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LOBOS MAUS & CAPUCHINHOS VERMELHOS: SNAP OUT OF IT! [COMO SAIR DE UMA RELAÇÃO ABUSIVA?]

1 - CHEGA! (INTRO)

A sua parceria usa insultos verbais?, linguagem agressiva?, faz comentários negativos sobre si?, agride-o/a fisicamente, força-o/a a qualquer tipo de atividade sexual? Fica zangado/a quando não desiste dos seus planos / interesses / atividades para estar com ele/a ou fazer o que ele/a quer? Critica a forma como se veste? Diz-lhe que nunca será capazes de encontrar outra pessoa que queira namorar consigo? Quer saber tudo o que está a fazer, a toda a hora (envia constantemente mensagens ou telefona a querer saber onde está, com quem está, o que faz)? Quer que passe todo o seu tempo com ele/a? Tenta controlar os diferentes aspetos da sua vida (como se veste, com quem fala, o que diz, o seu telefone, o seu e-mail ou redes sociais sem permissão)? Impede-o/a de ver os seus amigos ou de falar com outras pessoas? Dá sempre a volta à situação fazendo parecer que a culpa das ações dele/a é sua? Já lhe levantou a mão numa situação em que estava zangado/a ou ameaçou bater? Pressiona-o/a para levar a vossa relação sexual para outro nível, para o qual não se sete preparado/a?

Se nos conseguirmos lembrar de alguma vez que o/a nosso/a companheiro/a nos tenha tentado controlar, fazer sentir mal connosco próprios/as, isolado do resto do mundo ou nos magoou física ou sexualmente, então essa é uma relação da qual devemos sair, rapidamente.

As relações abusivas podem deixar-nos confusos/as porque os abusos (físicos, verbais, emocionais, sexuais) podem acontecer só de vez em quando. Muitas vezes as relações abusivas passam por fases, alternando entre períodos bons e maus. Noutros casos, o/a abusador/a tão depressa agride a outra pessoa como no minuto seguinte pede desculpas e parece arrependido/a. Porque o/a abusador/a pode também ser extremamente amoroso/a, é muitas vezes difícil sair da relação ou reconhecê-la como abusiva (fica-se sempre à espera que não volte a repetir e que seja sempre amoroso…). Voltaremos a este ponto mais tarde.

Pode parecer tentador inventar desculpas, achar que afinal não é violência ou abuso, confundir a possessividade ou a agressividade com amor, mas mesmo que achemos que a outra pessoa nos ama, não é uma relação saudável. Tendencialmente, o abuso piora ao longo da relação (não melhora!). Ninguém merece ser agredido, menosprezado ou forçado a fazer algo que não quer.

2 - A Cultura da Vitimização: Um Alerta

"Enquanto houver cavalo, São Jorge não anda a pé"
[Ditado popular]

A vítima é frequentemente retratada como a grande protagonista da nossa era atual. Ser uma vítima confere prestígio, exige atenção e promove o reconhecimento. A vítima age como um poderoso gerador de identidade, direitos e autoestima. Além disso, a vítima parece imune a críticas e goza de uma inocência que transcende qualquer dúvida razoável. Como pode alguém culpar ou, melhor dizendo, responsabilizar uma vítima por algo? Findas contas, ela não age: ela sofre. Na figura da vítima, coexistem a ausência e a reivindicação, a fragilidade e a pretensão, o desejo de ter e o desejo de ser. Portanto, somos definidos/as não tanto pelo que fazemos, mas pelo muito que sofremos, pelo que podemos perder e por tudo aquilo de fomos privados/as. Não pretendo, claro, negar a existência de vítimas reais que enfrentam injustiças e crimes, pois é inquestionável que existem, e o seu sofrimento precisa da nossa máxima atenção. O que pretendo nesta introdução é produzir algum insight acerca da transformação do próprio conceito de vítima e da sua crescente relevância no mundo atual: mostrando que a vítima não se limita mais a um papel passivo e momentâneo. Ao invés, tornou-se uma ferramenta central, um conceito poderoso que molda a mentalidade e o comportamento das pessoas. A cultura da vitimização é uma mentalidade que se difunde amplamente, independente de as pessoas terem ou não passado por eventos verdadeiramente traumáticos.

