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#14: "SUBLIMAÇÃO" | CONHECER UM MECANISMO DE DEFESA POR DIA... NÃO SABE O BEM QUE LHE FAZIA!


Sublimação

A sublimação, como Mecanismo de Defesa, é a transformação de impulsos indesejados em algo menos prejudicial. Isto poderá ser simplesmente uma libertação de distração ou uma peça construtiva e valiosa de trabalho.

Bergeret (2006) defende que a sublimação constitui um processo normal, e não patológico, à condição de que ela não suprima por si só, todos os impulsos indesejados. 

Quando confrontados/as com uma dissonância de pensamentos incómodos, criamos energia psíquica; a sublimação cria canais que levam esta energia para longe de atos destrutivos ao encontro do que for socialmente aceitável e/ou criativamente eficaz. 

Muitos desportos e jogos são sublimações de impulsos agressivos. No número de outros exemplos, contamos: o caso de uma pessoa que tem uma necessidade obsessiva de controlo e ordem acabando por tornar-se um empreendedor de negócios bem sucedido; o caso de uma pessoa com fortes impulsos sexuais que se torna num/a artista; o caso de um homem com desejos extra-conjugais ocupar-se com reparações domésticas quando a sua esposa está fora; o caso de um cirurgião que transforma energias agressivas e desejos profundos de maltrato a pessoas em atos que salvam vidas.


Aqui termina esta Rubrica. Relembrando os seus objetivos... 




SERÁ QUE SE CONHECE ASSIM TÃO BEM?

Na atualidade, é amplamente reconhecido que estamos muito menos conscientes dos nossos atos e sentimentos do que pensamos. Não raro, assumir que não temos consciência de vários fatores que definem o nosso funcionamento, ou seja, reconhecer-se como alguém desconhecedor/a de si mesmo/a, pode gerar mal-estar, confusão e resistência à mudança.

A mente inconsciente inclui todos os conteúdos que estão fora da nossa percepção consciente; no número destes, podemos contar memórias da primeira infância, desejos secretos e impulsos ocultos. Nos bastidores da consciência, podem ocultar-se experiências desagradáveis ​​ou até mesmo socialmente inaceitáveis; dado que podem gerar dor ou conflito interno, são muitas vezes reprimidas. Embora esses pensamentos, memórias e impulsos possam estar fora da nossa consciência, não deixam de influenciar o modo como pensamos, agimos e nos comportamos. Em certos casos, podem mesmo levar a sofrimento psicológico grave.

Um dos maiores desafios da psicoterapia passa por acompanhar o/a cliente no processo de significação e ressignificação das suas experiências, através da consciencialização de padrões emocionais e comportamentais inconscientes, permitindo que aspectos anteriormente inconscientes do 'self' se integrem e promovam um funcionamento otimal da pessoa. Um dos principais obstáculos à mudança é a resistência. A resistência designa tudo o que se opõe ao acesso do/a cliente ao seu próprio entendimento (seja ele consciente e/ou inconsciente).

Ao contrário do que erroneamente se poderá pensar, o/a cliente não é nunca pressionado a aceitar a hipótese/interpretação oferecida pelo psicólogo, sem ter entendido e aceite o racional dessa proposta. As prioridades devem sempre ser definidas pelo/a cliente, e a responsividade do terapeuta às suas necessidades, com vantagem para uma mais satisfatória e eficaz mudança terapêutica, deve prevalecer sobre a grelha teórica usada. O objetivo é procurar uma compreensão dos mecanismos mentais que alimentam essa resistência; por detrás dessa defensividade, supõe-se a existência de determinados conteúdos reprimidos. A facilitação da sua partilha, ou tomada de consciência desses conteúdos é um objetivo do tratamento, na medida em que terão uma relação íntima com a origem e manutenção dos problemas da pessoa.

