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OS ESTÁGIOS DE AUTOACEITAÇÃO DE LÉSBICAS E GAYS (Segundo o Modelo de Vivienne Cass) | Feliz Mês do Orgulho LGBTQIA+

Uma das questões mais polémicas relativamente à homossexualidade é a que trata da existência de uma “identidade gay”. Defendida por alguns especialistas como uma condição necessária para o equilíbrio psíquico daqueles que sentem atrações homoeróticas, essa identidade é vista por outros como uma forma reducionista de abordar uma questão tão complexa. Porém, independentemente do ponto de vista teórico adotado, grande parte dos profissionais que lidam com o tema reconhecem nos seus clientes homoeróticos um processo de autoaceitação que, via de regra, se dá de forma gradual e segue determinados estágios” [Klecius Borges in “Terapia Afirmativa”]

Na tentativa de NORMALIZAR ESTE PROCESSO, a psicóloga australiana VIVIENNE CASS desenvolveu em 1979 um MODELO DE FORMAÇÃO DE IDENTIDADE LÉSBICA E GAY, dividido em SEIS ESTÁGIOS, não necessariamente sequenciais e lineares, e não relacionados à idade e ou à faixa etária – que, uma vez alcançados, determinam uma certa prontidão para a INSTALAÇÃO DE UM REPERTÓRIO EMOCIONAL/COMPORTAMENTAL, tanto a nível pessoal como social.

É importante frisar que nem todas as pessoas atingem todos os estágios, e que não é também necessário que os façam (o grau de conforto pessoal e o potencial de risco social são sempre subjetivos e dependem de inúmeros fatores).

1) CONFUSÃO DE IDENTIDADE: Caracterizada pela questão “poderei ser homossexual?”, inicia-se com a PRIMEIRA CONSCIENCIALIZAÇÃO relativa a pensamentos, sentimentos e atrações homossexuais, o que leva, tipicamente, ao sentimento de CONFUSÃO E AGITAÇÃO PSICOLÓGICA. Questionamo-nos sobre a nossa identidade, podendo ACEITAR, NEGAR OU RECUSAR os nossos próprios sentimentos, tendo como possíveis respostas a evitação de informações LGBTQIA+, a inibição de comportamentos, e a negação da homossexualidade. Podemos manter o envolvimento emocional com o mesmo sexo, contudo mantemo-lo separado do contacto sexual. Aqui, CADA PESSOA DEVERÁ EXPLORAR JUÍZOS POSITIVOS E NEGATIVOS INTERNOS, permitir-se estar incerta sobre a sua identidade sexual, encontrar apoio em saber que o comportamento sexual ocorre ao longo de um espectro, e eventualmente dar-se permissão e incentivo para EXPLORAR A IDENTIDADE SEXUAL COMO UMA EXPERIÊNCIA NORMAL.

2) COMPARAÇÃO DE IDENTIDADE: Define-se pela POSSIBILIDADE DE ACEITAÇÃO DA IDENTIDADE GAY OU LÉSBICA (“talvez isso se aplique a mim”), ao mesmo tempo que são examinadas as implicações mais amplas desse compromisso. Aqui, a AUTOALIENAÇÃO sentida pode TORNAR-SE EM ISOLAMENTO SOCIAL. Como possíveis respostas a esta fase, podemos iniciar um processo de LAMENTAÇÃO POR VIVÊNCIAS DE QUE TEREMOS DE DESISTIR ao aceitar a nossa orientação sexual, COMPARTIMENTANDO A NOSSA PRÓPRIA SEXUALIDADE, ACEITANDO O COMPORTAMENTO HOMOSSEXUAL MAS MANTENDO A IDENTIDADE "HETEROSSEXUAL" DO SELF (e.g. “é apenas temporário”, “só estou apaixonado/a por esse homem/mulher em especial", etc.). Aqui, é importante que a pessoa desenvolva definições próprias INFORMANDO-SE SOBRE A IDENTIDADE SEXUAL, sobre os RECURSOS DA COMUNIDADE LGBTQIA+, e incentivando-se a falar sobre a PERDA DA EXPECTATIVA DE VIDA HETEROSSEXUAL, mantendo no entanto alguma identidade "heterossexual" durante esta fase.

