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PENSAMENTOS INTRUSIVOS & OVERTHINKING (RUMINAÇÃO)

1: INTRO

"Sou velho e já passei por muitas dificuldades, mas a maioria delas nunca existiu" (atribuído a Mark Twain)

Estima-se que uma pessoa tenha de 40 a 60 mil pensamentos por dia. A maioria das situações com as quais nos preocupamos acaba de forma positiva ou neutra. Mas já alguma vez se sentiu atormentado/a por pensamentos ou imagens que simplesmente não queria ter? Talvez aquele pensamento irritante: “cometi um erro” ou “acho que está algo de errado comigo” ou “vou perder o controlo”. Estes pensamentos parecem interferir consigo e, naturalmente, tenta bloqueá-los, pensando para si próprio/a: “Lá vem aquele pensamento outra vez”, “O que há de errado comigo para que esteja a pensar nisto?”, “Deve querer diz qualquer coisa”, “Tenho de fazer qualquer coisa e ter a certeza que não se torna uma realidade”, e “Tenho de parar de ter este pensamento”. Neste momento, está a lutar contra a sua mente e surge outro pensamento, como: “as pessoas normais não têm estes pensamentos”. É como se uma parte de si tivesse medo do pensamento e, por isso, representa algo muito negativo sobre si ou talvez seja punido/a por isso. São os pensamentos intrusivos.

2: PENSAMENTOS INTRUSIVOS

Os pensamentos intrusivos, também conhecidos como pensamentos obsessivos, são pensamentos inadequados que irrompem pela nossa consciência e não conseguimos afastá-los com facilidade. Para a maioria das pessoas, os pensamentos intrusivos são apenas um inconveniente passageiro que se consegue ignorar sem maiores dificuldades. São pensamentos normais que ocorrem como forma do nosso cérebro interpretar riscos e preparar-se para situações de perigo.

Certamente todos/as nós já experimentamos, em diferentes graus, algum tipo de pensamento intrusivo.

Nem todos os pensamentos intrusivos são perigosos, mas quando se apresentam, na sua esmagadora maioria, como negativos podem estar ligados a um medo ou experiência negativa, como um trauma que não foi devidamente processado. Estes pensamentos obsessivos em grande frequência podem estar associados à ansiedade, já que procuram antecipar situações, podendo gerar preocupações desnecessárias e nervosismo. Em geral, abordam temas sensíveis ou polémicos, de origem sexual ou violenta: é comum que as pessoas sintam vergonha e não contem a outros.

O grande desafio neste tema não são os pensamentos em si, mas sim, a forma como os avaliamos, como tentamos eliminá-los e como evitamos situações que os despoletam. Por outras palavras, o problema não é o pensamento, mas o que tentamos fazer com ele. Por isso, é importante termos em mente as seguintes regras:

A) Todos/as temos pensamentos loucos e indesejados – Estudos com pessoas sem perturbações da ansiedade mostram que cerca de 90% têm pensamentos “bizarros”, como pensamentos sobre contaminação, magoar alguém, ou perda de controlo. Todos/as nós já pensámos nisto pelo menos uma vez. Talvez estes pensamentos “estranhos” não signifiquem nada sobre nós – fazem apenas parte da nossa imaginação.

B) Os pensamentos não são o mesmo que a realidade – Experimente lá pensar num pote de ouro. Pense nisso o dia todo. Deseje-o com veemência. No final do dia, tudo o que terá serão apenas muitos pensamentos. E não, os pensamentos não podem ser trocados por ouro.

C) Tentar eliminar os pensamentos não funciona – O pensamento volta sempre. Vou pedir-lhe que não pense em ursos brancos neste momento. O que é que acontece? A supressão do pensamento conduz-nos sempre à recuperação desse pensamento.

Estudos mostram que as avaliações e as estratégias de controlo dos pensamentos e imagens intrusivos são características centrais das perturbações de ansiedade. As pessoas com Perturbação Obsessiva-Compulsiva tentam eliminar e neutralizar pensamentos e imagens, muitas vezes com rituais compulsivos. Por outro lado, as pessoas com ansiedade social tendem a interpretar os seus pensamentos intrusivos sobre “parecerem ansiosas” como o equivalente a serem humilhadas. E as pessoas com Perturbação Stress Pós-Traumático tendem a ter as suas imagens e sensações intrusivas como evidência de que o trauma está a acontecer neste preciso momento. É como se estivéssemos a fugir da nossa mente. É como tentar fugir da nossa própria sombra. Por muito que tentemos fugir, ela estará sempre lá.

Quando se sentir pressionado/a pelos seus pensamentos, será bom questioná-los: “será que não estou a exagerar? São ideias reais e possíveis ou exageradas e fantasiosas? Quais as chances desses pensamentos se concretizarem?”, e lembrar-se que não é por terem sido pensados que serão realizados. 

