E que dizer então de nós, crianças grandes, os adultos. Quando
foi a última vez que ficou apenas sentado/a, sem nenhum aparelho na mão? Ou que
passeou apenas a ouvir os sons que o/a rodeiam? Ou conversou com alguém sem
desviar os olhos para um ecrã?
A excessiva ligação digital provoca várias consequências
negativas no nosso desenvolvimento, como a inibição de algumas competências
pessoais e sociais, o que nos penaliza as relações. O resultado é a perda da
espontaneidade e de oportunidades únicas de experimentar estratégias diferentes
para resolver conflitos, não desenvolver a criatividade nem o pensamento
crítico. Diminui a motivação pelo jogo simbólico e pelo brincar. E precisamos
tanto de brincar, adultos!
O silêncio é essencial para estarmos em contacto conosco
mesmos/as: entendermos a nossa subjetividade psíquica, percebermos bem as
nossas necessidades, os nossos desejos, as nossas coordenadas existenciais.
Permita-se deixar, por momentos que seja, o ruído do ‘tempo útil’ para trás e
faça um detox digital.
A importância do silêncio em Kierkegaard não pode ser sobrestimada: pense-se no facto de ter escrito um dos seus textos mais importantes sob o pseudónimo de Johannes de Silentio, numa constante alusão e retorno ao silêncio e à esperança, em obediência (palavra que significa "escutar": ob-audire).
Esta é, talvez, uma das frases mais citadas de Kierkegaard: “O estado atual do mundo e da vida em geral é de doença. Se eu fosse um médico e me pedissem a minha opinião, eu diria: "Criem silêncio". O remédio há quase 200 anos era fazer silêncio para que se ouvisse o essencial e se permitisse uma conexão com o infinito. Hoje parece ainda mais urgente fazer-se silêncio, pois não só há mais barulho por todo o lado – devido ao crescimento industrial e ao mandato económico de constante produção – como também há menos vontade de estabelecer essa relação com o espírito ou com o infinito.
Duplo ruído, acrescente-se: o tecnológico e o ideológico; não apenas as constantes rajadas de máquinas, mas também o barulho do insignificante, o burburinho do inconsequente, do entretenimento constante e da banalidade, o que Kierkegaard chamou de “snakke”.
O poeta sufi Rumi diz o mesmo na sua máxima: "Talvez você esteja a procurar nos galhos o que apenas pode ser encontrado nas raízes". Talvez a distração, o entretenimento e a dedicação para alcançar o sucesso mundano sejam um rodeio, um desvio que nos faz nunca chegar ao centro.
Kierkegaard escreveu, num texto que pode ser traduzido como "Duas Idades: "Só a pessoa que pode permanecer essencialmente silenciosa pode essencialmente falar, pode essencialmente agir. Silêncio é interioridade... A orientação interior do silêncio é a condição para uma conversa cultivada". Somente a partir da quietude interior podemos relacionar-nos plena e significativamente com o mundo exterior e estabelecer uma relação pessoal íntima.
Arnold Kone resume bem o pensamento de Kierkegaard em relação ao silêncio: ele diz-nos para pararmos de ouvir todas as vozes do mundo finito, para ouvirmos o silêncio em toda a sua tenebrosidade, e a voz virá. E com ela, a força e a coragem de 'obedecer' às exigências íntimas e individuais da visão pessoal de cada Self.
NOTA:
Aqui para si.
Com estima,
Carlos Marinho
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