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90% DOS CASAIS TERMINA AQUI


A maioria das relações de intimidade amorosa passa por TRÊS ETAPAS, e 90% dos casais termina na segunda delas. 

1a Etapa: ENAMORAMENTO: é a etapa das "lentes cor de rosa" em que a novidade e a compatibilidade fazem com que se segregem grandes quantidades de dopamina e feniletilamina, que nos fazem idealizar a figura amada (e vê-la de forma distorcida). O casal sente desejo de proximidade, diverte-se e não discute, porque o nível de compromisso é baixo

2a Etapa: DECEÇÃO: é a etapa em que se nos cai a máscara e deixamos que venham à superfície os traços reativos da nossa personalidade. O compromisso aumenta e surge o "verdadeiro eu" das pessoas: à superfície, chegam as suas feridas emocionais, os seus medos, inseguranças, o seu estilo de vinculação, e os seus hábitos emocionais destrutivos. Há bons momentos na relação, mas nesta etapa começam os ciclos de discussões que se repetem, uma e outra vez. É nesta etapa que a maioria das relações termina caso se tenham estruturado apenas desde a reatividade emocional e não desde a experiência de um amor maduro.

É aqui que se descobre a dinâmica mais comum entre os casais: justa-se uma pessoa com um estilo de vinculação ansioso (a que insiste em conectar-se com a parceria, resolver os problemas, que exige e reclama o que quer) e outra com um estilo de vinculação evitante (a que se fecha, tem medo do conflito, bloqueia, prefere afastar-se ou ficar em silêncio). 


Neste etapa, os casais podem passar anos a sentirem-se insatisfeitos, emocionalmente desconectados, em sofrimento, duvidando da relação, separando-se e voltando-se a reunir, até chegarem ao limite da dor e à rutura definitiva. Ou podem curar-se, transformar-se e passar à terceira etapa. 

3a Etapa: RECONSTRUÇÃO/CONEXÃO REAL: é nesta etapa que floresce o amor além da adição neurobioquímica. Já tomamos a decisão de amar a pessoa depois de conhecer o seu 'lado mais sombrio'. É quando a nossa forma de amar é mais madura, somos companheiros/as e não proprietários/as do Outro. 

A esta etapa só chegam as pessoas que fizeram trabalho interno, curando as suas feridas e alcançando um estilo de vinculação seguro. Nesta fase a experiência é de paz, pautada pela capacidade de expressão de emoções e necessidades, podendo o casal ter conversas incómodas, mas sempre confiando na presença e disponibilidade da parceria. Consegue-se uma conexão real e sentem-se melhor do que na etapa do enamoramento

COORDENADAS RELACIONAIS: E AGORA?

Se estás na etapa da deceção ("gosto de ti, mas não te suporto") é aqui que o amor deve prevalecer para lá das dificuldades, dos defeitos e das brechas da idealização. Para amar, não basta amar. Diferentemente dos contos de fadas e das comédias românticas, é preciso dedicarmo-nos à relação amorosa para que ela seja significativa. 

[O Romantismo deu-nos um roteiro de expectativas irrealistas: oferece-nos uma ideia bem intencionada mas fatalmente distorcida de como as relações podem funcionar.

Poderá ser útil consultar criticamente o roteiro de expectativas ilusórias do Romantismo: esse onde encontramos critérios como: (a) devemos conhecer uma pessoa de beleza interior e exterior extraordinária e sentir imediatamente uma atração especial por ela, e ela por nós; (b) devemos ter sexo altamente satisfatório, não apenas no início, mas sempre; (c) nunca devemos nos sentir atraídos por outra pessoa(d) devemos entender-nos intuitivamente(e) não precisamos de uma educação no amor: basta seguirmos a intensidade dos nossos sentimentos(f) não devemos ter segredos e devemos passar muito tempo juntos (o trabalho não deve atrapalhar); (g) devemos criar uma família sem qualquer perda de intensidade sexual ou emocional(h) o 'objeto da nossa paixão' deve ser a nossa 'alma gémea', melhor amigo/a, pai/mãe, motorista, contador/a, coordenador/a da casa e guia espiritual...

 Precisaríamos de substituir o gabarito romântico por uma visão psicologicamente madura do amor que estimule em nós diversas atitudes nada familiares, mas, esperançosamente, eficazes, como: (1) perceber que é normal que amor e sexo nem sempre devam estar juntos(2) perceber que falar sobre dinheiro no início, de forma direta e séria, não é uma traição ao amor; (3) perceber que somos imperfeitos/as, e que o Outro também, de forma a aumentar a tolerância e generosidade em circulação; (4) perceber que nunca encontraremos tudo noutra pessoa, nem ela em nós, não por causa de alguma falha peculiar, mas pela própria natureza do funcionamento humano; (5) perceber que precisamos de fazer esforços tremendos, e frequentemente um tanto artificiais, para nos entendermos; e de que a intuição não pode sempre levar-nos aonde precisamos de ir; (6) perceber que passar duas horas a discutir lides domésticas (como pendurar as toalhas na casa de banho ao invés de deixá-las no chão) não é algo trivial nem casual: há uma dignidade especial em cuidar da casa, limpar, lavar a roupa e cumprir com horários].

Devemos permanecer PRESENTES NA RELAÇÃO. Isto significa ficarmos atentos às nossas necessidades e às necessidades da nossa parceria, com máximo respeito e devoção. Mas e quando o relacionamento já esfriou afetivamente? Como reavivar o amor no casamento ou no namoro? É mesmo possível fazê-lo depois de tantos anos juntos? 