É impossível controlar absolutamente todos os nossos pensamentos. É preciso lembrar que estes pensamentos não são necessariamente um reflexo do nosso ser. Sabemos que apresentam algumas características, como o fato de surgirem espontaneamente e em horas inoportunas e serem difíceis de descartar, bem como atrapalharem a concentração.

Na grande maioria das vezes não trazem soluções, apenas trazem preocupações e sensações negativas. São temores que geram mais inquietações, causando desconforto e ansiedade. Não raro, causam extrema autocrítica e apresentam interpretações terríveis sobre o que pode acontecer. 

Os pensamentos intrusivos podem ocorrer de diversas formas. Como vimos anteriormente, nem sempre eles são negativos, mas podem causar desconforto e até mesmo prejudicar o quotidiano de quem sofre com eles. De maneira geral, a manifestação dos pensamentos intrusivos pode ser dividida em três principais categorias:

i. Pensamentos agressivos: aqueles que trazem à mente imagens violentas e podemos imaginar incorrer atitudes agressivas e violentas junto de entes queridos, ou de desconhecidos;

ii. Pensamentos sexuais: que envolvem interesses e curiosidades sobre atividades sexuais, podendo ser tanto de natureza carnal, como questionamentos repetitivos sobre a sexualidade ou a orientação sexual. Às vezes podem também ser pensamentos voltados à possível infidelidade dos/as parceiros/as, ou questionamentos excessivos quanto à sinceridade dos seus sentimentos.

iii. Pensamentos indesejáveis ou negativos.

COMO LIDAR COM PENSAMENTOS INTRUSIVOS?

1: É importante lembrar que estes pensamentos são apenas isso: pensamentos. O segundo passo é enfrentá-los ao invés de evitá-los. Pergunte-se se seria mesmo capaz de fazer o que imaginou, se isso teria alguma real possibilidade de acontecer.

2: É igualmente indicado fazer uso da meditação: respire fundo e procure concentrar-se no presente, no real e físico.

3: Procure descobrir quais são os gatilhos dos pensamentos. Todos/as temos pensamentos negativos e precisamos conviver com eles, mas se algum assunto causar desconforto e pensamentos cíclicos negativos, esse poderá ser um gatilho a registar.

4: Não tem por que se sentir culpado/a pelos seus pensamentos, nem mesmo pelos sentimentos que eles provoquem. Dê-se tempo para que eles desapareçam, focando a sua atenção noutras atividades.

5: Não é aconselhável tentar descobrir um possível significado para estes sentimentos, já que ao fazê-lo irá causar mais ansiedade e, consequentemente, proporcionar mais pensamentos intrusivos. Procure ocupar os seus pensamentos com assuntos que lhe tragam conforto e bem-estar, mudando o foco das coisas que possam aumentar o stress e a ansiedade para temas mais agradáveis.

6: Faz parte do processo de tratamento dos pensamentos intrusivos entender que o problema não é a pessoa, mas sim a forma que ela lida com o pensamento.

7: Existem muitas opções de tratamento psicológico para pensamentos intrusivos/obsessivos. A psicoterapia ajudá-lo/a-á a encontrar os melhores caminhos para aprofundar a sua autoconfiança e proporcionar formas saudáveis e efetivas de enfrentar estes pensamentos.

3: RUMINAÇÃO ou OVERTHINKING

Usa-se o termo 'ruminação' - ou 'overthinking' ('pensar demais') - para nos referirmos a uma cadeia de pensamentos repetitivos, geralmente sobre um episódio negativo do passado, que se vai perpetuando ao longo do tempo, num ciclo interminável. Acionamos e vamos analisando esse episódio, uma e outra vez, sem chegarmos a qualquer solução ou alternativa. Não se trata de acolhermos muitos pensamentos ao mesmo tempo, mas sim, de um pensamento que vai girando continuamente. O termo poderá parecer bizarro já que o ato de 'ruminar' é uma característica de certos mamíferos como a vaca, que ingere os alimentos, regurgita-os para a boca e torna a mastigá-los. 

Apesar da ruminação estar presente em todas as pessoas em certo grau, nem toda ruminação é igualmente disfuncional.

A literatura aponta evidências de que a ruminação é prejudicial quando associada a tendências disfóricas (mau humor, tristeza e desmotivação) e/ou associada a traços de personalidade presentes no fator neuroticismo, ou seja, ao nível do desajustamento emocional e da vulnerabilidade para desenvolver stress e ansiedade, depressão, sentimentos de culpa, baixa autoestima, tensão, irracionalidade, timidez, tristeza e emotividade.

