Confiar é um estado psicológico que se caracteriza pela intenção de aceitar a vulnerabilidade, com base em crenças otimistas a respeito das intenções (ou do comportamento) do Outro. É uma necessidade instintiva. Confiamos a nossa vida, as nossas emoções, a nossa intimidade emocional, o corpo, a alma e tudo o que temos em nós, entregando-o ao Outro com esperança de que este saiba sempre honrar o que de mais íntimo e nobre partilhamos, sendo a confiança central para a entrega genuína, segura e autêntica nos casais.
Neste sentido, é como um terramoto emocional o que acontece quando, por alguma razão, sentimos a confiança, que oferecemos de presente à pessoa mais importante da nossa vida, quebrada, lesada, magoada ou não respeitada. Estes momentos de rutura são percebidos pelo cérebro como feridas profundas, e designam-se por traumas de relação devido ao seu carácter traumático. Trauma é descrito como uma experiência emocionalmente intensa, desagradável e/ou violenta, podendo causar distúrbios psíquicos ou deixar uma marca duradoura na mente do indivíduo: o trauma psicológico.
Por norma, como discutido no post de ontem, o trauma provoca medo e uma sensação de desesperança, modificando a nossa sensação de imprevisibilidade, controlo e, por consequência, a nossa perceção de segurança. Numa relação amorosa, uma ferida traumática envolve uma perceção de violação do sentimento de conexão humano. São inúmeros e variados os eventos que podem conduzir o casal a este labirinto que apenas lhes devolve solidão e distanciamento emocional e que, geralmente, tendem a acontecer em momentos de elevado stresse emocional e quando as necessidades de vínculo face ao parceiro gritam mais alto: uma infidelidade amorosa, uma deslealdade emocional, um movimento de retirada ou abandono num momento crucial e vulnerável na vida do companheiro (ex.: numa situação de doença grave, após o nascimento ou perda de um bebé, a morte de um familiar, a perda de emprego, etc.).
Por outro lado, o/a parceiro/a que lacera estas feridas traumáticas na relação, nem sempre as concretiza de modo totalmente consciente. Naquele momento, também ele/a poderá estar a lidar com elevados níveis de stresse e não saberá como regular as suas emoções, como responder às necessidades de vínculo do/a parceiro/a, como oferecer conforto ou até mesmo uma presença emocional segura.
Mas é muitas vezes nestes momentos que tudo muda. A confiança quebra-se ao experienciar-se, acima de tudo, solidão e abandono emocional por parte de quem mais se confiava. Aquilo que se verifica ser traumático nem sempre é o acontecimento em si, mas as vulnerabilidades emocionais em que toca e ressoa no elemento ferido. Nasce o trauma relacional, e a ameaça e perigo tornam-se reais, conduzindo ao medo da entrega e da confiança.
Muitas vezes, estes momentos são enterrados, silenciados, apagados, nunca conversados, apenas surgindo de forma visível e acentuando o distanciamento emocional. Estes incidentes transformam-se em traumas relacionais não resolvidos que contaminam a relação, impossibilitando o/a parceiro/a magoado/a de arriscar a comprometer-se profundamente, em confiar outra vez, isto tendo em conta a realidade do perigo.
O perdão surge muitas vezes como uma decisão moral de perdoar o Outro e, desta forma, deixar ir o ressentimento e a dor, absolvendo-o e desculpando-o. Aparentemente, surge como sendo a coisa certa a fazer para o casal se reencontrar novamente. Contudo, nem sempre se verifica ser assim tão linear. A decisão de perdoar, de forma isolada, não permite restaurar a confiança novamente no Outro e na relação. Nestes momentos, estes casais necessitam de comunicar entre si de uma maneira que os nutra emocionalmente e que os conduza ao processo de confiar novamente.
A reconstrução da confiança e intimidade emocional na relação amorosa após esta ter sido ferida pode necessitar de tempo. Implica, acima de tudo, um trabalho feito a dois, com a intenção de ultrapassar a aflição emocional sentida. Contudo, o casal necessita compreender e receber as emoções experienciadas, reprocessá-las de uma forma vulnerável, para então existir espaço para a reconstrução da confiança, podendo revelar-se um trabalho muito duro e intenso do ponto de vista emocional.
