A revalorização da mulher como ser individual e sexual: Um manifesto pró-feminista de inspiração junguiana
1. Contra o Patriarcado, por uma cultura Anima-friendly:
Embora as revoluções burguesas europeias tenham conseguido, no século XIX, instituir a igualdade formal dos homens no nível das leis e da política, semelhante direito não foi estendido às mulheres. É justamente nesta altura que se registam os primeiros movimentos organizados por mulheres, reclamando a democratização dos direitos conquistados pela Revolução Francesa.
Só durante as primeiras décadas do século XX, na sequência de três gerações de lutas do Movimento Sufragista, em Inglaterra e França é que o direito ao voto feminino se concretizou. Aquando da consolidação do capitalismo industrial, os sindicatos femininos começam o protesto contra a desvalorização da mão-de-obra feminina, que recebia metade da remuneração do equivalente masculino.
Nos anos 1960 levanta-se uma segunda onda feminista questionando a naturalização dos papéis sociais de género, e sustentando que o masculino e o feminino são criações culturais e não fatalidades biológicas inerentes ao sexo. A partir desta constatação as frente de luta não param de se multiplicar; certos grupos dentro do feminismo, por instantes, organizam-se a partir das suas experiências específicas, como é o caso das mulheres negras, das mulheres trans e das lésbicas.
No número das suas principais bandeiras contam-se o fim da violência doméstica e da cultura do estupro, a descriminalização do aborto, a liberdade sexual, o fim da desigualdade salarial e o reconhecimento do trabalho doméstico como um trabalho não pago.
O século XX foi considerado o século da emancipação da mulher; contudo, segundo Teresa Joaquim, (1997), "constata-se que as responsabilidades domésticas ainda continuam a ser da responsabilidade da mulher, assim como a responsabilidade na educação e acompanhamento familiar de crianças e idosos. A sobrecarga de funções atribuídas de forma genderizada implica a ausência de tempo para as mulheres poderem investir na profissão, formação e satisfação pessoal, levando a que ocupem cargos, funções e responsabilidades menos reconhecidas socialmente…”.
Para Kate Millett, autora do Sexual Politics (1969), a família assume-se como o contexto onde o patriarcado – entendível como modo de opressão e dominação em que o poder masculino é exercido sobre as mulheres – exerce a sua força maior, através da atribuição de género. Recuperando o tópico da vivência não-existencial decorrente do esvaziamento simbólico do ser, e aplicando-o ao caso específico das mulheres, tenho percebido em contexto clínico uma relação particular entre a dificuldade de afirmação pessoal e toda uma série de expectativas – sobre o que é ser e como se devem comportar as mulheres –, assentes no discurso masculinista que permeia as instituições da nossa sociedade predominantemente patriarcal.
Conforme João Neto, “da mesma forma que as individualidades caminham para a integração dos conteúdos divergentes, também a humanidade, como somatório das individualidades que a compõem, caminha para a superação da sua tendência Animus e o crescimento do seu Anima. A cultura machista vai cedendo espaço à presença da mulher, que tanto cresce na absorção do que lhe falta de Animus, como influencia o todo com o que tem de Anima”.
É na busca da superação de uma sociedade patriarcal machista que os feminismos surgem como movimento, objetivando quebrar com toda e qualquer ideia contrária à emancipação feminina e libertá-la dos diferentes grilhões que a condicionam. Segundo a Plataforma Portuguesa para os Diretos das Mulheres, “Os feminismos são movimentos de inquietações, indignações, reflexões, partilhas de saberes e de seres, que lutam pela promoção dos direitos humanos das mulheres e pela igualdade nas mais diversas esferas das vidas. São diversos mas assentam numa matriz tridimensional comum – na reflexão sobre o sistema social que condiciona o livre movimento das mulheres nas várias esferas da vida; em tornar visíveis os factos ocorridos para que não se duvide que as experiências de vida desiguais das mulheres face aos homens, ainda que vividas no individual, são experiências coletivas; e na atuação sobre essas desigualdades, propondo medidas que promovam o empoderamento e a pró-ação das mulheres em prol da igualdade de oportunidades, de tratamento e de resultados”.
