Avançar para o conteúdo principal

QUEM TEM MEDO DA INTIMIDADE? | POR QUE BOICOTAMOS A ENTREGA AO 'OUTRO'?

Quase 17% dos adultos no mundo ocidental relata ter DIFICULDADES NA INTIMIDADE com outras pessoas. AFASTAM-SE quando as coisas começam a “FICAR SÉRIAS”, mantêm as relações a um nível constantemente SUPERFICIAL, não são transparentes com as suas intenções, dizem não estar preparados/as para se relacionar e, ao mesmo tempo, dão a entender que poderá haver um futuro, sem deixá-lo claro – tudo formas de BOICOTE À INTIMIDADE.

Quer se trate de intimidade física ou emocional, gerir afetos, ou seja, ‘CHEGAR’ À OUTRA PESSOA NEM SEMPRE É FÁCIL. E porquê? Bem, tudo começa por quem nós somos, e por COMO NOS TRATAMOS A NÓS PRÓPRIOS/AS. Quem não sabe o que fazer com a própria vida, provavelmente não vai saber o que fazer com a da outra pessoa.

(1) CONHECIMENTO UM/A DO/A OUTRO/A: uma conexão emocional profunda e íntima gira em torno de um conhecimento bruto e inabalável um do outro. Quando estamos realmente próximos/as de alguém, partilhamos uma grande quantidade de informações pessoais que talvez não nos sentíssemos confortáveis em partilhar com outras pessoas;

(2) CONFIANÇA UM/A NO/A OUTRO/A: a confiança é parte integrante de qualquer relacionamento, mas é especialmente importante nas nossas conexões mais íntimas. Confiar é observar quem o Outro é na sua autenticidade (ao invés de quem gostaríamos que fosse) e saber que ele fará o que diz que fará. Não é apenas acreditar no melhor de alguém: é ter a possibilidade de conferi-la realmente;

(3) HONRAR UM/A AO/Á OUTRO/A : tratar as pessoas que amamos com respeito, aceitando-as como e por quem são, sem tentar mudá-las;

(4) GRATIDÃO UM/A PELO/A OUTRO/A: a gratidão é o principal meio pelo qual vemos para além das falhas dos/as nossos/as parceiros/as. Gratidão e julgamento não podem coexistir; quando está grato por alguém, está a aceitá-lo/a de uma forma que é pura e incondicional;

(5) ACEITAÇÂO UM/A DO/A OUTRO/A: aceitarmos o/a nosso/a parceiro/a é receber quem ele/a é inteiramente. Quando o fazemos, dizemos: “Eu vejo os teus defeitos, e amo-te mesmo assim: incondicionalmente";

(6) VULNERABILIDADE UM/A COM O/A OUTRO/A : Vulnerabilidade não envolve apenas romance, sexo ou toque. É muito mais profundo do que isso. Requer que nos permitimos ser conhecidos/as pela outra pessoa, revelando o nosso coração, e as suas feridas.

A dificuldade de nos entregarmos à intimidade decorre frequentemente de EXPERIÊNCIAS DOLOROSAS PASSADAS (eventualmente traumáticas), que nos sensibilizaram para o medo da rejeição ou da perda, e para a expectativa de que nos decepcionem. Isto poderá ter eu ver com: (1) o fracasso dos nossos pais ou figuras cuidadoras em modelar uma intimidade saudável e respeitosa; (2) experiências de rejeição e desgosto amoroso no passado (tornando-nos hesitantes quando se trata de nos aproximarmos de alguém); (3) baixo sentido de autoestima – quando nos sentimos inadequados/as ou insuficientes diante dos outro num contexto em que nos é requerido sermos vistos/as – realmente vistos/as – a um nível primordial e portador da alma, a experiência será a de auto-rejeição, minando assim qualquer conexão significativa com os demais.

Não infrequentemente, é o fracasso em reconhecer estes medos pelo que eles são que leva a grandes términos relacionais. A única forma de evitá-lo é ABRAÇAR ESSES MEDOS e desemaranhar o domínio que exercem sobre a nossa vida amorosa.

