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COMO APOIAR O/A DOENTE DE CANCRO?

🎗️💗 COMO APOIAR O/A DOENTE DE CANCRO? 🎗️💗 | Quando se recebe um diagnóstico de cancro, o apoio e acolhimento de familiares e amigos é de grande importância. Não é incomum, porém, que estas pessoas nem sempre saibam exatamente como fazê-lo. Antes de mais, importa que compreenda os seus próprios sentimentos em relação à situação e esteja ciente de como as experiências do Outro podem afetar a forma como está a reagir. Ressalte-se que cada paciente lida com o seu diagnóstico de uma maneira específica, no entanto algumas dicas podem ajudá-lo/a, familiar e/ou amigo, a preparar-se melhor para este desafio.

O que fazer?
- Passe tempo com a pessoa;
- Pergunte se ela gostaria de falar sobre a experiência;
- Deixe-a decidir o quê e quanto partilhar;
- Esteja disposto/as a falar sobre as experiências dela e a permitir que ela partilhe os seus medos;
- Esteja disponível para conversar quantas vezes ela quiser;
- Respeite se a pessoa precisar de espaço;
- Fale sobre outras coisas além do diagnóstico;
- Ofereça assistência mesmo com pequenas tarefas e pergunte o que poderia ser mais útil.

O que dizer?
- Pergunte como a pessoa está;
- Pergunte se ela quer falar sobre o assunto;
- Pergunte se pode fazer algo para ajudá-la;
- Seja sincero/a e diga que não sabe o que dizer, mas que a pessoa pode contar consigo;
- Diga que sente muito pelo que ela está a passar;
- Ofereça-se para ouvi-la;
- Coloque-se à disposição para ajudá-la no que for preciso;
- Peça desculpas se sentir que disse algo de errado;

O que evitar?
- Evite comparar a situação dela com a de outras pessoas;
- Evite falar nas generalidades sobre as raxas de recuperação e sobrevivência, ou minimizar a situação;
- Tente não mostrar falso otimismo ou esperança;
- Evite utilizar linguagem que pode fazer com que a pessoa se sinta culpada (por exemplo: “Tu consegues”, “Não desistas”, “Tens de lutar”);
- Evite mencionar novidades terapêuticas ou curas alternativas sobre as quais possa ter lido;
- Evite fazer menções religiosas na conversa;
- Não conte a outras pessoas: deixe que seja ela a contar a quem bem entender;
- Evite sobrecarregar o/a paciente com os seus próprios sentimentos em relação à doença;
- Evite impor a sua opinião sobre tratamentos e cuidados.

Quando uma pessoa é diagnosticada com cancro, pode levar tempo a aceitá-lo. Normalmente, precisa de um período de adaptação à nova situação. Contudo, cada pessoa reage de maneira diferente perante a doença. Há pessoas que agem como se não fosse nada, outras podem sentir frustração e raiva e algumas podem adotar uma atitude mais ativa. O importante é acompanhar a pessoa para que não se sinta só. Na necessidade de apoio para lidar melhor com esta experiência, pondere também a procura de ajuda profissional.
 
Com estima,
Carlos Marinho

[#TBF: A EXPERIÊNCIA ROSA, projeto que levei a cabo no ano passado, na Delegação de Braga da Liga Portuguesa Contra o Cancro; grande obrigado à Dra. Fátima Soeiro e à Dra. Joana pela vívida e generosa humanidade com que acolheram a Experiência ROSA, e pelo extraordinário trabalho que têm vindo a conduzir no apoio ao doente oncológico, aos familiares e/ou cuidadores, e a todos os profissionais de saúde envolvidos na prestação de cuidadores em oncologia, assim como na promoção da saúde e na prevenção do cancro. Um enorme bem-haja]




Cancro da Mama: Uma Experiência Potencialmente Traumática

O cancro de mama é uma neoplasia muito frequente entre as mulheres, tendo vindo a registar um aumento em mulheres com idades mais jovens. Quer pela natureza imprevisível e ameaçadora de vida, quer pelas mudanças que impõe no quotidiano dos pacientes, é considerado uma experiência traumática e, como tal, desafia os esquemas de assunções e crenças através das quais cada ser humano organiza a informação acerca de si próprio, dos outros e do mundo (Janoff-Bulman, 1992; Lepore & Helgeson, 1998).

À semelhança de outras experiências traumáticas em que o indivíduo vai procurar integrar a informação relacionada com o trauma nos esquemas mentais pré-existentes (Horowitz, 1986), também o doente com cancro necessita integrar a experiência da doença nos seus modelos mentais prévios (Lepore & Helgeson, 1998).