Em vez de ser apenas uma descrição de uma situação específica de sofrimento, a vítima torna-se uma identidade, um ponto de referência no qual muitos se ancoram. A ideia central é que esta transformação vai além da mera identificação com a vítima; ela cria um terreno fértil para a vitimização crónica, onde as pessoas podem adotar essa posição mesmo em situações onde a linha entre vítima e responsável é nebulosa - o que deixo é o alerta para o perigo de uma mentalidade que promove a passividade em detrimento da ação e que, em última instância, pode minar a nossa capacidade de lidar construtivamente com os desafios que enfrentamos.

No cenário contemporâneo, a vítima, muitas vezes, coloca a sua dor no centro do argumento, transformando todos os demais em algozes. Isto cria um ambiente propenso à polarização e à falta de diálogo crítico sobre as próprias posições e as dos outros.

Nesta era da cultura da vitimização, devemos lembrar que a verdadeira força reside na nossa capacidade de enfrentar desafios, transformá-los em oportunidades, tornarmo-nos protagonistas da nossa vida, ao invés de procurar refúgio na identidade de vítima.

Certamente, é fundamental esclarecer que vítimas reais existem e que é de extrema importância protegê-las e garantir que recebam o apoio e a justiça que merecem. O ponto de discussão aqui não nega a existência dessas vítimas genuínas, mas sim sensibilizar pessoas que possam estar a adotar a mentalidade vitimista como uma estratégia para evitar encarar as consequências da suas próprias decisões.

3 - As Relações Abusivas e o Cosplay de Lobo Mau versus Capuchinho Vermelho

Não raro, quando o senso comum embebido na cultura da vitimização se pronuncia sobre 'relações abusivas', o que chega à mesa é uma discussão achatada do sofrimento vivido pela pessoa abusada diante das estratégias de manipulação que o/ abusador/a utiliza, muitas vezes chamado de 'narcisista' (um uso do termo que não é propriamente psicanalítico). Mas o que a cultura da vitimização parece  subvalorizar é a ideia de que para existir uma relação abusiva entre adultos é preciso haver um abusador e uma pessoa que se deixa abusar. Esta discussão rasa leva à tendência para pensar a relação abusiva como uma história em que o abusador, sádico, faz cosplay de Lobo Mau, e o sujeito abusado é um Capuchinho Vermelho, ingénuo e desamparado. 

Esta maneira infantil de encarar uma relação abusiva é apropriada quando nos referidos à dinâmica entre um/a adulto/a como abusador/a e uma criança como abusada: a criança é, efetivamente, um ser frágil e vulnerável, que não tem possibilidade de se defender, sobretudo se o/a abusador/a for um membro da família. Uma criança não tem força, não tem autonomia, nem maturidade, nem liberdade para sair de semelhante situação. Ao contrário de uma criança, um adulto que esteja numa relação abusiva pode, em tese, sair dela: não há nada que a obrigue a permanecer. A pessoa abusada não se deixa abusar porque gosta de sofrer (excluindo casos raros de algum masoquismo inconsciente). A pessoa permanece por dependência emocional.

3.1. - O Reforço Intermitente como Bomba de Sedução

Uma das estratégias de manipulação mais perversas do abusador/a é o reforço intermitente. O reforço intermitente tende a manifestar-se em relações abusivas, nas quais o abuso é sabiamente temperado com manifestações periódicas de afeto em momentos imprevisíveis

O reforço intermitente funciona precisamente porque os ganhos (um abraço ou uma demonstração de remorsos do assediador), ocorrem esporadicamente durante o ciclo de abuso. Isto obriga a vítima a esforçar-se cada vez mais para alimentar a relação tóxica porque quer desesperadamente voltar à fase da “lua de mel” do ciclo de abuso. Assim, o reforço intermitente nas relações causa dependência devido à imprevisibilidade do ciclo de abuso.