É possível evitar a ruminação disfuncional através das seguintes medidas:

1. O PROBLEMA RARAMENTE É O PROBLEMA: Não é às pessoas ou às situações, em si mesmas, que reagimos: reagimos, sim, é à forma como as interpretamos, e essa interpretação depende de como nos organizamos interiormente, nas nossas emoções e cognições. O incómodo ou perturbação é gerado pelos pensamentos que acolhemos, não por uma realidade essencialista. Na maior parte dos casos, o problema não é o problema, mas sim a maneira como pensamos acerca do que consideramos 'problemático'.

2. EVITE A AUTO-REJEIÇÃO: Acha que não merece aquela oportunidade? Candidate-se mesmo assim. Acha que o seu artigo não é bom o suficiente? Publique-o na mesma. Acha que não irão responder ao seu e-mail? Envie-o mesmo assim. Não deixe que a ruminação o/a paralise: nem que para isso tenha de forçar-se a alguma artificialidade ou atuar contra-intuitivamente. Foque-se em lançar as sementes, depois tratamos da recolha.

3. TEMPO E SILÊNCIO: Muitas pessoas acreditam que se ainda não resolveram os seus problemas é porque ainda não se esforçaram o suficiente, e lançam-se numa sôfrega escalada de ruminações orientadas para a tentativa de resolução, acabando por perpetuar estados de tensão e ansiedade. Não caia neste logro da mente. Permita-se parar e afastar-se do cenário, dê-se liberdade para descansar, tome tempo para cuidar de si próprio/a em silêncio, para saborear momentos de prazer e ócio mental, seja a sós, seja em companhia de outras pessoas positivas. O bem-estar daí decorrente só poderá aumentar a disponibilidade para lidarmos com as inevitáveis dificuldades do dia-a-dia.

4. UMA QUESTÃO IMPORTANTE: Quando começar a criticar-se por erros ou mis-steps passados, ou a catastrofizar tudo à sua volta, páre para se perguntar: "Existe alguma coisa que eu possa fazer agora mesmo para mudar o passado ou influenciar positivamente o futuro?". Se a resposta for 'sim', faça-o - avance para a ação. Se a resposta for 'não' - deixe ir! Ou agimos ou deixamos ir. O resto é auto-sabotagem.

5. O PODER DO AGORA: Não é a ruminação que lhe permitirá um melhor passado ou um melhor futuro. Tudo o que temos é o 'aqui e agora'. Faça lá as pazes com o que não pode mudar, e procure-se no seu presente.

6: FAÇA UMA VERIFICAÇÃO DE DADOS AOS SEUS PENSAMENTOS. Os nossos pensamentos podem classificar-se em «pensamentos reflexivos» e «pensamentos automáticos», sendo os primeiros mais lentos, profundos e exigentes do ponto de vista do esforço mental, e os segundos, mais rápidos e mais espontâneos. No entanto, por estarem associados a um raciocínio superficial, os «pensamentos automáticos» apresentam uma maior probabilidade de incluir erros de lógica, e sob influência da ansiedade e depressão mais ainda. Designados por Pensamentos Automáticos Disfuncionais, estes são processados por distorções cognitivas de lógica, geram cenários infundados, que apenas refletem os nosso próprios medos, preocupações e inseguranças, resultando geralmente em grande sofrimento emocional ou prejuízo comportamental. Veja lá até que ponto não estará a ser enganado/a pelos exageros da mente distorcida.

7. ACEITAÇÃO É PAZ: A ansiedade não assegurará um futuro isento de dificuldades, nem mudará positivamente o seu passado. A paz encontramo-la na aceitação do que é imperfeito, do que é incerto, do que é incontrolável. Ninguém é obrigado/a a compreender, a tolerar ou até mesmo a esquecer alguma coisa: mas se quisermos paz, deveremos aceitá-la.

8. A SAÚDE COMEÇA NA MENTE: O mais robusto indicador de saúde mental está na qualidade da relação que temos com o nosso mundo interior. A forma como o governamos determina em larga medida o muito (ou muito pouco) que extraímos da vida, e o tanto (ou não) que conseguimos fruir dela. Um governo autoritarista, assente na repressão de facetas internas nossas, não provocará organização nem estabilidade: mas dor. A dor de sermos privados/as de uma vida completa e autêntica. Que possamos sempre libertar-nos dos vários grilhões que condicionam a nossa plenitude humana: sejam eles internos ou externos. Lembre-se sempre: não temos motivo algum para desconfiar do nosso mundo, interior pois ele não está contra nós. Caso possua terrores, são os nossos terrores; caso surjam abismos, esses abismos pertencem-nos; caso existam perigos, então precisamos de aprender a amá-los. Só o autoconhecimento e a autoceitação têm o poder de transformar a sua vida, de validação externa em validação externa, para uma de significado interno em significado interno.

Saiba mais em consultório.
Aqui para si.

Com estima,
Carlos Marinho

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