Em todas as suas diversas representações, o objetivo comum é o empoderamento da mulher e o fim do machismo como um todo, desde as esferas políticas até os meios de comunicação. Embora alguns grilhões possam ser visíveis, outros não se fazem tão notórios – muitos destes poderão estar concentrados nas noções arquetípicas.
Enquanto “[o] casamento, a família, a posição hierárquica, a divisão laboral, o estatuto económico, a culpa associada à sexualidade, a religião… remetem a mulher para uma posição de submissão, de procura de aprovação e de culpabilidade”, a internalização das projeções decorrentes de certos Arquétipos concentrados na ideologia patriarcal potenciam angústias emocionais, fazendo com que muitas mulheres se sintam culpadas psicologicamente pelo desejo de emancipação.
Millett recorda como certas crenças religiosas e obras de literatura mitológica refletem as convicções patriarcais sobre a mulher enquanto “a outra”, criada pelo homem para atender às suas necessidades – é o caso da história de «Adão e Eva» e d’«A Caixa de Pandora». Espera-se, com efeito, que a mulher seja obediente, e que concentre em si características como a castidade, a pureza e a perfeição (mulher-Santa).
Nesta sequência, “os sentimentos associados à sexualidade feminina são habitualmente impuros e pecaminosos” (Cecília da Costa); e se a mulher reclama o seu próprio direito ao desejo sexual é acusada de depravação, de vulgaridade e desprezada (mulher-Puta).
2. O Pensamento Simbólico como Instrumento Feminista na Revalorização da Mulher Sexual:
Durante séculos, a atividade sexual foi impositivamente apresentada às mulheres como mera forma de reprodução, e o prazer sexual reprimido como condenatório. Falar de orgasmos era – ainda o é para muitas – tabu na conversação convencional, e o recato protegia a falta de opinião.
“A forte repressão sexual à qual as mulheres sempre foram submetidas, o sentimento de culpa, o nojo aos nossos corpos e nossos fluídos, o prazer que nos é negado, reflete de forma negativa na vida das mulheres, que desde à tenra idade de socialização, são proibidas de conhecer os próprios corpos. Masturbação é pecado. Sexo é pecado. A vagina é um órgão desconhecido, sujo, fedorento. Não toque, não sinta prazer” (Andressa Stefano).
Para Botton (2013), a atividade sexual ainda hoje é espartilhada por todo um conjunto de expectativas sociais, frequentemente sancionadoras, acerca de como as mulheres devem sentir, pensar e agir diante dela. Daí, voltando às ideias de Millett, o motivo pelo qual muitas são atormentadas pela culpa, por neuroses, fobias e desejos disruptivos, indiferença e até aversão ao sexo.
Por outro lado, muito em parte devido à herança do pensamento cartesiano, séculos de divisão entre espírito e matéria foram-nos distanciando da compreensão e da experiência da matéria como a algo sagrado.
Do ponto de vista analítico, enquanto permanecemos inconscientes da divindade inerente à matéria, a sexualidade é manipulada para preencher desejos do Ego. Nenhum outro Arquétipo se presta a mostrar de forma tão explícita a proposta de integração entre o sagrado e o profano feminino como o da ‘Prostituta Sagrada’. Esta imagem poderá aproximar a mulher de uma relação mais adequada com o seu próprio corpo já que: “
A mulher que tem consciência da deusa, cuida de seu corpo com alimentação e exercícios adequados, e aprecia os rituais como banhar-se, vestir-se e aplicar cosméticos. Não se trata de propósito superficial, de apelo pessoal, relacionado à gratificação do ego, mas sim de respeito por sua natureza feminina. Sua beleza deriva de ligação vital com o Si-mesmo. Tal mulher é virginal. Isso não tem nada a ver com estado físico, mas com atitude interior. Ela não é dependente das reações dos outros para definir seu próprio ser. A mulher virginal não é apenas o reverso do homem, seja ele pai, amante ou esposo. Ela mantém-se em pé de igualdade em relação aos seus direitos. Não é governada por ideia abstrata do que ela “deveria” ser ou “do que as pessoas vão pensar”.