Importa abrir espaço ao/à parceiro/a ferido/a para comunicar a sua dor. Apenas através da forma como somos vistos/as e escutados/as (através da comunicação), temos a certeza de que a pessoa que está ao nosso lado realmente se importa com a nossa dor. Através da forma como nos partilhamos na comunicação, com honestidade, com empatia e compaixão, sentimo-nos amparados/as na nossa máxima vulnerabilidade. Não se trata de abrir espaço à penalização da crítica ou da culpabilização face ao outro elemento, mas sim construir um espaço onde o casal seja capaz de aceder à essência da ferida relacional que aconteceu, escutando todas as emoções experienciadas no momento. Quando falamos de todas as emoções que possamos sentir, desde o medo à raiva, tristeza, solidão e ao desamparo, podemos abrir igualmente espaço para processá-las em conjunto. Por vezes, poderá implicar voltar a falar do que já foi falado. Significa apenas que ainda não foi totalmente resolvido, que ainda ativa insegurança e medo, que necessita ainda de ser acolhido para ser integrado e resolvido.
Por outro lado, é também necessário permitir-se estar verdadeiramente presente emocionalmente, escutando e reconhecendo a dor que o/a parceiro/a magoado/a não conseguiu deixar ir. Isto não consiste em encher-se de culpa ou vergonha; nem sempre estamos sintonizados com as necessidades das pessoas que mais amamos e, por vezes, ficamos também nós próprios/as reféns do nosso medo, aflição e falhamos. Nem sempre aprendemos a escutar ou a perguntar à pessoa que amamos sobre as suas necessidades emocionais em cada momento, ou de que modo podemos responder perante estas. A nossa imperfeição faz parte da condição humana, mas tente permitir-se comunicar e estar de uma maneira diferente, mais presente e ligado/a emocionalmente às necessidades do/a parceiro/a.
Após a escuta das emoções, o casal pode refazer a sua comunicação de uma forma absolutamente diferente, indo ao ponto exato do que provocou a dor no/a parceiro/a, como o abandono, a solidão, e a deslealdade. Para que a confiança possa ser reconstruída, o sentimento de perigo e ameaça deverá ser respondido com o seu oposto, a segurança emocional, de modo a desativar o sistema de alerta/perigo do mecanismo de sobrevivência.
Outro movimento importante é o de assumirmos a responsabilidade pela ferida e dor provocadas no/a parceiro/a (“não tinha intenção de te magoar ou fazer sentir desta maneira tão profundamente difícil como te sentiste”). Quando assumimos a nossa responsabilidade, damos espaço para ver e reconhecer o que poderíamos ter feito de forma diferente pela relação. Advém de um lugar de maturidade emocional, sendo essencial na construção da segurança da relação e por consequência, da reconstrução da confiança.
O casal deve comunicar as necessidades emocionais que gostaria de ver respondidas pelo parceiro, permitindo a este responder às necessidades e às emoções de uma maneira completamente diferente. Desta forma, o casal consegue reconstruir um novo sentido de conexão emocional entre si (e.g., “Preciso que me apoies/que me toques/fiques comigo neste momento em que estou a sentir-me tão triste/preocupadx/ansiosx”)
Não obstante, pode ser importante referir que as feridas ou traumas relacionais podem ser perdoados, mas nunca desaparecem. Vão sendo integrados pelo casal, na sua história de vida, permitindo-os narrar de forma diferenciada, como momentos difíceis que foram resolvidos e ultrapassados de mãos dadas. Na verdade, às vezes um casamento pode conter muitos casamentos lá dentro, muitas reconexões após distanciamentos e até quase separações. Às vezes, um momento tão difícil como um trauma relacional pode permitir uma reconexão e realinhamento do ‘nós’. Preparado/a? Estamos Aqui para ajudar.
Com estima,
Carlos Marinho
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