"Depois de algumas deceções, as pessoas tornam-se frias; o coração já não se magoa por qualquer coisa: a frieza espalha-se por todo o ser. E quando alguém chega, é como uma piscina, a água está gelada, molham-se apenas os pés. Dá para ouvir uma voz que vem do fundo dos olhos e que diz “vem, depois de entrares a água fica quente”. E pergunto-me: "quem é que tem a coragem de entrar, de romper os icebergues do coração de alguém? Quem é que tem a coragem de se molhar, de mergulhar no incerto peito friorento? Quem é que tem a coragem de amar, de sair da superfície, de cair nos braços, de aprender a nadar no mais íntimo de alguém? Quem é que tem a coragem de acreditar que depois de entrar, aquece?". O amor é mesmo para quem tem coragem, e para os corajosos do plantão, desejo que saltem para a piscina que, a priori, parece gelada; e que descubram que ela está à temperatura certa pra nos fazer ficar. Mas que entendam, que não se pode nadar por muito tempo em ambientes que não são propícios. Que esse alguém encontre o equilíbrio, 
reciprocidade. E que não se fique a afogar em piscinas vazias, porque todo mundo merece um amor maior do que o Atlântico

[Jaqueline Camargo]

Para todos/as os/as corajosos/as do plantão, um forte abraço

Com estima,

Carlos Marinho

Comentários

Mensagens populares deste blogue

TUDO SOBRE FERIDAS EMOCIONAIS DE INFÂNCIA

FERIDAS EMOCIONAIS DA INFÂNCIA: O QUE SÃO E COMO NOS IMPACTAM?  A Patrícia está sempre a comparar-se aos outros. Acha-se inútil e desinteressante. Tem pouca autoconfiança e uma muito baixa autoestima, desde adolescente. Vive refém do medo de ser abandonada, apega-se em demasia aos amigos e, principalmente, ao seu parceiro. A experiência de ciúmes é constante. Assume que qualquer outra mulher é muito mais bonita e mais cativante do que ela. Não descansa enquanto não souber o que o seu parceiro faz, controla-lhe o telemóvel, persegue-lhe as colegas de trabalho, e acompanha-o em todos os movimentos. " Faço isso para que ele não me troque por outra pessoa " justifica. Ansiedade, angústia, medo e desconfiança tomam conta da sua vida há muito tempo. Mas estas emoções são apenas a ponta do iceberg, e o sintoma de um problema maior, oculto abaixo da linha de água - ali, onde em terapia encontramos as suas  feridas emocionais . [Quando cais e te magoas, podes imediatamente ver a ferid...

O DESAFIO DA (RE)CONEXÃO COM O 'SELF' [MANUAL DE BOLSO - Versão 2024]

... VAZIO? DESÂNIMO? SOLIDÃO? FALTA DE FOCO? ANGÚSTIA? ... ´ Muitas destas queixas são queixas típicas do estado de  crise da subjetividade pessoal. E o que quer isto dizer? Bem, comumente, este estado de crise decorre da falta de investimento na nossa " vida interior " . Quando esta falta de investimento leva ao afastamento e eventual  desconexão com o nosso 'Self' , debilitando-o, é gerado intenso mal-estar. Neste caso, a solução está na libertação do 'Eu reprimido' , ou seja, no processo de individuação   e  emancipação pessoal . Por outro lado, pessoas que estão nos estágios iniciais do processo de emancipação pessoal , e que percebem quão isoladas estão em relação à maioria, poderão também experimentar mal-estar sob a forma destas queixas: acontece que o que faz mover o mundo não as faz mover mais. Aos perceberem de forma mais lúcida a crise da subjetividade atual, sentem-se alienadas da cultura ao seu redor. Neste caso, a solução está na resistência às...

ENTENDER PARA SUPERAR: OS DESAFIOS DO NARCISISMO PATOLÓGICO

SOMOS TODOS/AS NARCISISTAS? Sim!  Comecemos por dizer que o que caracteriza o narcisismo é o  investimento da libido na nossa própria imagem .  Todos/as nós possuímos uma energia vital que pode ser investida tanto nos outros, como na nossa própria imagem - a essa 'energia' chamamos de " libido ". Com efeito, é impossível que pelo menos uma parcela da nossa energia vital não seja investida na nossa própria imagem , por isso dizemos que o narcisismo é uma condição básica da estrutura da subjetividade humana ,  transversal a todos os seres humanos .  Para entendermos as "complicações narcísicas" que podem afetar o nosso comportamento, nomeadamente o que consideramos " narcisismo patológico (ou perverso) ", devemos começar pelo início da vida, e entender a formação do narcisismo desde a sua raiz ...  A VIDA COMEÇA NO PARAÍSO (ou SOBRE O NARCISISMO PRIMÁRIO ): No início da vida, o bebé não percebe ainda a realidade externa , não está ainda capaz de re...