Este efeito também funciona a nível bioquímico. Quando os momentos agradáveis são escassos e distantes entre si, fundidos com a crueldade, os circuitos de recompensa associados à relação tóxica fortalecem-se. Quando o prazer é previsível, os circuitos de recompensa habituam-se a ele e o nosso cérebro liberta menos dopamina com o passar do tempo quando estamos num relacionamento constantemente bom. Neste sentido, é possível argumentar-se que em muitos casos a rejeição e o caos de um/a companheiro/a criam uma dependência que é muito mais duradoura do que a previsibilidade do amor estável. 

Esteja atento/a a estes sinais de reforço intermitente por parte de um/a manipulador/a: 1) invade-nos de mensagens e depois desaparece; 2) afasta-se bruscamente após um momento de aparente intimidade; 3) faz-nos sentir bem através da adulação, e depois mostra um forte desprezo; 4) seduz e logo abandona; 5) seduz aproximando-se e depressa impõe uma distância; 6) volta justamente quando nós nos afastamos e estávamos um pouco melhores.

3.2. - Além da Manipulação

Sucede é que a dependência emocional não acontece apenas por causa das estratégias de manipulação do abusador; com efeito, a tese que aqui quero sustentar é que o abusador só consegue abusar de pessoas que se colocam na vida como Capuchinhos Vermelhos.  

Não se trata de culpar a vítima, mas de reconhecer a dura verdade da predisposição inconsciente da pessoa abusada para se deixar abusar e manipular

Nós não "atraímos" - como ímans - pessoas 'erradas'. Simplesmente permitimos que elas ocupem espaço na nossa vida. A questão desvia-se então do: "Por que é que ele/a é assim?" e passa para: "Por que é que eu permito que isto aconteça?". Como lembra o ditado: "Enquanto houver cavalo, São Jorge não anda a pé", outra forma de dizermos que os problemas vão continuar se nos pusermos a jeito para que isso aconteça, e consensualmente escolhermos permanecer nestas relações

Enquanto mantivermos esta versão da relação abusiva, perdemos de vista que existem pessoas que, em função da sua história, por problemas ocorridos geralmente na infância, se colocam na vida como "Capuchinho Vermelho", e aí ficam vulneráveis ao encontro com pessoas que se colocam como "Lobos Maus". Enquanto a pessoa não for capaz de investigar e trabalhar as razões pelas quais se deixa manipular, ela vai continuar a ser manipulada: na verdade, a tendência é sair de uma relação abusiva e passar para outra. Então porque o fazemos? Por que o permitimos?

Evidentemente que não é fácil! Na maioria dos casos, a pessoa abusada não percebe porque se deixa manter naquela posição de oprimida. Nestes casos, ela precisa de ajuda terapêutica: não a partir da posição de objeto, de 'vítima-coitadinha', mas numa posição ativa, de sujeito: precisa de sair da posição de se perceber como objeto de gozo do outro, para entender "qual é a minha responsabilidade no que está a acontecer? De que forma posso estar a obter uma satisfação inconsciente ao manter-me nesta posição de abusada? Que ganhos tenho eu com isso?".

4 - Pecados Antigos Projetam Longas Sombras [Era Uma Vez Um Capuchinho Vermelho / Lobo Mau...]

"Pecados antigos projetam longas sombras"
[Ditado popular]

Viver custa. Implica muitas responsabilidades, muitos riscos, muitos sustos. Somos seres de falta, movidos pelo desejo, movidos pelas forças de um inconsciente, em conflito, divididos, as mais das vezes alheios às dimensões que nos constituem, precisamos de pensar e de simbolizar, precisamos uns dos outros, e de gerir adequadamente essas relações. Viver sem perceber o sentido profundo da própria vida, dificulta ainda mais as coisas. Apetece muitas vezes fugir ou anestesiar essa angústia. Quando foge, a pessoa evita ter de falar, ter de pensar, ter de assumir todos os seus conflitos internos, ter de assumir a sua subjetividade pessoala dor de viver consigo mesma, com as suas dúvidas, com as insuficiências, com as suas necessidades, as suas carências e os seus desejos: e ao fugir, acaba por se esvaziar a ela mesma. Existem muitas formas de fuga e de anestesia da nossa própria subjetividade: consumos de substâncias psicoativas, consumo de álcool, jogo, foco excessivo no trabalho ou outras ocupações, sexo, alimentação compulsiva... e relações com Lobos Maus.  