Na medida em que agrega em si os lados sagrado e profano da mulher, esta imagem possibilita uma ampliação da limitada e excludente mentalidade ocidental.
Considerando ao binómio Lilith-Eva importa talvez recuperar a determinação de Lilith, a primeira mulher de Adão, expulsa do paraíso porque no primeiro ato sexual exigiu o direito ao prazer sexual e se recusou a ser passiva durante as relações sexuais, de forma a passar da repressão à incorporação da vida sexual como um dos aspectos essenciais da vida da mulher.
Embora a mulher moderna fale cada vez mais tranquilamente sobre desejo, sobre excitação e orgasmo, partindo à procura deles de forma mais criativa, é ainda importante recordar a relevância da educação afetivo-sexual para a erradicação de tabus, e a promoção de uma melhoria ao nível da saúde e da qualidade de vida.
“O culto dos sentidos tem sido frequentemente, e muito justamente, condenado, dado que os homens sentem um natural instinto de terror em relação às paixões e às sensações que parecem ser mais fortes do que eles, e de que têm a consciência de partilhar com formas de vida inferiores. Mas era evidente […] que a verdadeira natureza dos sentidos nunca fora compreendida, e que permaneceram indomáveis e animalescos unicamente porque o mundo procurava submete-los pela abstinência ou matá-los pela flagelação, em vez de procurar transformá-los em elementos de uma nova espiritualidade, em que um elevado instinto de beleza seria a característica dominante” (Oscar Wilde).
3. Mulheres: Putas Comíveis ou Santas Invisíveis? O duplo-padrão da sociedade masculinista: A educação feminina mostra como a trajetória da mulher-Santa começa a encarrilhar-se desde cedo; “brinquedos para meninas” e brincadeiras maternoformes como ‘arrumar a casa’, ‘passar a roupa’, ‘fazer a comidinha’ ou ‘cuidar das bonecas-filhas’, sublinham o reconhecimento do que o futuro compassará: a transformação da ‘boa menina’ na ‘boa esposa, boa mãe e eficiente dona do lar’.
Na mesma sequência, o molde da mulher-Santa impõe-lhe certos constrangimentos morais que a ensinam a comportar-se discreta e obedientemente, a usar roupas adequadas, e a manter-se virgem até ao casamento. No dia em que deixa de ser submissa ao pai, como caricaturiza Andressa Stefano: “[a] mulher serve ao seu marido e cumpre o seu papel social de encubadora e cuidadora”.
Se desviada da rota prevista para a formatação desta idealização patriarcal, entregue à libertação do desejo sexual e da procura de prazer, muito facilmente a mulher recai no molde da mulher-Puta. Tomando este rótulo, é desprezada como faltosa em reputação para ser esposa e mãe, e coisificada como objeto sexual descartável, selecionada para o divertimento rápido e banalizado do homem.
Muito embora se fale em “libertação sexual” com o advento e a popularização dos métodos anticonceptivos, e seja “realmente sedutora a ideia de que [nós, mulheres] podemos ser “livres” e mergulhar em um mar de orgasmo, ressignificar termos misóginos (como vadia, puta, biscate, vagabunda) e apropriá-los para si como uma forma de subversão” (Andressa Stefano), essa liberdade parece ambígua no contexto da persistente opressão masculina e “danosa para a saúde física e emocional de mulheres, principalmente as jovens, que já estão sob pressão social para “liberar o corpinho”, mas que mal sabem como se usa uma camisinha, que não tem acesso à educação sexual e muito menos o feminismo (…) Nada mais conveniente para os homens que mulheres estejam sempre disponíveis, mulheres sem pudores, que adoram sexo, não tem nojo de pênis, que façam menáges, que trepam compulsoriamente. Nada mais conveniente um feminismo que “libere” mulheres ao desejo masculino. Essa suposta carta de alforria mascara uma face do patriarcado, onde os corpos das mulheres ainda são propriedade masculina. Onde o nosso “sim” vai ser sempre consentido, mas onde o nosso “não”, ainda é deslegitimado”.
