Comemorar o aniversário leva-nos a refletir sobre a vida, sobre a nossa biografia, e a questionar as nossas prioridades. É, geralmente, uma época de balanço. Contribui para a construção equilibrada da noção do ‘Eu’, para sedimentar a consciência de quem somos e a fase do percurso em que nos encontramos. Se a celebração do aniversário simboliza a celebração da própria vida, ao percebermos e evitarmos a ocasião como aversiva talvez estejamos, consciente ou inconscientemente, a recusar o reconhecimento de partes dela - partes que nos magoam ou perturbam.
Recuemos até àquela (assim tão longínqua?) criança que fomos, e que por vezes parecemos esquecer no somatório dos dias apressados – a criança que, ainda não consciente do tempo que se esgota, se impacienta de entusiasmo com a festa e com o reconhecimento que ela providenciará. Como era o seu aniversário em casa? Que faziam para fazê-lo/a sentir-se especial? Sabiam que presente o/a animaria mais? Dedicavam-lhe palavras bonitas? Celebravam o seu crescimento? Convidavam as pessoas importantes para si? Centravam-se em si nesse dia? Talvez esse dia, em sua casa, fosse um dia igual a todos os outros – “é só mais um dia”; talvez não o/a fizessem sentir-se importante, talvez não o/a fizessem sentir-se especial. Ou talvez no fundo, apesar de todos os aparentes cuidados à sua volta, não se sentisse verdadeiramente satisfeito/a na sua necessidade de reconhecimento. Por detrás do diálogo displicente de “é só mais um ano”, talvez esteja alguém que necessita que se preocupem com ele/a, que lhe dediquem (mais) atenção. Não celebrar, e fazer disso bandeira, dá a estas pessoas a ilusão de que dominam a situação: colocando-se fora de cena, evitam ser ignoradas ou não lembradas. Talvez agora, em idade adulta, com a intenção de se poupar à dor e às deceções, prefira não celebrá-lo, ainda que uma parte de si, uma criança interior, continue a sentir que não é importante. E ao fazê-lo, sem dar-se conta, acaba por confirmar o pior medo dessa criança: “sou dispensável” (veja o ‘Ciclo Vicioso’ na publicação de Instagram).
É possível que nos sintamos todos/as assim quando pensamos no sopro de efémera brevidade que é a vida. O nosso ‘Eu’ não tolera bem a finitude. Talvez recusar a celebração seja também uma forma de tentativamente nos alienarmos deste doloroso reconhecimento.
Mesmo que, por vezes, as situações difíceis nos pareçam insuportáveis, o facto de iniciarmos mais um ano deve honrar a nossa resiliência. A nossa capacidade infinita de dar a volta por cima, mesmo quando só nos apetece desistir. Ter consciência da finitude deverá, pois, ser um incentivo para recomeçarmos as vezes que sejam necessárias para descobrirmos e cumprirmos o nosso propósito. Para vivermos de acordo com o que sentimos e para sermos autênticos/as connosco próprios/as. Se sente que não é importante para os outros, considere: que poderá fazer para que este dia seja importante? Deixe que Jung nos auxilie ao questionar: “O que fazia, quando criança, para que as horas passassem como se fossem minutos? É aí que está a chave da sua vida”.
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Carlos Marinho
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