3) TOLERÂNCIA DE IDENTIDADE: Caraterizada pela afirmação "eu não sou o/a único/a”, diferencia-se pelo RECONHECIMENTO DA IDENTIDADE HOMOSSEXUAL, PROCURANDO OUTRAS PESSOAS LGB+ PARA COMBATER A SENSAÇÃO DE ISOLAMENTO, aumentando o compromisso de ser homossexual. Nesta etapa, reconhecemos que a nossa orientação sexual não exclui outras opções de vida, ACENTUANDO DIFERENÇAS ENTRE NÓS MESMOS/AS E OS HETEROSSEXUAIS, procurando a cultura LGBTQIA+ e o contacto positivo que leve à sensação mais positiva do Self. Contudo, SE MARCADA POR CONTACTOS NEGATIVOS COM A CULTURA LGBTQIA+, esta fase pode parar o crescimento da identidade homossexual, uma vez que a pessoa desvalorizará a mesma. Aqui, ser-se apoiado/a para EXPLORAR SENTIMENTOS DE VERGONHA DECORRENTES DO HETEROSSEXISMO (interno e externo) é importante, bem como receber apoio na PROCURA DE OUTRAS PESSOAS HOMOSSEXUAIS E NA LIGAÇÃO COM A COMUNIDADE LGBTQIA+;

4) ACEITAÇÃO DE IDENTIDADE: Caracterizada pela afirmação “eu vou ficar bem”, aqui atribuímos uma CONOTAÇÃO POSITIVA À NOSSA IDENTIDADE E ACEITÁMO-LA, ao invés de a tolerarmos, realizando uma avaliação mais realista da experiência. Nesta fase, as tarefas principais passam por lidar com TENSÃO INTERNA DE NÃO COINCIDIRMOS COM A NORMA DA SOCIEDADE, e a tentativa de trazermos CONGRUÊNCIA ENTRE A VISÃO PRIVADA E PÚBLICA DO SELF.  Podemos, ou não, auto-identificar-nos como gay ou lésbica, mantermos cada vez menos contacto com a comunidade heterossexual, iniciarmos seletivamente o ‘coming out’ da identidade sexual, sentirmo-nos mais confortáveis sendo vistos/as com outros homossexuais, ou por vezes podemos também compartimentar "a vida gay”. É necessário que a pessoa continue a EXPLORAR A DOR E A PERDA SENTIDA REFERENTE ÀS EXPECTATIVAS DE UMA VIDA HETEROSSEXUAL, que continue a explorar a HOMOFOBIA INTERNALIZADA sentida (vergonha aprendida e incutida pela sociedade heterossexista), e que encontre apoio na tomada de decisões sobre ONDE, QUANDO E COM QUEM REVELARÁ A SUA IDENTIDADE LGB+.

5) ORGULHO DE IDENTIDADE: "As pessoas precisam de saber quem eu realmente sou” seria o mote desta fase, em que DIVIDIMOS O MUNDO ENTE “HETEROSSEXUAIS E HOMOSSEXUAIS”, estando imersos/as na cultura LGBT+, e minimizando o contato com heterossexuais. Podemos lidar com reações negativas de terceiros, usualmente heterossexuais, ao experienciarmos situações negativas ao revelarmos a nossa sexualidade, DIVIDINDO O MUNDO EM "GAY" (BOM) E "HETEROSSEXUAL" (MAU), o que leva à IDENTIFICAÇÃO DA CULTURA LGBTQIA+ COMO A ÚNICA FONTE DE APOIO. É importante que a pessoa receba apoio para explorar problemas relativos à RAIVA E FRUSTRAÇÃO sentida, procure suporte para explorar questões de HETEROSSEXISMO e desenvolva estratégias de coping para LIDAR COM AS REAÇÕES NEGATIVAS AO ‘COMING OUT’.

6) SÍNTESE DE IDENTIDADE: Aqui, integramos a nossa identidade sexual com todos os outros aspetos de nós mesmos/as, de onde A ORIENTAÇÃO SEXUAL SE TORNA APENAS UMA PARTE DO SELF em vez da sua identidade na totalidade. Assim, permitimos que se ESTABELEÇAM E AUMENTEM RELACIONAMENTOS DE CONFIANÇA COM TERCEIROS, não definindo o nosso espaço social apenas de acordo com a nossa orientação sexual, o que leva à posterior DIMINUIÇÃO DA RAIVA SENTIDA PELO MUNDO HETEROSSEXISTA.

DÚVIDAS? Contacte os nosso serviços: estamos Aqui para ajudar.

Feliz Mês do Orgulho LGBTQIA+

Com estima,
Carlos Marinho



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