Por muito incómodo que seja recuperá-lo do inconsciente, acordar para quem somos requer muitas vezes desapegarmo-nos de quem imaginamos ser. Este processo requer uma disposição que nos torne para o silêncio do interior, numa atitude de diálogo compreensivo e tolerante para connosco próprios/as. Nem sempre, porém, semelhante diálogo é fácil: ele é sincero demais; e lidar com a vulnerabilidade (tantas vezes e tão erroneamente sinonimizada a 'fraqueza') pode ser uma experiência verdadeiramente angustiante. O processo de emancipação convida à libertação gradual de vários tipos de dependência, exige o assumir de responsabilidades que talvez fossem mais fáceis de ignorar, e o confronto com emoções e sentimentos percebidos como negativos, como a solidão. Há, por isso, quem prefira manter-se longe de si mesmo/a, numa anestesia de verdade: a verdade que assusta, que arde e que dói. Até compreender-se que é também a verdade aquela que cura, que reestrutura e que vivifica, que nos faz mais próximos da nossa totalidade enquanto Seres.

Quando o sofrimento advém da resistência à dor, pôr em marcha (e sempre em colaboração com o terapeuta) um movimento contrário - um tentativo e gradual movimento de confronto perante as percebidas ameaças ao nosso bem-estar -, faz com que robusteçamos o nosso sistema imunológico emocional, e nos façamos capazes de enfrentar, com todo um renovado ânimo, as múltiplas contrariedades e desafios do quotidiano. "Até que ponto me conheço a mim mesmo/a?".

QUANDO SURGE O CONCEITO?

O conceito de MECANISMO DE DEFESA em Psicologia surge pela primeira vez em 1894 no trabalho denominado «As Psiconeuroses de Defesa» onde Freud descrevia a luta do Ego contra estes afectos dolorosos e insuportáveis para o indivíduo. Posteriormente, Freud formula o conceito de recalcamento que ocorreria devido à angústia e que resultaria e se manifestaria simbolicamente em sonhos, actos falhados e sintomas neuróticos. Mais tarde ainda, Freud (1926) viria a substituir o conceito de repressão pelo conceito de defesa (Laplanche & Pontalis, 1988). Freud (1926) propôs diversos mecanismos de defesa, como a regressão, o recalcamento, a formação reactiva, o isolamento, a introjecção, a projecção e a anulação, sendo que mais tarde Anna Freud (1936) introduziu outros mecanismos de defesa, como a sublimação, o deslocamento, a negação e a identificação com o agressor (Mullen, Blanco, Vaughan, Vaughan, & Roose 1999).


O QUE DEFINE ESTE CONCEITO?

Freud definiu os mecanismos de defesa como operações mentais ou métodos utilizados pelo Ego para se proteger contra a ansiedade (Hovanesian, Isakov, & Cervellione, 2009). Seriam processos inconscientes que protegeriam a mente de sentimentos e pensamentos difíceis de lidar ou de impulsos carregados de desejo e que o Ego consideraria perigosos ou que entravam em conflito com as exigências do Super-ego (Vaillant, 1992).


MD: INDICADORES DE SAÚDE OU PATOLOGIA?

Anna Freud (1946, 1965) destaca que todos os mecanismos de defesa podem constituir modos de adaptação saudáveis, desde que sejam utilizados de forma flexível e moderada. Em sua opinião, os mecanismos de defesa ajudam os indivíduos a lidar com as exigências e desafios presentes na realidade. Desenvolver-se-iam e seriam utilizados pelo Ego como forma de lidar com os conflitos provocados pelo Id na sua relação com o Ego e com o Super-ego. Outros autores, como Haan (1963), consideram todos os mecanismos de defesa, em todas as circunstâncias, como respostas desadaptativas do sujeito, pelo que estariam associadas ao funcionamento patológico da personalidade.