É justamente nesta sequência que o assédio e a violação passam a ser justificadas se a vítima tiver postura, roupa ou atitudes de ‘puta’, realidade contra a qual as SlutWalks (ou Marcha das Galdérias) se têm insurgido.
“É de suma importância” prossegue Stefano “que não ignoremos estruturas concretas que ainda não foram superadas: a supremacia masculina; onde sexo é poder (…) o orgasmo pode ser tido através de violência (vide estupro), (…) mulheres ainda são obrigadas a servirem o desejo masculino dominante, são objetificadas pela pornografia, exploradas pela prostituição que tem como base o capitalismo sexual, e que estão sendo pressionadas nos meios supostamente libertários a serem fodidas para “provar que são livres””.
Para Gail Dines são estas as duas opções ao desenvolvimento da identidade sexual das mulheres: ou putas comíveis ou santas invisíveis, sendo que quer num molde (mulher-Puta), quer noutro (mulher-Santa), a condição social do género feminino é sempre inferior à do homem.
A resolução do dilema é um exercício que se percebe tão necessário à autonomização da mulher na construção da sua personalidade e da sua vida, como desafiante para todos/as, enquanto cidadãos e cidadãs, em nome da democracia, e do exercício dos direitos humanos.
Pensar e desenvolver competências em prol de uma igualdade que reconheça e proteja a diversidade é urgente para que uma maior e mais esclarecida consciência coletiva se possa unir na iniciativa mobilizadora da mudança. Como ensina Saffioti: “enquanto “santas” e “prostitutas” continuarem a representar os papéis que a hipócrita sociedade burguesa lhes atribui, o status quo, o estado de coisas presente, encontrará suporte para se manter intacto, incólume, intocável”.
Carlos Marinho
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La revalorización de la mujer como ser individual y sexual: Un manifiesto profeminista de inspiración junguiana
1. Contra el Patriarcado, por una cultura Anima-friendly:
Aunque las revoluciones burguesas europeas lograron, en el siglo XIX, instituir la igualdad formal de los hombres en el ámbito de las leyes y de la política, tal derecho no fue extendido a las mujeres. Es precisamente en esta época cuando se registran los primeros movimientos organizados por mujeres, reclamando la democratización de los derechos conquistados por la Revolución Francesa.
Solo durante las primeras décadas del siglo XX, tras tres generaciones de luchas del Movimiento Sufragista, en Inglaterra y Francia se concretó finalmente el derecho al voto femenino. Con la consolidación del capitalismo industrial, los sindicatos femeninos empezaron a protestar contra la devaluación de la mano de obra femenina, que recibía la mitad de la remuneración del equivalente masculino.
En los años 1960 surge una segunda ola feminista, cuestionando la naturalización de los roles sociales de género y sosteniendo que lo masculino y lo femenino son construcciones culturales y no fatalidades biológicas inherentes al sexo. A partir de esta constatación, los frentes de lucha se multiplican: ciertos grupos dentro del feminismo llegan a organizarse desde sus experiencias específicas, como es el caso de las mujeres negras, de las mujeres trans y de las lesbianas.
Entre sus principales banderas se encuentran el fin de la violencia doméstica y de la cultura de la violación, la despenalización del aborto, la libertad sexual, el fin de la desigualdad salarial y el reconocimiento del trabajo doméstico como trabajo no remunerado.
El siglo XX fue considerado el siglo de la emancipación de la mujer; sin embargo, según Teresa Joaquim (1997), “se constata que las responsabilidades domésticas siguen siendo responsabilidad de la mujer, así como la educación y el acompañamiento familiar de niños y ancianos. La sobrecarga de funciones atribuidas de forma generizada implica la falta de tiempo para que las mujeres puedan invertir en la profesión, la formación y la realización personal, lo que las lleva a ocupar cargos, funciones y responsabilidades menos reconocidas socialmente…”.
