As perturbações alimentares são atualmente uma importante causa de
morbilidade física e psicossocial em adolescentes e jovens adultos. Embora
tenham ganho cada vez mais atenção, o seu real impacto é ainda pouco compreendido
pela sociedade. Por definição, são perturbações de carácter persistente, na
alimentação ou em comportamentos relacionados com a alimentação, traduzidas num
consumo ou absorção de alimentos alterados, prejudicando a saúde física e/ou o
funcionamento psicossocial dos indivíduos.
Actualmente reconhecem-se como tal a
anorexia nervosa, a bulimia nervosa, a perturbação de ingestão alimentação
compulsiva, a perturbação de ingestão alimentar evitante/restritiva, a pica e o
mericismo.
Vários são os factores reconhecidos como importantes no
desenvolvimento das perturbações da alimentação e ingestão alimentar; ter noção
deles pode prevenir a sua ocorrência e beneficiar a melhoria dos tratamentos da
actualidade: a pressão social para atingir ideias de beleza associados à
magreza extrema, o historial de família de perturbações alimentares, o uso
indevido de drogas (em particular, o alcoolismo no caso da perturbação de
bulimia nervosa), a obesidade (também no caso da bulimia nervosa), a ocorrência
de episódios depressivos, a parentalidade adversa (por exemplo, casos de
discórdia parental, de afastamento ou pouco envolvimento das figuras parentais,
e de grandes níveis de exigência), a existência de episódios de abuso sexual, o
tipo de dieta alimentar da família, a pressão decorrente de críticas e
pressões, seja de familiares ou outros, a respeito da alimentação, da forma
e/ou do peso corporais, a baixa autoestima, o perfeccionismo (em particular, no
caso da anorexia nervosa), a menarca precoce (sobretudo na bulimia nervosa), a
ansiedade e as perturbações de ansiedade.
Anorexia
– A anorexia nervosa consiste na recusa em manter um peso corporal
igual ou superior ao minimamente normal para a idade, sexo, trajetória de
desenvolvimento e saúde física (o peso significativamente baixo é
definido como um peso corporal abaixo do nível normal mínimo, ou para crianças
e adolescentes, abaixo de peso mínimo esperado), no medo intenso de ganhar
pesou ou de engordar, mesmo quando o peso é insuficiente, e na perturbação na
apreciação do peso e forma corporais, indevida influência do peso e forma
corporais na sua auto-avaliação, ou negação da gravidade do grande
emagrecimento actual. O início típico desta psicopatologia ocorre entre o meio
e o fim da adolescência (normativamente entre os 14 e os 18 anos) e afeta
maioritariamente o sexo feminino.
Um indivíduo que padeça de anorexia pode apresentar alguns dos
seguintes sinais, pelo que deverá manter-se atento: queixar-se
frequentemente que está gordo/a, mesmo estando muito magro/a; verbalizar
frequentemente a quantidade de calorias dos alimentos; usar roupas muito largas
de modo a esconder o corpo; evitar refeições sociais com os amigos e família;
mentir sobre quantidade e tipo de refeições; servir todas as pessoas que estão
na mesa, relegando-se para último; dispersar a pouca quantidade de comida pelo
prato de modo a parecer que tem muita; partir a comida em pedaços muito
pequenos; mastigar a comida durante muito tempo; evitar conversas relacionadas
com o seu peso e hábitos alimentares; fazer exercício físico excessivo e
angustiar-se por não fazê-lo; afastar-se socialmente e abandonar atividades que
realizava.
Muito frequentemente, o maior desafio para a intervenção nesta
problemática é fazer o indivíduo reconhecer a existência de uma perturbação; com
efeito, muitas pessoas o negam, e só iniciam um tratamento quando a perturbação
está em estádio avançado de gravidade. Em determinados casos, torna-se mesmo
necessário o recurso à hospitalização para que se proceda ao restabelecimento
do peso corporal e do equilíbrio orgânico.
Estas perturbações são abordadas por equipas multidisciplinares, idealmente
compostas por médicos, psiquiatras/pedopsiquiatras, psicólogos, enfermeiros,
dentistas e/ou nutricionistas e endocrinologistas. A psicoterapia pode e deve
ser tanto individual como em grupo e família. Frequentemente é usada a terapia
cognitivo-comportamental, no sentido de reforçar hábitos alimentares
apropriados e de manutenção de peso, bem como a identificação de padrões de pensamento
ilógicos e irracionais.