Este processo, que conduz à adaptação (Lepore & Helgeson, 1998; Lepore, Ragan & Jones, 2000), é designado por processamento cognitivo do acontecimento, e, de acordo com Lepore e Helgeson (1998), refere-se às atividades mentais que ajudam o indivíduo a interpretar os acontecimentos traumáticos e a integrar aspectos ameaçadores ou confusos da experiência num quadro conceptual coerente e não ameaçador.

De facto, um diagnóstico de cancro prediz um momento angustiante na vida da mulher e provoca várias transformações na sua vida pessoal e relacional (Bultz, Speca, Brasher, Geggie, & Page, 2000). O seio é um símbolo de feminilidade e erotismo por excelência, sendo que qualquer ocorrência de dano nos seios afecta a imagem que a mulher tem do seu corpo e da sua feminilidade. Com efeito, das preocupações associadas com a sua feminilidade, também a sexualidade é um das maiores fontes de angústia para a mulher e para o casal (Duarte & Andrade, 2003).

Cancro na Mama: Repensando a Sexualidade

Dado o impacto emocional significativo do cancro da mama, é frequente o surgimento de depressões e elevados níveis de ansiedade. Assim, as alterações emocionais decorrentes do diagnóstico, dos respectivos tratamentos e da necessidade de constante adaptação à nova condição da mulher, levam a que as intervenções psicológicas sejam pertinentes ao reduzir as alterações emocionais e ao aumentar a qualidade de vida da mulher e dos que a rodeiam (Reese et al., 2010).

Neste contexto, a família é uma fonte de suporte constante e relevante para a mulher. O cancro de mama tem consequências quer para a paciente como para o seu parceiro, na medida em que influencia a imagem corporal, a sexualidade e o relacionamento (Barradas, 2009).

Em caso de existir um relacionamento amoroso, o parceiro é uma das principais fontes de apoio, sendo determinante a qualidade deste apoio para o bem-estar da mulher (Manne et al., 2006). Apesar de se assumir que alguns casais, após diagnosticada a doença, fortalecem o seu relacionamento, outros vêem-no afectado pela diminuição da auto-estima da mulher (Ramos & Patrão, 2005).

De facto, muitas vezes, a relação é afectada pela difícil adaptação à doença e pelas alterações decorrentes dos tratamentos, revelando-se assim a preponderância de um suporte social e familiar coeso e adequado, facilitador do processo adaptativo, tanto do casal como da família (Boehmer & Case, 2007).

Dado que a satisfação da mulher com o relacionamento é influenciada pelo contexto social em que o relacionamento está inserido, a comunicação, a compreensão e a percepção de ser aceite pelo conjugue levam a mulher a sentir-se satisfeita com o relacionamento mantido (Scorsolini-Comin & Santos, 2009).

No entanto, a sexualidade de mulheres com cancro de mama continua ainda a ser um tabu, assente no mito de que estas mulheres não se interessam mais em actividades de intimidade e sexuais, criando um obstáculo à comunicação aberta sobre a sexualidade em mulheres com cancro de mama (Karabulut & Erci, 2009).

Os tratamentos a que as mulheres são submetidas para o combate à doença, a redução da capacidade física para dar e receber prazer sexual, a indisposição física, e as consequentes alterações psicológicas, têm consequências ao nível da sexualidade, sendo frequente a ocorrência de disfunções sexuais (Mercadante et al., 2010). O grande desafio que, muitas vezes se coloca aos casais é a capacidade de repensar e reinventar a sua própria sexualidade.

Na nossa sociedade, a visão sobre a sexualidade dos casais tem sido associada ao acto sexual em si e à reprodução, em detrimento de outras dimensões da relação que vão desde o ajuste emocional do casal, à cumplicidade de afectos, aos olhares e carícias (Gradim, 2005).

Com efeito, o conceito de sexualidade envolve sentimentos relativos ao corpo, à necessidade de toque, ao interesse em actividades sexuais, ao sentir-se desejado, à comunicação entre ambos e ao envolvimento em actividades sexuais satisfatórias (Henson, 2002), assumindo-se, deste modo, que se trata de uma experiência biopsicossocial que não pode ser explicada através do estudo biológico hormonal, ou psicológico, isoladamente (Speer et al., 2005).

A importância da comunicação entre o Casal

No número dos vários mecanismos facilitadores deste processo de adaptação e de recuperação emocional, ganha centralidade a capacidade de comunicação e de partilha de experiências a nível do casal.