Para Kate Millett, autora de Sexual Politics (1969), la familia se constituye como el contexto donde el patriarcado - entendido como un modo de opresión y dominación en el que el poder masculino se ejerce sobre las mujeres - ejerce su mayor fuerza, a través de la atribución de género. Recuperando el tema de la vivencia no existencial derivada del vaciado simbólico del ser, y aplicándolo al caso específico de las mujeres, he percibido en contexto clínico una relación particular entre la dificultad de afirmación personal y toda una serie de expectativas - sobre qué es ser y cómo deben comportarse las mujeres - asentadas en el discurso masculinista que permea las instituciones de nuestra sociedad predominantemente patriarcal.
Según João Neto, “de la misma forma que las individualidades caminan hacia la integración de contenidos divergentes, también la humanidad, como sumatoria de las individualidades que la componen, avanza hacia la superación de su tendencia Animus y el crecimiento de su Anima. La cultura machista va cediendo espacio a la presencia de la mujer, que crece tanto en la absorción de lo que le falta de Animus, como influye al conjunto con lo que tiene de Anima”.
Es en la búsqueda de la superación de una sociedad patriarcal machista donde los feminismos surgen como movimiento, con el objetivo de romper con cualquier idea contraria a la emancipación femenina y liberarla de los diferentes grilletes que la condicionan. Según la Plataforma Portuguesa para os Direitos das Mulheres, “Los feminismos son movimientos de inquietudes, indignaciones, reflexiones, compartición de saberes y de seres, que luchan por la promoción de los derechos humanos de las mujeres y por la igualdad en las más diversas esferas de la vida. Son diversos, pero se apoyan en una matriz tridimensional común: en la reflexión sobre el sistema social que condiciona el libre movimiento de las mujeres; en hacer visibles los hechos ocurridos para que no se dude que las experiencias desiguales de las mujeres frente a los hombres, aunque vividas en lo individual, son experiencias colectivas; y en la actuación sobre esas desigualdades, proponiendo medidas que promuevan el empoderamiento y la acción de las mujeres en pro de la igualdad de oportunidades, de trato y de resultados”.
En todas sus representaciones, el objetivo común es el empoderamiento de la mujer y el fin del machismo en su totalidad, desde las esferas políticas hasta los medios de comunicación. Aunque algunos grilletes son visibles, otros no lo son tanto - muchos se concentran en las nociones arquetípicas.
Mientras que “el matrimonio, la familia, la posición jerárquica, la división laboral, el estatus económico, la culpa asociada a la sexualidad, la religión… remiten a la mujer a una posición de sumisión, de búsqueda de aprobación y de culpabilidad”, la internalización de las proyecciones derivadas de ciertos arquetipos concentrados en la ideología patriarcal potencian angustias emocionales, haciendo que muchas mujeres se sientan culpables psicológicamente por su deseo de emancipación.
Millett recuerda cómo ciertas creencias religiosas y obras de literatura mitológica reflejan las convicciones patriarcales sobre la mujer como “la otra”, creada por el hombre para atender sus necesidades - como en la historia de “Adán y Eva” o en “La Caja de Pandora”. Se espera, en efecto, que la mujer sea obediente y concentre en sí características como la castidad, la pureza y la perfección (mujer-Santa).
En esta secuencia, “los sentimientos asociados a la sexualidad femenina son habitualmente impuros y pecaminosos” (Cecília da Costa); y si la mujer reclama su derecho al deseo sexual es acusada de depravación, de vulgaridad y despreciada (mujer-Puta).
2. El Pensamiento Simbólico como Herramienta Feminista en la Revalorización de la Mujer Sexual
Durante siglos, la actividad sexual fue presentada a las mujeres como mera forma de reproducción, y el placer sexual reprimido como condenable. Hablar de orgasmos era - y aún lo es para muchas- un tabú en la conversación convencional, y el recato protegía la falta de opinión.