Bulimia –
A bulimia nervosa envolve episódios recorrentes de ingestão
compulsiva seguidos de comportamentos compensatórios inapropriados para impedir
o aumento do peso (por exemplo, o uso de laxantes, diuréticos, enemas, o jejum,
a prática de exercício físico intensivo, etc.). Nos episódios de ingestão
compulsiva, [a] um indivíduo come, num curto período de tempo, uma quantidade
de alimentos que é sem dúvida superior à que a maioria dos indivíduos comeria
num período de tempo semelhante e nas mesmas circunstâncias; e [b] está
presente uma sensação de perda de controlo sobre o ato de comer durante o
episódio (por exemplo, sentimento de incapacidade para parar de comer ou
controlar a quantidade e qualidade dos alimentos). Em média, pelo menos 2 vezes
por semana em 3 meses consecutivos.
Vários estudos sugerem que a intervenção inspirada nos modelos
cognitivo-comportamentais e nos modelos interpessoais são eficazes para o
tratamento da bulimia, sendo bem aceites pelos clientes, e providenciando o acompanhamento
e melhoria dos problemas psicológicos comórbidos, tais como a baixa auto-estima
e a depressão.
Perturbação
de ingestão alimentar compulsiva – Caracteriza-se
pela falta de controlo que um cliente tem sobre a ingestão de alimentos. Nestes
casos, são ingeridas grandes quantidades de alimentos, num curto espaço de
tempo. Estão associados a 3 (ou mais) das seguintes situações: uma ingestão
muito mais rápida que o habitual; o comer até se sentir desconfortavelmente
cheio; a ingestão de grandes quantidades de comida, mesmo não sentindo
fisicamente fome; o comer sozinho por se sentir envergonhado pela sua
voracidade; e o sentir-se desgostoso consigo próprio, deprimido ou com grande
culpabilidade após os episódio (reconduzindo o indivíduo a novos episódios de
ingestão compulsiva, criando-se assim um ciclo vicioso). Em média, ocorrem pelo
menos 1 vez por semana durante 3 meses.
Esta perturbação poderá contribuir para um conjunto de problemas,
como a atribuição de uma importância excessiva ao peso e à forma corporal na
avaliação do valor pessoal, uma preocupação exagerada com a alimentação,
funcionamento social e ocupacional comprometido, sintomas depressivos e
de ansiedade e uma maior vulnerabilidade para o desenvolvimento de diferentes
perturbações psiquiátricas.
Perturbação
de ingestão alimentar evitante/restritiva – Consiste
na alteração da ingestão ou alimentação (por exemplo, aparente falta de
interesse em se alimentar ou na comida; evitamento baseado nas características
sensoriais dos alimentos; preocupação sobre características aversivas da
alimentação), manifestada pela incapacidade persistente de atingir as
necessidades nutricionais e/ou energéticas associada à perda de peso
significativa e/ou a uma deficiência nutricional significativa e uma dependência
de alimentação entérica ou de suplementos nutricionais orais. Ao contrário do
que acontece na bulimia nervosa não ocorrem comportamentos purgativos ou
compensatórios, o que pode levar a que os pacientes apresentem excesso de peso.
Deve distinguir-se a ingestão alimentar compulsiva do simples comer em excesso.
O comer em excesso só acontece de vez em quando, e não é acompanhado de
sentimentos avassaladores de culpa, vergonha e constrangimento.
Também para estes casos é indicada a psicoterapia
cognitivo-comportamental, onde a pessoa pode falar sobre os seus problemas e
preocupações na base da perturbação.
Pica – A pica consiste na ingestão persistente de substâncias não
nutritivas, não alimentares (por exemplo, terra, cabelo, cola, sabão), por um
período de pelo menos 1 mês. O seu diagnóstico pressupõe que o comportamento
alimentar não faça parte de práticas culturalmente aceites ou de normas de
conduta social. Poderá dever-se a deficiências nutricionais como ferro e zinco,
e à presença de uma perturbação mental, como esquizofrenia, obsessão-compulsão
ou depressão. Se provocada por deficiência em zinco ou ferro, o seu tratamento
passa por se alterarem hábitos alimentares e passar a fazer uso de suplementos
até a melhoria da condição. Um suporte psicológico é geralmente necessário
durante o tratamento desta perturbação, além do que poderá ser necessário
recorrer a poio médico para tratar danos provocados pela ingestão de
substâncias não nutritivas (como intoxicações ou infecções no sistema digestivo).
Mericismo
– O mericismo consiste na regurgitação repetida de alimentos durante
um período de pelo menos 1 mês. Os alimentos regurgitados podem ser novamente
mastigados, engolidos ou cuspidos. A regurgitação repetida não é atribuível a
uma doença gastrointestinal associada ou a outra condição médica (por exemplo,
refluxo gastroesofágico, estenose pilórica).
O que fazer perante
uma perturbação alimentar?
Invista em fazer
refeições regulares, mantendo sempre uma alimentação saudável; crie um diário
do que se come, e do que pensa/sente ao longo do dia; certifique-se de que sabe
qual é o peso ideal razoável para si, e procure ajuda especializada.
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