a questão financeira também pode influenciar; (c) por sentimentalismo: a pessoa atém-se à ideia de que com o/a ex por perto é uma pessoa melhor; e (d) por evitamento: já que o término pode trazer sofrimento emocional intenso, procurar uma relação de amizade pode ser uma forma de fintar as emoções mais negativas associadas à perda do anterior registo relacional.

Por outro lado, a definição do conceito de amizade é complexa, e não pode ser banalizada. Ser amigo/a significa ter um interesse genuíno em saber como é que a pessoa está, em todas as áreas da sua vida, incluindo a amorosa. Esta informação não deverá ter um impacto diferente do que a de uma mudança de emprego, por exemplo. Além de difícil, construir uma amizade com um/a ex-namorado/a também pode ser emocionalmente perigoso. É terreno pantanoso, sobretudo se não dermos tempo ao tempo para enlutar a perda

Para que se crie um novo vínculo é crucial que haja uma fase de afastamento, porque, mesmo que já não exista paixão ou amor, há sempre mecanismos de dependência. Há que respeitar o período de luto.

Manter a relação depois do seu término pode ser um impeditivo à ação de conhecer pessoas novas e redefinir o estilo de vida. A reconstrução da identidade também é relevante: algumas pessoas definem-se pela relação com o outro e têm necessidade de recuperá-la enquanto solteiro/a.

3.1. DISTÂNCIAS DE SEGURANÇA ("AFTER ALL IS SAID AND DONE") 

Depois do luto, vêm as regras. Os limites da nova amizade têm de ser muito bem traçados e as expectativas bem definidas. Independente de como terminou o relacionamento, há limites que é importante não serem ultrapassados: 

(a) não procurarmos informações sobre o/a ex nas redes sociais(b) não usarmos os seus familiares ou amigos para saber como está; (c) não expormos as nossas novas relações com o propósito de feri-lo/a(d) não começarmos novos relacionamentos se não descobrimos ainda a forma de sermos felizes sozinhos/as(e) não procurarmos o/a ex numa tentativa de nos sentirmos melhores

[Há uma pergunta que poderá colocar-se a si mesmo/a: se conhecesse alguém que lhe parecesse compatível com o/a seu/sua ex-namorado/a, seria capaz de apresentá-los/as? Se a resposta for positiva, talvez estejam então prontos para ser amigos/as. Se for negativa, talvez signifique que o período de luto ainda não chegou ao fim…].

É importante encarar o término da relação como uma ferida – que precisa de tempo e de cuidados para cicatrizar. Seria errado acelerar o processo, forçando uma convivência com o/a ex quando não se está ainda preparado/a para avançar com a vida sentimental de solteiro/a. Em muitas situações, já se sabe, a convivência precisa de existir, por questões profissionais ou pela presença de filhos. Mas é importante que nos saibamos resguardar, até para descobrirmos exatamente quais são e como gerir otimalmente os nossos sentimentos. 

De uma ou de outra forma, a vontade não basta para ficarmos amigos/as de ex-namorados/as. São as circunstâncias que o determinam: há finais complicados, há personalidades diferentes e não há relações iguais. E muito do que construímos dentro delas define o que poderá nascer depois.

3.2. CARTAS NA MESA ("THERE'S NO TURNING BACK") 

Quando a admiração esconde a esperança de reatar e voltar a ter uma vida a dois, manter uma amizade significa aumentar o sofrimento emocional, já que a probabilidade de as expectativas serem frustradas são bastante elevadas. 

Até aceitarmos as coisas como ela são, ficaremos sempre a deturpá-las pelo filtro de preconceitos e de imperativos (“tem de ser assim”, “deve ser assim”). Quando a realidade desafia a nossa noção do que ela deve/tem de ser, a realidade ganha sempre.

Quem já passou pela experiência, sabe que o medo do 'como será' pode ser maior do que o desejo de romper com o vínculo daquilo que gera sofrimento. O que mantém este tipo de vínculo não é o sofrimento, mas algum legado da relação, expectativas ou esperanças quanto ao futuro, muitas vezes ilusórias e infundadas

O primeiro passo para nos desapegarmos de algo ou de alguém consiste na mudança que acontece internamente, que inclui a possibilidade de nos desapegarmos inclusive de comportamentos pessoais e visões de mundo nocivas para nós próprios/as. É necessário aceitar e acolhermos essa nova pessoa em que nos poderemos tornar. Vale entender que, para cada perda, há um ganho. 

Novas possibilidades surgem quando as pessoas se desprendem de relacionamentos que até então não estavam a ser positivos. Muitos objetos também possuem representações afetivas, por isso o ato de se abrir mão deles costuma ser tão difícil quanto o emocional. Quando as dificuldades afetivas são elaboradas e cuidadas, permitir que essas lembranças partam torna-se um processo mais simples. 

É importante ressaltar que não precisamos de nos livrar de lembranças materiais, assim como das cicatrizes deixadas nas relações. Elas constituem-nos como seres humanos. Podemos, sim, conviver melhor com elas, procurando sempre relações afetivas que nos alimentem e nos promovam enquanto pessoas. É natural o medo daquilo em que nos possamos tornar após abrirmos mão de pessoas ou de relações disfuncionais, como se não fôssemos capazes de lidar sozinhos/as com as situações que a vida nos apresenta. Mas é possível encontrar um novo sentido, estabelecer novas relações e sentir-se mais forte. 

Quando aceitamos a realidade, começamos a relaxar – deixamos ir a resistência, abdicamos da nossa presunção de omnipotência, acolhemos melhor a nossa pequenez, sem que isso nos diminua o carácter ou o valor. Vive-se mais positivamente a vida, porque quando reconhecemos o que é, a humildação eleva-nos à paz. Pelo contrário, fecharmo-nos na bolha de uma birra de descontentamento ou de injustiça não mudará nada – cristaliza-nos a evolução, paralisa-nos na linha de desenvolvimento.    

Aceitar é isso. É um ‘sem-polémica’. Reconhecer o que é sem protestar ou tentar mudá-lo. Conviver harmoniosamente com a realidade

Deixe a fantasia, e faça as pazes com a realidade. Por muito dolorosa que seja, a crise gerada pela experiência de término relacional abre também espaço e possibilidade para que nos possamos reinventar. Este pode ser o momento certo para cuidarmos melhor da nossa trajetória de desenvolvimento, crescimento e amadurecimento pessoais.

Saiba mais em consultório.
Aqui para si.

Com estima,
Carlos Marinho

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