Uma terceira posição considera algumas defesas particulares como primitivas, imaturas ou patológicas, enquanto outras, como maduras e adaptativas. Trata-se de uma posição defendida, por exemplo, por Vaillant (1971, 1977) e Cramer (1991). Os trabalhos destes dois autores constituem contributos importantes e mais recentes para o estudo dos mecanismos de defesa, apresentando uma nova perspectiva acerca da sua função. Vaillant (1971) apresentou um modelo hierárquico dos mecanismos de defesa com quatro níveis. Agrupou dezoito defesas, com base no grau de maturidade e importância do ponto de vista psicopatológico. No primeiro nível incluem-se os mecanismos psicóticos (negação, distorção, projecção delirante); no segundo nível situam-se os mecanismos imaturos (fantasia, projecção, hipocondria, comportamento passivo-agressivo e acting-out); no terceiro nível estão presentes os mecanismos neuróticos (intelectualização, recalcamento, formação reactiva, deslocamento e dissociação); por último, situam-se no quarto nível os mecanismos maduros/evoluídos (sublimação, altruísmo, supressão, antecipação e humor).

De acordo com Vaillant (1971) a função dos mecanismos de defesa é a de manter os afectos dentro de limites suportáveis, redireccionar impulsos, promover alterações no auto-conceito e gerir conflitos não resolvidos com os outros. De acordo com este autor, o desenvolvimento é acompanhado pela evolução dos processos defensivos que vão desde o primeiro até ao quarto nível de maturidade (Vaillant, 1977).

Cramer (1991) propôs um modelo desenvolvimental baseado na ideia que diferentes defesas emergem em diferentes etapas do desenvolvimento. De acordo com este modelo, a utilização da negação é predominante durante os anos pré-escolares, mas perde importância a meio da infância, onde é utilizada maioritariamente a projecção, sendo que esta se vai tornar predominante durante o período da adolescência. Por sua vez, a identificação, uma defesa com uma complexidade considerável, desenvolve-se lentamente na primeira infância, atravessa a adolescência, tornando-se a defesa predominante na idade adulta (Cramer, 2002). Para Cramer (1998, 2000, 2006), os mecanismos de defesa têm uma dupla função: por um lado, proteger o indivíduo de experienciar uma ansiedade excessiva e, por outro, proteger a integridade do Self. Segundo esta autora, existem também estratégias conscientes que o indivíduo utiliza ao vivenciar situações de stress, estratégias que lhe permitem encontrar soluções realistas de forma a reduzir a ansiedade – estratégias de coping.

ESTRATÉGIAS DE COPING vs MECANISMOS DE DEFESA?

Cramer considera que existem duas diferenças fundamentais entre mecanismos de defesa e estratégias de coping. A primeira diferença reside no facto das estratégias de coping envolverem esforços conscientes, enquanto os mecanismos de defesa ocorrerem de forma inconsciente. A segunda diferença consiste no facto das estratégias de coping serem utilizadas com a intenção de modificar a situação/resolver o problema, enquanto os mecanismos de defesa pretendem modificar um estado psicológico interno desagradável, não tendo, contudo, efeito na realidade externa e podendo resultar numa percepção distorcida dessa realidade (Cramer, 1998, 2000).

Na perspectiva de Ihilevich e Gleser (1986), o que é importante não é o tipo de defesas utilizadas, mas a rigidez com que são usadas e o grau de distorção da realidade que provocam. De acordo com estes autores, os mecanismos de defesa servem para distorcer ou manusear a realidade quando os recursos pessoais, competências e motivações são insuficientes para resolver conflitos internos ou ameaças externas ao bem-estar do sujeito. Ainda segundo Ihilevich e Gleser, os mecanismos defensivos são atribuídos a processos inconscientes que são activados automaticamente quando são percebidas ameaças dolorosas para serem enfrentadas de outra forma. Ao contrário de Vaillant e Cramer, Ihilevich e Gleser consideram todos os tipos de defesa adaptativos se utilizados de forma flexível. As defesas são patológicas quando resultam em respostas rígidas, excessivas ou inapropriadas. Assim, o que define a patologia, não é tanto o tipo de defesas utilizadas, mas sim a rigidez e a frequência com que são utilizadas e, o grau de distorção da realidade que provocam (Ihilevich & Gleser, 1986).



Ter conhecimento destes MECANISMOS DE DEFESA poderá ajudá-lo/a a identificar afetos reprimidos, por forma a confrontá-los e a integrá-los harmoniosamente na sua consciência, promovendo um funcionamento mais adaptativo e saudável.


Estejam atentos/as às próximas novidades do Blogue.


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