Com efeito, a comunicação entre o casal sobre aspectos associados ao cancro revela-se um predictor importante na adaptação de ambos os elementos do casal ao cancro, além de impactar na qualidade do relacionamento conjugal (Manne et al., 2006). Segundo Speer et al. (2005), falar acerca dos sentimentos e encontrar soluções para os problemas decorrentes do cancro são aspectos importantes. Em primeiro lugar, porque este investimento na capacidade de comunicação permitirá diminuir a tensão emocional e a ansiedade, não só de um, mas também do outro. Em segundo lugar, permitirá ao doente receber feedback dos outros sobre as suas reações, e assim, normalizar a sua própria experiência. Por outro lado, permitirá também uma melhor resolução dos problemas, na medida em que o doente pode passar a ver a sua situação a partir de uma perspetiva diferente, mais ampla e mais objetiva.

De forma geral, a comunicação aumenta a probabilidade dos membros do casal se sentirem emocionalmente próximos e mais íntimos.

Para assegurar uma boa comunicação, importa que ambos: a) escutem com atenção, mantendo contacto visual e demonstrando que se estão a ouvir um ao outro; b) não interrompam o outro; c) clarifiquem o que estão a ouvir, confirmando e resumindo o que ouviram para se certificarem de que está correto; d) falem, mantendo contacto visual direto, ficando atentos às expressões e sinais corporais do cônjuge; e) façam questões abertas para propiciar o diálogo; f) falem somente o necessário e mantenham a atenção do outro; g) quebrem o silêncio para propiciar reflexões ou realçar o que se está a comunicar; e h) evitarem questionar o cônjuge e também porem questões que dificultem a comunicação.

O apoio do companheiro revela-se de extrema importância para a sexualidade da mulher (Holmberg et al., 2001).

A qualidade do relacionamento parece, efectivamente, ser um factor importante na determinação da função sexual da mulher, nos processos da excitação, lubrificação, orgasmo e satisfação (Speer et al., 2005).

Deste modo, a afectividade enquanto dimensão da sexualidade torna-se primordial para mulheres que passam pela doença, no que refere ao apoio do parceiro (Barbosa, 2008). Quer o paciente como o seu parceiro precisam de estar cientes que durante o período de depressão e perda de desejo sexual, o casal precisa de encontrar alternativas para expressar carinho e amor (Speer et al., 2005).

As mulheres sentem-se sexualmente mais atrativas quando são acariciadas, quando são abraçadas, acarinhadas ou receberem mais atenção (Gradim, 2005). Alguns doentes são capazes de renegociar a sexualidade, de modo a incluir práticas anteriormente secundárias ao coito, como a masturbação mútua, uso de vibradores, etc. A renegociação de práticas alternativas redefine a intimidade sexual, a comunicação e o contexto relacional, sendo que potenciais dificuldades nesta renegociação poderão estar associados ao imperativo do coito, a problemas na relação sexual ou na comunicação anteriores ao cancro, e ao posicionamento da pessoa com cancro como um doente sem actividade sexual em vez de se posicionar enquanto parceiro sexual (Gilbert, Ussher & Perz, 2010).

 Apesar do papel positivo da partilha de medos, preocupações, e pensamentos relativos à doença na adaptação individual e relacional do doente, surgem, por vezes, obstáculos a essa partilha (Manne et al., 2007).

Outra das razões que pode estar subjacente a estas dificuldades é o desejo, por parte de um dos elementos da díade, de não perturbar o parceiro ou incomodá-lo com os seus receios e preocupações, evitando ou sonegando partilhas – enformando aquilo que, na literatura científica, Coyne e Smith (1991) designam por protective buffering.

 Os perigos do protective buffering

Apesar de a intenção subjacente ao uso dessa estratégia ser a promoção do bem-estar do companheiro (doente ou não) e a sua protecção quanto às preocupações relacionadas com a doença, com o objetivo último de diminuir ou evitar a sua perturbação emocional, alguns estudos têm mostrado que essa estratégia não traz benefícios ao doente, ao companheiro ou ao casal (Coyne & Smith, 1991).

Entre doentes com cancro e os seus companheiros, Manne, Dougherty, Veach e Kless (1999) observaram que quando as esposas e doentes do sexo feminino utilizavam essa estratégia, 3 meses depois apresentavam maior perturbação psicológica.

Num outro estudo (Manne et al., 2007), apenas com doentes com cancro da mama e os seus companheiros, verificou-se que o uso dessa estratégia por parte da doente predizia maior perturbação emocional para ambos.

A comunicação é assim, a pedra angular sobre a qual deve assentar o companheirismo, a mutualidade, e a reciprocidade do casal, benéficos à habilidade da mulher em vencer a doença, e (re)lançarem uma relação de casal unida e harmoniosa (Barradas, 2009).

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Sempre Aqui.

Com estima,
Carlos Marinho

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