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FELIZ ANIVERS... NÃO?

Parabéns a vo… Não? Bem, celebrar o aniversário pode constituir uma oportunidade de fruição da vida, desejado e importante, mas a ocasião não é vista da mesma forma por todos/as. Na semana passada, chegou-me a consultório este discurso: “Não sei que faça este ano no meu aniversário. Ou convido as pessoas para comemorar ou fico na minha. Não sei se quero comemorar. Verdade seja dita, não gosto destas datas. É o meu dia e tenho de providenciar tudo: a festa, os convites, a decoração, a comida, o bolo. A aniversariante é a que tem mais trabalho e menos se diverte. E quem disse que sou obrigada a comemorar? Posso ignorar a data e seguir com a minha vida. Certo? É apenas mais um ano”. 

Comemorar o aniversário leva-nos a refletir sobre a vida, sobre a nossa biografia, e a questionar as nossas prioridades. É, geralmente, uma época de balanço. Contribui para a construção equilibrada da noção do ‘Eu’, para sedimentar a consciência de quem somos e a fase do percurso em que nos encontramos. Se a celebração do aniversário simboliza a celebração da própria vida, ao percebermos e evitarmos a ocasião como aversiva talvez estejamos, consciente ou inconscientemente, a recusar o reconhecimento de partes dela - partes que nos magoam ou perturbam. 

Recuemos até àquela (assim tão longínqua?) criança que fomos, e que por vezes parecemos esquecer no somatório dos dias apressados – a criança que, ainda não consciente do tempo que se esgota, se impacienta de entusiasmo com a festa e com o reconhecimento que ela providenciará. Como era o seu aniversário em casa? Que faziam para fazê-lo/a sentir-se especial? Sabiam que presente o/a animaria mais? Dedicavam-lhe palavras bonitas? Celebravam o seu crescimento? Convidavam as pessoas importantes para si? Centravam-se em si nesse dia? Talvez esse dia, em sua casa, fosse um dia igual a todos os outros – “é só mais um dia”; talvez não o/a fizessem sentir-se importante, talvez não o/a fizessem sentir-se especial. Ou talvez no fundo, apesar de todos os aparentes cuidados à sua volta, não se sentisse verdadeiramente satisfeito/a na sua necessidade de reconhecimento. Por detrás do diálogo displicente de “é só mais um ano”, talvez esteja alguém que necessita que se preocupem com ele/a, que lhe dediquem (mais) atenção. Não celebrar, e fazer disso bandeira, dá a estas pessoas a ilusão de que dominam a situação: colocando-se fora de cena, evitam ser ignoradas ou não lembradas. Talvez agora, em idade adulta, com a intenção de se poupar à dor e às deceções, prefira não celebrá-lo, ainda que uma parte de si, uma criança interior, continue a sentir que não é importante. E ao fazê-lo, sem dar-se conta, acaba por confirmar o pior medo dessa criança: “sou dispensável” (veja o ‘Ciclo Vicioso’ na publicação de Instagram).  

É possível que nos sintamos todos/as assim quando pensamos no sopro de efémera brevidade que é a vida. O nosso ‘Eu’ não tolera bem a finitude. Talvez recusar a celebração seja também uma forma de tentativamente nos alienarmos deste doloroso reconhecimento. 

Mesmo que, por vezes, as situações difíceis nos pareçam insuportáveis, o facto de iniciarmos mais um ano deve honrar a nossa resiliência. A nossa capacidade infinita de dar a volta por cima, mesmo quando só nos apetece desistir. Ter consciência da finitude deverá, pois, ser um incentivo para recomeçarmos as vezes que sejam necessárias para descobrirmos e cumprirmos o nosso propósito. Para vivermos de acordo com o que sentimos e para sermos autênticos/as connosco próprios/as. Se sente que não é importante para os outros, considere: que poderá fazer para que este dia seja importante? Deixe que Jung nos auxilie ao questionar: “O que fazia, quando criança, para que as horas passassem como se fossem minutos? É aí que está a chave da sua vida”.

Desejo-lhe um aniversário feliz, o mais próximo possível das suas expectativas. Claro que é importante. Não se atreva a duvidar disso. 

Saiba mais em consultório.

Sempre Aqui,
Carlos Marinho

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