“La fuerte represión sexual a la cual las mujeres siempre fueron sometidas, el sentimiento de culpa, el asco hacia nuestros cuerpos y fluidos, el placer que nos es negado, se reflejan negativamente en la vida de las mujeres, que desde la temprana socialización tienen prohibido conocer sus propios cuerpos. Masturbarse es pecado. El sexo es pecado. La vagina es un órgano desconocido, sucio, maloliente. No toques, no sientas placer” (Andressa Stefano).
Para Botton (2013), la actividad sexual está aún hoy constreñida por un conjunto de expectativas sociales, con frecuencia sancionadoras, acerca de cómo las mujeres deben sentir, pensar y actuar frente a ella. De ahí, retomando a Millett, el motivo por el cual muchas se ven atormentadas por la culpa, las neurosis, las fobias, deseos disruptivos, indiferencia e incluso aversión al sexo.
Por otra parte, en gran medida debido a la herencia del pensamiento cartesiano, siglos de división entre espíritu y materia nos han distanciado de la comprensión de la materia como algo sagrado.
Desde el punto de vista analítico, mientras permanezcamos inconscientes de la divinidad inherente a la materia, la sexualidad se manipula para satisfacer deseos del Ego. Ningún otro arquetipo muestra de forma tan explícita la propuesta de integración entre lo sagrado y lo profano femenino como el de la Prostituta Sagrada. Esta imagen puede aproximar a la mujer a una relación más adecuada con su propio cuerpo, en tanto que:
“La mujer que es consciente de la diosa cuida de su cuerpo, con alimentación y ejercicios adecuados, y aprecia los rituales como bañarse, vestirse y aplicarse cosméticos. No se trata de un propósito superficial o de gratificación del ego, sino de respeto por su naturaleza femenina. Su belleza deriva de una conexión vital con el Sí-mismo. Tal mujer es virginal. Esto no tiene nada que ver con un estado físico, sino con una actitud interior. No depende de las reacciones de los demás para definir su propio ser. La mujer virginal no es solo el reverso del hombre; se mantiene en pie de igualdad respecto a sus derechos. No está gobernada por ideas abstractas sobre lo que “debería” ser o lo que “pensarán los demás”.”
Al integrar los lados sagrado y profano de la mujer, esta imagen posibilita ampliar la limitada y excluyente mentalidad occidental.
Considerando el binomio Lilith-Eva, es pertinente recuperar la determinación de Lilith, la primera mujer de Adán, expulsada del paraíso porque en el primer acto sexual exigió el derecho al placer y se negó a ser pasiva, con el fin de pasar de la represión a la integración de la vida sexual como un aspecto esencial de la vida de la mujer.
Aunque la mujer moderna hable cada vez más abiertamente de deseo, excitación y orgasmo, y vaya a buscarlos de forma más creativa, sigue siendo importante recordar la relevancia de la educación afectivo-sexual para la erradicación de tabúes y la promoción de la salud y de la calidad de vida.
“El culto de los sentidos ha sido frecuentemente, y con razón, condenado, dado que los hombres sienten un instinto natural de terror hacia las pasiones y sensaciones que parecen más fuertes que ellos, y de las que tienen conciencia de compartir con formas de vida inferiores. Pero era evidente […] que la verdadera naturaleza de los sentidos nunca había sido comprendida, y que permanecieron indomables y animalescos únicamente porque el mundo buscó someterlos mediante la abstinencia o matarlos mediante la flagelación, en vez de transformarlos en elementos de una nueva espiritualidad, en la que un elevado sentido de la belleza sería la característica dominante” (Oscar Wilde).
3. ¿Mujeres: Putas Comestibles o Santas Invisibles? El doble estándar de la sociedad masculinista
La educación femenina muestra cómo la trayectoria de la mujer-Santa empieza a enraizarse desde temprano; “juguetes para niñas” y juegos maternoformes como “ordenar la casa”, “planchar la ropa”, “hacer la comidita” o “cuidar de las muñecas-hijas”, subrayan el reconocimiento de lo que el futuro traerá: la transformación de la “buena niña” en la “buena esposa, buena madre y eficiente ama de casa”.
