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Mensagens

A mostrar mensagens de dezembro, 2023

ARQUIVO QUEER BRAGA: UM APELO À CONTRIBUIÇÃO DE TODOS/AS

O contributo de cidadãos/ãs mais velhos – e não só – é essencial para o resgate das memórias . Assim, apela-se à participação de todos/as os/as que queiram contribuir com informações sobre os seus próprios percursos LGBTQIAP+ , em Braga distrital, bem como obras de arte, ensaios, entrevistas, reportagens, contos, artigos de revista e jornal, que tenham sido publicados sobre a temática (preferencialmente com a indicação da fonte e data da publicação).  A todo o momento, se assim o desejarem, é garantida a proteção da sua identidade , e negociada a confidencialidade no tratamento da informação pessoal.  Participa do Arquivo! Contacta-nos agora: E-mail/Skype: consultorio.carlosmarinho@gmail.com Tlm./WhatsApp: (+351) 963 008 056 Facebook: www.facebook.com/CresSendo.On Instagram: @arquivo_queer_braga | @carlos_marinho.psi Com estima, Carlos Marinho

"A CULPA É DOS MEUS PAIS": ENTRE A FALTA, A VITIMIZAÇÃO E A RESPONSABILIDADE

Mesmo com trinta, quarenta e cinquenta anos, tendo já recursos para uma possível total autonomia, muitas das pessoas que passam por traumas e/ou carências afetivas na infância, parecem fixar-se obcessivamente numa posição infantil de dependência das figuras cuidadoras - tipicamente os pais -, culpando-as pelo que não souberam ou conseguiram fazer : " A culpa é dos meus pais: porque faltou amor, porque faltou atenção, porque faltou carinho, porque faltou validação, porque faltou assertividade; essas faltas traumatizaram-me, e por causa disso nunca vou conseguir ser uma pessoa completa e feliz ". Tipicamente, segue-se uma expressão de profundo ressentimento contra eles: " Tenho uma raiva enorme do meu pai, tenho uma raiva enorme da minha mãe ".  Sair da postura infantil acarreta arcarmos com a responsabilidade de cuidarmos de nós próprios/as, o que tende a ser uma experiência muito solitária e, portanto, difícil. Ajuda compreender, no entanto, é que é possível, sim, ...

AMOR EM TEMPOS DE APPS DE (DES)ENCONTROS

Não há dúvidas: o medo de sofrer por amor tem vindo a estruturar muitos e variados perfis de funcionamento defensivo. Findas contas, não é fácil lidar com o sofrimento (e/ou a fantasia do sofrimento) que esse investimento provoca.  Por um lado, conhecer alguém novo é adentrar território desconhecido (seja o nosso próprio território subjetivo, seja o território subjetivo do Outro), e todos/as sentimos medo do que não conhecemos. Por outro lado, a intimidade amorosa é uma experiência que não admite a falta de sinceridade de nós para conosco próprios/as – isto é, no encontro com o nosso território subjetivo pessoal – e, ato contínuo, de nós para com o Outro. Muitas vezes tentamos escapar à nossa própria subjetividade porque nela se ocultam – de forma mais ou menos conscientes – certos conteúdos emocionais (como ‘feridas mal-curadas’ do passado) que não sabemos ou não conseguimos acolher com compreensão e com autoaceitação; conteúdos que se fazem tão intoleráveis à nossa consciência, p...

ESTADO CIVIL: SOLTEIRO/A - ENCONTROS E DESENCONTROS

Em pleno século XXI, vivemos numa sociedade e num mundo em que as pessoas sem namorado/a tem um qualquer problema ou “avaria”, que todos tentam resolver e concertar. De modo geral, a sociedade tende não só a exercer pressão sobre os/as solteiros/as como, caso prolonguem este estado civil no tempo, a considerar estas pessoas como imaturas emocionalmente, pouco flexíveis e muito independentes.  A pressão psicológica e emocional a que se autoinduzem, no sentido de encontrarem um namorado/a, fá-las muitas vezes acreditar que se não estão num relacionamento, estarão então fadadas à solidão e à infelicidade; e tão intensa pode ser a pressão, que algumas delas fazerem uma série de disparates, como namorar com quem não gostam, nem delas gosta, ou mesmo casar, só para não ouvir os comentários dos pais e/ou dos amigos já casados e com filhos. Meses ou anos mais tarde divorciam-se. Mesmo quando a opção de vida passa por ficar só, este pode manter elevados níveis de bem-estar, tal como pessoas...