Tipicamente, as pessoas dependentes colocam-se nestas relações para abrirem mão da responsabilidade de tomar decisões na sua vida: enquanto o outro controlar o rumo das coisas, elas não terão de o fazer. A pessoa não quer crescer, mas precisa de assumi-lo e entrar no processo psicoterapêutico desejando crescer. Enquanto consentir ser abusada, o outro continuará a manter o padrão de opressão e de coerção no relacionamento

Não raro, a pessoa abusada achata-se num discurso de autocomiseração, alimentando a esperança de que o outro mude, de que o outro saia da relação, esperando que a decisão da libertação do cárcere seja do outro - quando a decisão tem de ser dela. Muitas vezes não é preciso fazer-se terapia para consegui-lo; muitas vezes a pessoa consegue conscientemente perceber e assumir que não quer crescer nem desenvolver-se, que não quer assumir as suas responsabilidades, e consegue sair. Mas na cultura de vitimização torna-se complicado quando ninguém estimula a pessoa a sair da relação. 

Mantermo-nos na posição de vítima e percebermo-nos exclusivamente como objeto do gozo do outro, impede-nos de reconhecer os recursos, as forças e os potenciais que temos para sair da relação - porque um objeto é impotente, só um sujeito age. E somos sujeitos, não objetos ou 'coitadinhos'. Para sair , é vital abandonarmos esta posição adoentadora que é a vitimização, assumir a responsabilidade por nos deixarmos abusar e compreendermos os motivos pelos quais nos submetemos à opressãoPorque entramos nestas padrões tóxicos?

Em geral, escolhemos companheiros/as que recriam as dinâmicas inconscientes que aprendemos sobre o amor e a intimidade, sobretudo na nossa infância, nas quais a nossa 'criança interior' foi profundamente magoada (por exemplo, o impacto de um pai ausente, de uma mãe tóxica, de uma linguagem agressiva, de gritos ou uma criação sem segurança e afeto). São as nossas figuras cuidadoras (tipicamente os pais) que mais profundamente marcam uma certa pauta de atuação baseada tanto na forma como nos tratavam a nós, e também como se tratavam entre eles/as. E agora, em idade adulta, o que fazemos é - inconscientemente - procurar formas de se curarem as feridas e traumas, de se preencherem os vazios, de se libertarem os bloqueios

Sentimo-nos atraídos/as por pessoas que ressoam com a informação que arquivamos no nosso inconsciente, uma vez que elas nos ajudarāo - para o bem e para o mal - a recriar as dinâmicas que nos são familiares, e também a confirmar as nossas crenças sobre o que esperar e merecer de uma relação amorosa. Isto acontece porque para o nosso cérebro e sistema nervoso, o 'familiar/conhecido' é assumido como o "correto" - ainda que seja disfuncional ou doentio. A mesma atração acontece também a nível sexual. 


Ao iniciar a relação, a pessoa deposita no outro a expectativa e a esperança de ser curada das próprias feridas e frustrações da primeira infância e, assim, libertada dos temores e culpas que provêm das relações anteriores. Assim, entende-se que as pessoas que 'acomodamos' na nossa vida refletem de alguma forma aquilo que nos falta dentro. Pessoas que trarão à nossa superfície facetas que talvez precisem de ser curadas. Atraímos desde fora o que precisamos desde dentro. 

Não, isso não significa que os jogos emocionais da sua parceria estejam também em si: os atraídos muitas vezes vibram no polo oposto da mesma questão. Pessoas controladoras são atraídas por pessoas submissas e dependentes, já que partilham a mesma teia emocional disfuncional. Se me permito relacionar com pessoas que não me valorizam ou que me criticam, muito provavelmente terei questões de autoestima a resolver dentro de mim. É a mesma questão em polaridades opostas: o controlador atrai o dependente. O agressivo atrai o submisso. O desconfiado atrai o mentiroso. O egoísta atrai o orgulhoso. A vítima atrai o culpado. Esse "match" acontece porque, na maioria das vezes, é a nossa parte ferida que escolhe o seu ‘amor’.

