O culto do sexo transformou-se num dogma obrigatório da moral consumista da sociedade industrial. Os/as desinformados/as consomem sexo, Coca-Cola e batatas fritas, e pagam tudo através do mesmíssimo cartão de crédito. O mito do ‘sexo-pelo-prazer-do-sexo’ é vendido e difundido pelas pessoas que sabem que este é um negócio lucrativo. Mas como se pode explicar tamanho êxito dos comerciantes na venda das ilusões sexuais?
Nenhum negócio pode ser bem-sucedido se não atender a alguma necessidade substancial. A resposta está no vazio existencial. Quem não percebe o sentido profundo da sua própria vida pode fugir da angústia que isto provoca através de escapes como o sexo. Não há sociedade que não tenha criado os seus mecanismos de escape à tristeza e severidade da realidade quotidiana. No dizer de Freud, não é possível enfrentar a realidade sem algum tipo de fuga.
Vivemos numa cultura que acredita que é possível viver sem doer – que a vida deve ser uma experiência de contínuo prazer, de conquistas e sucesso. Ela não produz “modos de sofrer”. Por exemplo, no Cristianismo, as pessoas aceitam o sofrimento porque acreditam que Deus tem as suas razões para fazer sofrer, porque enfrentando o sofrimento com resignação serão felizes na vida eterna. A religião normaliza o sofrimento: deixamos de sentir-nos bizarros ou loucos – não deixamos de sofrer, mas o sofrimento tem sentido. A corrente do romantismo, no sentido do entendimento da vida como a nossa separação em relação à natureza e a possibilidade de voltarmos a encontrar uma comunhão com o todo, também dá sentido ao sofrimento. Quando a pessoa romântica sofre, ela pensa o sofrimento como tendo algum valor, algum significado. Na nossa cultura, muito hedonista e individualista, o sofrimento deixa-nos numa solidão absoluta, chegando inclusive a criar vergonha de reconhecer que a vida nos dói – “quem é inteligente ou capaz, não sofre: só os fracos cedem”.
A ética protestante que regia a sociedade capitalista de produção do século XIX vinha assente na regra de renunciar ao prazer, sacrificar-se e produzir muito – isto gera um tipo de sujeito: o sujeito reprimido. Quando o eixo da economia passa da produção para o consumo, o imperativo é completamente diferente: merecemos e temos direito ao prazer, não podemos adiá-lo. Mas a instrução, em si, é vazia de sentido.
O próprio caminho de cura que a terapia oferece é, por isso mesmo, um assunto que desperta menos interesse nas pessoas: se me posso anestesiar, se posso automatizar as minhas respostas, se posso estar menos deprimido/a ou ansioso/a através dos fármacos, por que hei-de embrenhar-me na complexidade da minha subjetividade e falar em terapia?
Cada vez mais, a criança atual é instrumentalizada pelo mercado e pelos pais neste capitalismo pós-globalização para a aquisição de aptidões e competências (na lógica de um “eu ideal”), ficando com pouca vida interior, pouco tempo de ócio e fantasia, que é o que dá riqueza à nossa humanidade. Já os/as adolescentes são talvez, as maiores VÍTIMAS deste imperativo de gozo que repassa toda a cultura. Estas são as figuras eleitas pelo imaginário da publicidade para as quais se dirigem os apelos ao consumo, pois são os que chegam ao limbo entre a infância e a adultícia, e estão mais suscetíveis. A adolescência é uma época de fragilidade, de insegurança, de algum percebido desamparo interior, e não uma de pleno gozo e alegria, tal como a publicidade a apresenta. Na sua solidão, na sua inadequação, na sua dificuldade em dominar os códigos da vida adulta, no seu medo do futuro, na sua fragilidade, a droga torna-se uma resposta fácil ao problema da inadequação a estes ideais.
O vazio psicológico só pode ser preenchido desde dentro, como parte do projeto existencial e do roteiro de vida mais autêntica de cada um/a. E isso implica a entrega ao mais fiável antídoto que existe: a capacidade de ir – de ir ‘amorosamente’ – ao encontro do Outro. Com mais ética, mais gentileza – e mais coerência. Começamos?
Boas reflexões,
Carlos Marinho
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