ACEITAÇÃO DA DIFERENÇA DO OUTRO: NOTAS PARA UM MANUAL DO AMOR

“ Estou-te esperando, em devaneio, no nosso quarto com duas portas, e sonho-te vindo e no meu sonho entras até mim pela porta da direita; se, quando entras, entras pela porta da esquerda, há já uma diferença entre ti e o meu sonho. Toda a tragédia humana está neste pequeno exemplo de como aqueles com quem pensamos nunca são aqueles em quem pensamos ” [Bernardo Soares in ‘O Livro do Desassossego’] Um dia, num ‘Manual de Amor’ ainda por escrever, encontrar-se-á – estou certo – uma breve passagem sobre como a diferença do Outro nos incomoda quando destoa da idealização que dele/a fazemos. A admissão de não se coadunar com os nossos desejos ou necessidades, fá-lo/a imperfeito (às vezes, ameaçador) aos olhos do nosso umbiguismo. Frequentemente, quando o Outro não age segundo o nosso interesse, tendemos a levar as suas ações ‘para o lado pessoal’, e atribuímos-lhe a intenção danosa de nos atingir/magoar – quando o Outro não faz mais do que agir como sabe, e consegue agir. (Por vezes, a fanta...

"SEXO É DO BOM" e "AMOR É DO BEM"?

" Sexo é do bom / Amor é do bem / Amor sem sexo / É amizade / Sexo sem amor / É vontade ” [Rita Lee] A maioria dos ordenamentos políticos e jurídicos dos países que compõem o Ocidente tende a proteger o amor romântico e o ideal monogâmico das relações sócio-afetivas, e a restringir a promiscuidade e as relações não-monogâmicas consensuais como dinâmicas moralmente decadentes. Fará sentido validarmos semelhante cisão? Que pensar da diferenciação de valores associados a cada uma destas dimensões? E que impacto terá esta influência na maneira como organizamos o nosso psiquismo individual e relacional? Quero hoje demorar-me convosco a refletir sobre um pouco sobre o tema.  Muito amiúde, constato em consultório que as pessoas que se apresentam como monogâmicas raramente compreendem, concebem ou problematizam conscientemente as suas relações como tal. Isto acontece for efeito da ‘mononorma’, a norma social pela qual a monogamia é percebida como forma culturalmente correta de organizarmo...

A JUVENTUDE COMO "EFEITO CINDERELA": APONTAMENTOS PARA UMA VELHICE SAUDÁVEL

Digam-me que não sou o único a reparar que o padrão de beleza atual é o de um corpo impossível de existir naturalmente. Estaremos como adictos/as, viciados/as na ilusão de paralisar a chegada da velhice? Por muito aversiva que seja a experiência, adiantará lembrar que é um braço-de-ferro inglório?, que não podemos nunca ganhá-lo? É que independentemente da estrada que sigamos, o sofrimento psíquico há-de sempre esperar-nos ao fim: quer continuemos a negar a nossa transitoriedade humana, quer renunciemos às tentações narcísicas que nos empurram para a idealização. Se esta idealização é um contrassenso que debilita o humano em nós, quanto mais diluirmos nas veias a cocaína dos seus imperativos, mais desencontrados/as nos faremos da nossa própria autenticidade, mais nos expropriaremos da nossa identidade – nestes moldes, sem a necessária coincidência entre o que somos e o que desejamos ser, não poderemos nunca sentir a paz que baseia a felicidade genuína.  Hoje, vive-se o corpo como u...

FACAS AO CORAÇÃO: REFLEXÕES SOBRE COMO RECONSTRUIR A CONFIANÇA NO CASAL

Velha anedota: como é que dois porcos-espinhos acasalam? Resposta: com muito cuidado. Confiar é um estado psicológico que se caracteriza pela intenção de aceitar a vulnerabilidade, com base em crenças otimistas a respeito das intenções (ou do comportamento) do Outro. É uma necessidade instintiva. Confiamos a nossa vida, as nossas emoções, a nossa intimidade emocional, o corpo, a alma e tudo o que temos em nós, entregando-o ao Outro com esperança de que este saiba sempre honrar o que de mais íntimo e nobre partilhamos, sendo a confiança central para a entrega genuína, segura e autêntica nos casais.  Neste sentido, é como um terramoto emocional o que acontece quando, por alguma razão, sentimos a confiança, que oferecemos de presente à pessoa mais importante da nossa vida, quebrada, lesada, magoada ou não respeitada. Estes momentos de rutura são percebidos pelo cérebro como feridas profundas, e designam-se por traumas de relação devido ao seu carácter traumático. Trauma é descrito com...

