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QUE PENSARÁ O MEU PSICÓLOGO A MEU RESPEITO?

Você deve achar-me louca”, “Devo ser o cliente mais estranho que tem, não?”, “O Dr. deve sair das minhas sessões a rir com tanto disparate”. Estas são algumas das frases que volta e meia oiço desse lado do ecrã, e que sempre me fazem pensar na onda de misticismo que tantas vezes circula em torno da figura do psicólogo e da terapia.  

Como o psicólogo atua imparcialmente, ‘desde fora’, numa frequência diferente da do/a cliente, tem acesso a informação que frequentemente escapa à pessoa que tem diante: a verdade é que nos apercebemos muito mais rapidamente do que lhe está a condicionar o crescimento, e simplesmente vamos deixando pistas orientadoras, aguardando ativamente que se nivele conosco em termos de consciencialização. E neste processo estamos, claro, extremamente atentos a tudo o que ocorre na sessão, incluindo a linguagem verbal e não-verbal.

Não é mentira que faça muitas e diferentes considerações a respeito dos/as meus/minhas clientes. E gosto de partilhá-las quando considero que fazê-lo os/as pode beneficiar. Digo amiúde que a terapia é um espaço sem juízos de valor, sem críticas ou censuras, onde não pesam expectativas nem cobranças, embora me reserve o direito de partilhar quão orgulhoso e feliz fico, por eles/as e com eles/as, pelas conquistas que arrecadam. A primeira coisa a ocupar espaço emocional é essa: a ADMIRAÇÃO PELA SUA CORAGEM. Não é para todos/as entrar-se no consultório de um estranho, revelar as partes da própria intimidade, que muitas vezes nos envergonham e nos fragilizam, e unir forças em prol da mudança positiva. 

Muitas outras vezes, o que me ocorre é: TAMBÉM JÁ ESTIVE DESSE LADO. Ter feito o meu próprio acompanhamento terapêutico como cliente foi imprescindível para me fortalecer como pessoa e profissional. Não é infrequente os psicólogos se reverem na situação de vulnerabilidade dos/as clientes – mesmo que nunca tenham estado numa situação para-suicidária, talvez saibam o que é não terem confiança neles próprios, ou sentirem-se angustiados, sem esperança de respostas; talvez nunca tenham tido um ataque de pânico, mas experienciado grandes níveis de ansiedade. Por isso, às vezes penso: “sim, também me identifico”. No meu caso, devo muito à minha experiência terapêutica pessoal a capacidade de entrar de forma sólida e estável em todas as sessões que acompanho, e ser esse ‘espaço contentor’ que procurar sentir e amparar o/a cliente. O meu treino como psicólogo permite-me estar na emoção dos outros – enquanto a minha humanidade de Carlos me permite senti-la com autenticidade – fazendo com que, em sessão, suporte com eles/as e por eles/as o fardo que carreguem, mas sem que isso me avassale ou me dilua, já que sei que não posso tomar essa emoção como minha: apenas ajudá-los/as a geri-la otimalmente.  

Apesar de confiar totalmente na sua capacidade de resiliência, não deixo por vezes de sentir alguma preocupação – o que faz com que lhes envie alguma mensagem ou pensamento positivo, e sei que é algo que apreciam. Mas a preocupação não me consome e rapidamente volto a centrar-me na minha ocupação, e é importante manter bem definidos os limites no processo terapêutico.

Outras vezes, penso: ESTAREI A FAZER UM BOM TRABALHO PARA O/A CLIENTE? Faço-o com frequência. Alguns dias, o “Síndrome do Impostor” aparece com as suas suspeitas, deixando a dúvida sobre se os meus esforços são suficientes. Outras vezes, percebo o tanto que os/as clientes me inspiram – a ser melhor pessoa e melhor profissional, e reenergizo-me para estar ao nível energético do seu trabalho.

Algo, porém, que NUNCA PENSO ACERCA DOS/AS MEUS/MINHAS CLIENTES é: que são ridículos ou patéticos ou vergonhosos. Em momento algum há um julgamento negativo, troça ou escárnio. “Você deve achar-me louca”, “Devo ser o cliente mais estranho que tem, não?”, “O Dr. deve sair das minhas sessões a rir com tanto disparate”. Muito pelo contrário. A admiração não cessa e o respeito é incontestável. Estou e estarei Aqui, de um ser humano para outro, agradecendo e honrando o privilégio da intimidade que comigo é partilhada. E vêm-me as palavras de Gi Stadnick à cabeça: "A vida do outro, a casa do outro, o coração do outro são todos templos sagrados que se pede licença para entrar. Licença essa concedida, depois de instalada a confiança, o carinho, a verdade. Sem essas preciosas chaves, qualquer intromissão é forçada, é indelicada, é errada. Solo sagrado, se pisa descalço".

Com humanidade.  

Com aceitação.

Com estima,
Carlos Marinho


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