Relacionamo-nos com pessoas que revelarão o programa inconsciente necessário à nossa cura. Se nos permitimos relações desequilibradas, algo não está bem dentro de nós: então, para mudar a qualidade de pessoas que aceitamos, é necessário curarmos em nós os aspetos que ainda vibrem negativamente. Não lhe cabe a si curar pessoas tóxicas: mas sim, curar as partes suas que têm ressonância com a toxicidade delas. Por isso mesmo importa recordar...

Não é verdade que ele/a sofra por sua causa. Ele/a sofre porque estava já infeliz antes de o/a conhecer.

Não é verdade que ele/a se ′"deprima" porque lhe falta o seu amor. Ele/a estava já "deprimido/a" antes de o/a encontrar.

Não é verdade que ele/a ficou com inveja porque você é muito sociável. Ele/a era já ciumento porque ninguém o/a ensinou a valorizar-se.

Não é verdade que ele/a se sinta abandonado/a porque não o/a consegue controlar. Ele/a já se sentia sozinho/a antes de entrar na sua vida.

Não é verdade que ele/a se tornou dependente porque "o/a ama demasiado". Ele/a já era dependente e inseguro/a antes de o/a querer.

Não é verdade que ele/a precise dos seus beijos para sentir-se seguro/a. Ele/a já era inseguro/a antes de se cruzar no seu caminho.

Não é verdade que ele/a queira estar sempre ao seu lado para "o/a proteger". Ele/a era já uma pessoa possessivo/a antes de se declarar.

Não é verdade que ele/a não possa viver sem você e queira morrer. Ele/a já era uma pessoa doente antes de entrar na sua vida.

Comece por si. Fique consigo.

O que os/as clientes subjetivamente esvaziados/as de si mesmos/as costumam aprender na terapia é que o seu bem-estar não se pode alimentar do apego que desenvolvem junto destas relações tóxicas. Mas do desenvolvimento de um sentido de motivação interna
Este é o principal objetivo de qualquer processo: a (re)conexão da pessoa com ela própria

Este trabalho de cura interior passa então por validarmos o nosso passado, procurando as peças em falta para concretizar, no presente, uma transformação autêntica, para cuidarmos bem de nós mesmos/as.
Isto implica muitas vezes questionar: quem era a pessoa antes de ser "Capuchinho"? De que feridas internas foge? E perceber: que recursos (internos e externos) tenho para curar essas feridas, e como ativá-los?

Se quer identificar e compreender melhor as suas crenças sobre o amor, pense nas relações que já teve e na relação em que está agora: as suas crenças condicionam as suas decisões e comportamentos.   

EXEMPLO 1: Se escolhemos companheiros/as que são inconstantes ou irresponsáveis connosco ou com a relação, é provável que a nossa 'criança interior' se tenha sentido defraudada e que uma parte nossa acredite que o amor é inconstante e não se pode confiar nas outras pessoas. É possível que se tenha vivido alguma instabilidade e falta de compromisso por parte das figuras cuidadoras na infância. 

EXEMPLO 2: Se escolhemos companheiros/as que não nos priorizam ou à relação, é provável que a nossa 'criança interior' tenha uma crença de desmerecimento, sentindo-se como um fardo, sem importância, sendo possível que durante a infância não nos tenhamos sentido vistos/as como prioridade para os pais

EXEMPLO 3: Se escolhemos companheiros/as que não estão disponíveis, e provável que a nossa 'criança interior' ferida tenha crescido acreditando que o amor e a atenção são difíceis de obter, sendo necessário um trabalho esforçado para recebê-lo e que devemos exigi-lo ou pedi-lo caso contrário, não o obteremos. 