AINDA À PROCURA DO PRÍNCIPE ENCANTADO?

A mulher sonha com o príncipe encantado enquanto o homem se considera, acima de tudo, um herói – este é um grande mal-entendido que encontra a sua origem nas primeiras representações da infância, e que atualiza os mecanismos inconscientes que entram em ação no curso da vida amorosa. Muitas são as mulheres que, ao longo da minha prática clínica, reclamam da percebida falta de ternura dos homens. “ Quero que ele seja mais atencioso e mais disponível ”, “ Já não me dá mimos, como dantes ”. Por seu turno, os homens procuram o reconhecimento da sua força, e sentem que esse papel lhes é negado. Aqui começa o mal-entendido. Enquanto, desde a infância, as meninas imaginam ‘o escolhido’ como um terno salvador (“o príncipe encantado”), os meninos identificam-se com personagens corajosos que enfrentam obstáculos para conquistar a sua amada (“o herói”).  Sonhar acordado é algo familiar para as mulheres: seja nas brincadeiras infantis ou na vida real, a antecipação é para o feminino o que o pre...

TESÃO, CAPITALISMO E VAZIO EXISTENCIAL

“ O puritano contemporâneo afirma ser imoral não manifestar a libido. (…) Os vitorianos procuravam amor sem sexo; o homem contemporâneo procura sexo sem amor. A tão alardeada liberdade sexual tornou-se uma nova forma de puritanismo ” [Rollo May] O culto do sexo transformou-se num dogma obrigatório da moral consumista da sociedade industrial. Os/as desinformados/as consomem sexo, Coca-Cola e batatas fritas, e pagam tudo através do mesmíssimo cartão de crédito. O mito do ‘sexo-pelo-prazer-do-sexo’ é vendido e difundido pelas pessoas que sabem que este é um negócio lucrativo. Mas como se pode explicar tamanho êxito dos comerciantes na venda das ilusões sexuais?  Nenhum negócio pode ser bem-sucedido se não atender a alguma necessidade substancial. A resposta está no vazio existencial. Quem não percebe o sentido profundo da sua própria vida pode fugir da angústia que isto provoca através de escapes como o sexo. Não há sociedade que não tenha criado os seus mecanismos de escape à tristez...

O AMOR EM TEMPOS DE CONSUMISMO

É para ter e mostrar? É para fazer parte de algo maior? É para ser feliz? Afinal: por que é que consumimos? A verdade é que mais do que um objeto, os ‘bens de consumo’ trazem a reboque uma certa carga simbólica e toda uma série de complexas mensagens. É que o consumo não é só um processo comercial de compra e venda – antes, é uma ação ativa de relação com os objetos, com o grupo e com o mundo, tornando-se uma atividade de manipulação sistemática de significados, o que orienta (pronto, vou dizer: o que manipula) as probabilidades de escolha e de conduta individuais e, consequentemente societais.  O consumidor da sociedade de consumo (a que vivemos hoje) é completamente diferente dos consumidores das sociedades anteriores. O dilema mais contemporâneo é agora este: "será que é necessário consumir para viver ou estará o homem a viver para poder consumir?". Será que ainda somos capazes, e sentimos a necessidade, de distinguir aquele que vive daquele que consome? Diferentemente de ...

"O SEXO É O CONSOLO QUE A GENTE TEM QUANDO O AMOR NÃO NOS ALCANÇA"

“ O sexo é o consolo que a gente tem quando o amor não nos alcança ” (Gabriel García Márquez in ‘Memórias das Minhas Putas Tristes’) Apostando na nossa infindável capacidade de fantasiar, contando com os excessos do desejo, a sociedade pós-moderna encoraja-nos a querer mais do que já temos e a sonhar em vir a ser mais do que somos. Propõe-nos um sistema económico fundado na contínua renovação dos apetites, e um sistema social alimentado pela ânsia de encaixar na cuba de diferentes idealizações irrazoáveis que fazem qualquer um/a viver acima das suas possibilidades. Por isso mesmo, a nossa cultura não sabe inventar uma ética ou mesmo uma etiqueta do desejo enaltecido. Somos constantemente ameaçados/as pela liberdade de fantasiar e desejar o que nos é indispensável e que nos define.  A autodeterminação beira a falta de lei, o individualismo beira o solipsismo. E a masturbação é uma metáfora deste paradoxo. Nela, o desejo e a fantasia triunfam, mas dispensam o encontro com o Outro – s...