En la misma línea, el molde de la mujer-Santa le impone ciertos constricciones morales que le enseñan a comportarse de forma discreta y obediente, a usar ropa adecuada y a permanecer virgen hasta el matrimonio. El día que deja de ser sumisa al padre, como caricaturiza Andressa Stefano: “la mujer sirve a su marido y cumple su papel social de incubadora y cuidadora”.
Si se desvía de esa ruta prevista por el ideal patriarcal, entregándose a su deseo sexual y a la búsqueda de placer, rápidamente recae en el molde de la mujer-Puta. Con tal etiqueta, es despreciada como indigna de ser esposa o madre, y cosificada como objeto sexual desechable, seleccionada para el entretenimiento rápido y banalizado del hombre.
Aunque se hable de “liberación sexual” con el advenimiento de los anticonceptivos, y resulte “seductora la idea de que [las mujeres] podemos ser ‘libres’ y sumergirnos en un mar de orgasmos, resignificar términos misóginos (como puta, zorra, guarra) y apropiarnos de ellos como forma de subversión”, esta libertad parece ambigua en un contexto de persistente opresión masculina, y “perjudicial para la salud física y emocional de las mujeres, especialmente las jóvenes, que ya están bajo presión para ‘liberar el cuerpecito’, pero que apenas saben cómo usar un preservativo, no tienen acceso a educación sexual y mucho menos al feminismo (…) Nada más conveniente para los hombres que las mujeres estén siempre disponibles, que no tengan pudor, que amen el sexo, que hagan tríos, que folle… compulsivamente. Nada más conveniente que un feminismo que ‘libere’ a las mujeres al deseo masculino. Esa supuesta carta de libertad camufla un rostro del patriarcado donde los cuerpos de las mujeres siguen siendo propiedad masculina. Donde nuestro “sí” siempre será tomado como consentimiento, pero nuestro “no” aún es deslegitimado”.
Es precisamente en esta secuencia que el acoso y la violación pasan a ser justificados si la víctima tiene una postura, ropa o actitudes de “puta”, realidad contra la cual las SlutWalks (o Marcha de las Putas) se han insurgido.
“Es de suma importancia” - prosigue Stefano - “que no ignoremos estructuras concretas que aún no han sido superadas: la supremacía masculina; donde el sexo es poder (…) el orgasmo puede obtenerse mediante violencia (véase la violación), (…) las mujeres aún están obligadas a servir el deseo masculino dominante, son objetificadas por la pornografía, explotadas por la prostitución, que se sostiene en un capitalismo sexual, y están siendo presionadas en medios supuestamente libertarios a ser folladas para ‘probar que son libres’”.
Según Gail Dines, estas son las dos opciones para el desarrollo de la identidad sexual de las mujeres: o putas comestibles o santas invisibles, siendo que, tanto en un molde (mujer-Puta) como en otro (mujer-Santa), la condición social del género femenino es siempre inferior a la del hombre.
La resolución del dilema se percibe tan necesaria para la autonomía de la mujer en la construcción de su personalidad y de su vida como desafiante para todos/as como ciudadanos/as, en nombre de la democracia y del ejercicio de los derechos humanos.
Pensar y desarrollar competencias en pro de una igualdad que reconozca y proteja la diversidad es urgente para que una conciencia colectiva más amplia y esclarecida pueda unirse en la iniciativa movilizadora del cambio. Como enseña Saffioti: “mientras ‘santas’ y ‘prostitutas’ continúen representando los papeles que la hipócrita sociedad burguesa les atribuye, el status quo, el estado de cosas presente, encontrará apoyo para mantenerse intacto, incólume, intocable”.
Carlos Marinho
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Excelente texto, como sempre. Considero que as escolas têm, também, o dever de abordar estes temas sem tabus (sempre adequados às idades). Mas os professores não conseguem , pois nem eles mesmos são esclarecidos nesta matéria tão importante. Valham-nos pessoas como o Dr. Carlos para nos ajudarem a eliminar a culpa carregada, por vezes, durante anos! O conceito de "puta" deveria ser redefinido, também... E muito mais havia por dizer. Muito obrigada pelos seus textos e reflexões.
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