Para podermos curar os padrões repetidos nas nossas relações, é necessário sarar as feridas da nossa 'criança interior' e reconhecer as suas carências, já que é ela que está à procura, nas relações, de uma forma de reparar os danos ou compensar o que não se recebeu durante a infância.

Isto exige de nos um novo nível de consciência, já que teremos de focar-nos em mudarmos e curarmos nos próprios/as, ao invés de esperar que o/a nosso/a companheiro/a mude.

5 - CHEGA! (OUTRO)

A maioria destas relações termina mal. Portanto, embora seja (muito) difícil, é melhor reconhecer o problema para acabar com ele o mais rapidamente possível.

1. Coloque um ponto final definitivo: Tome a decisão de terminar e seja firme. Pense em si e no seu bem-estar;

2. Mantenha distância: Não adianta estar próximo/a quando a intenção é acabar com uma relação complicada;

3. Não dê brechas para recaídas: Ceder a um reencontro pode fazer com que volte a ficar inseguro/a do que quer além de invalidar todo o resultado obtido, mesmo que seja pouco. É muito comum que parceiros/as que foram deixados prometam um novo comportamento se forem aceites de volta, o que na maior parte dos casos, não chega a ocorrer e pode deixá-lo/a confuso/a;

4. Peça ajuda aos amigos: Para passar por este momento confuso e doloroso, é importante podermos contar com pessoas em quem confiemos. Peça ajuda aos seus amigos e familiares, explique a situação e conte com o apoio deles para resistir. A visão de pessoas externas ao relacionamento, mas que conheçam a história, pode ser relevante para a sua decisão e até mostrar-lhe ângulos de que não tinha consciência;

5. Procure ajuda psicológica especializada: Se algo disto ressoar em si então talvez esteja pronto/a para começar a sarar as feridas interiores, ainda que para isso seja imprescindível abraçar o incómodo de sair da zona de conforto e procurar ativar os recursos certos para re-conectar com a sua liberdade emocional. Estamos Aqui para si.

Nota para os Capuchinhos Vermelhos: Lidar com o comportamento tóxico de alguém pode ser verdadeiramente exaustivo. Resista à tentação de entrar no discurso de reclamações da pessoa tóxica e de se defender das suas acusações. Preste atenção a como se fica a sentir: só isto pode já ajudá-lo/a a entender melhor as interações que trava com essa pessoa. Não se isole, não normalize a situação, não se deixe prender: tome a decisão de terminar ou de procurar ajuda externa, e não se culpe. Defina limites, decidindo o que vai ou não tolerar; comunique esses limites com clareza e cumpra-os. Mude sua rotina: embora possa não parecer justo ser você quem tem de mudar, muitas vezes, vale a pena para o seu próprio bem-estar. Mudar de rotina pode ajudá-lo/a a evitar ser arrastado/a para conversas stressantes. Mantenha as interações superficiais com a outra pessoa. Seja claro/a sobre como se sente e explique que não está disposto/a a envolver-se.

Nota para os Lobos Maus: Pessoas tóxicas são aquelas que têm uma mentalidade negativa e comportamentos prejudiciais, tanto para si mesmas, como para as que estão ao seu redor. Têm a capacidade de manipular os outros, limitar as suas ações e o seu desenvolvimento pessoal, além de causarem, continuamente, emoções negativas. Pessoas com estas características tendem também a criar complexidades desnecessárias e a dramatizarem situações para sobressaírem. Se você próprio/a se reconhecer como tóxico/a, faça-o de forma genuína e não por manipulação ou mesmo por conveniência. A autoajuda precisa, primeiramente, de estar baseada não na vantagem, mas na capacidade de reconhecer as próprias fraquezas e inseguranças. Faça uma auto-observação dos comportamentos e reações, e peça feedback de pessoas de diferentes grupos para saber se isso é geral ou apenas aplicado a pessoas específicas. A terapia é importante para ter maior consciência sobre o próprio comportamento — o que o/a leva a ser assim? Que habilidades será necessário desenvolver para um melhor relacionamento com os outros? 

Saiba mais em consultório.
Aqui para si.

Com estima,
Carlos Marinho

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