Se a relação não estiver saturada ou muito danificada por desavenças, a resposta é afirmativa

(1) A comunicação é essencial – sempre: não evites a ‘discussão de relação’. Os conflitos são a expressão das diferenças e desejos encontrados, servindo para esclarecer e para nivelar expectativas. Servem para reafirmar, por um lado, a individualidade dos membros do casal e, por outro lado, encorajá-los a reforçar o ‘nós’ relacional, trazendo assim a ambos o germe da transformação e do crescimento. Contrariamente ao afastamento/evitamento, discutir a relação de forma aberta favorece a interação intimista, incentiva o espírito de confiança, de compromisso, e de respeito mútuo. 

Geralmente, o afastamento é um comportamento inconsciente incorrido para tolerar o desconforto vivido na relação. Não raro, encontrámo-lo baseado em comportamentos aprendidos no círculo familiar em que a parceiria foi criada. Relações familiares tensas, com pouca afetividade, resultam frequentemente em pessoas incapazes de – ou com grande dificuldade em – expressar as próprias emoções. Mesmo apaixonadas, estas pessoas marcam uma certa distância da outra, já que é o que está no seu ‘banco de dados’ interno: ninguém lhes ensinou a demonstrar carinho e, consequentemente, não sabem como fazê-lo. Pode também acontecer que a pessoa tenha sido criada num ambiente em que as figuras cuidadoras estavam em constante conflito, levando-a a marcar uma certa distância como forma de evitar que a mesma coisa aconteça no seu lar. 

Conversa então com a tua parceria, frente a frente, escolhendo para isso um tempo e espaço apropriados, certificando-te que estão calmos/as e não sob influência de reatividade emocional. Explica como te sentes, e que pontos da relação achas que ambos precisam de melhorar para otimizá-la. Acolhe o feedback com atenção e humildade, livre de censuras e provocações. Espera-se que para chegarem a um acordo mútuo, estejam ambos/as capazes de fazer a devida cedência, abdicando do desejo de impor uma versão absoluta dos eventos. 

(2) Combater juntos/as a monotonia: se a rotina é, pelo menos parcialmente, um fator responsável pelo esfriamento ou estagnação da relação, é importante que ambos unam esforços para revertê-lo. Se existem situações capazes de aproximar-vos novamente, o que está em causa serão então falhas no contexto, e não nos sentimentos. Cuidar da relação diariamente, organizar novos planos, serem mais atenciosos/as um/a com o/a outro/a, tentarem surpreender de quando em vez, encontrarem novos gostos em comum, diversificarem os atrativos das relações sexuais, ou desenvolverem uma intimidade mais espontânea/ improvisada - namorarem mais! Propõe à tua parceria atividades para sairem da rotina, como viajar a dois ou em grupo, conhecerem uma cidade próxima, passearem por um ponto turístico ou espaço público da cidade, fazerem um desporto (radical), irem a um evento local, assistirem a uma peça de teatro. Podem também estabelecer um compromisso semanal ou mensal, como sair para jantar, na expectativa de passar a semana na antecipação do encontro (renovando o plano sempre que ficar monótono). 

(3) Expressa os teus sentimentos com sinceridade: como pode a outra pessoa saber que a amas, se o não demonstrares? Quanto mais subtil for a expressão de afeto, mais tendemos a duvidar da existência dele. Beija, abraça e troca carícias com mais frequência. Di-lo através de palavras, de cartas, de elogios, de mimos. Expressa o teu amor em momentos inusitados, entende quais são as demonstrações que mais agradam à tua parceria (ela/ele pode ser mais reservado/a e preferir expressões mais discretas, por exemplo) e investe nelas. 

(4) Lembrarem-se dos momentos bons pode ajudar-vos a encontrar/reviver razões para não desistirem do amor na relação: explorem as vossas lembranças mais calorosas, ao lado um/a do/a outro/a. Por exemplo, vejam fotografias, contem histórias engraçadas do passado, partilhem as vossas primeiras impressões um/a do/a outro/a, releiam (ou refaçam) os vossos votos do casamento e visitem locais importantes para ambos (e.g., onde se conheceram, onde tiveram o primeiro encontro ou encontros memoráveis, onde se divertiram sem preocupações com o dia seguinte, o primeiro destino de viagem a dois, entre outros);

(5) Avaliar a possibilidade de procurar ajuda profissional, realizando nomeadamente terapia de casal: reconhecer que há um problema na relação é o primeiro passo. Um profissional pode ajudar o casal a tornar a relação saudável e, assim, preservá-la. O casal deve escolher o tipo de terapia mais adequada ao perfil dos dois. Casais que aprendem a resolver problemas juntos são os mais bem-sucedidos. Perceba-se que a relação em si deve ser maior do que qualquer problema. 

Quando, no entanto, percebemos que o resgate da relação está além dos nossos objetivos ou capacidades, saibamos aceitar o seu término. Esta não é uma decisão fácil: por esse mesmo motivo, antes de qualquer decisão, reflete bem. Mas tem sempre em mente que a vida é algo que passa muito rapidamente e não há por que desperdiçá-la sendo infeliz ou tentando agradar aos outros. Por muito dolorosa que seja, a crise gerada pela experiência de término relacional abre também espaço e possibilidade para que nos possamos reinventar. Este pode ser o momento certo para cuidarmos melhor da nossa trajetória de desenvolvimento, crescimento e amadurecimento pessoais. 

Sabe mais em consultório.
Aqui para ti. 

Com estima,
Carlos Marinho

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