Apostando na nossa infindável capacidade de fantasiar, contando com os excessos do desejo, a sociedade pós-moderna encoraja-nos a querer mais do que já temos e a sonhar em vir a ser mais do que somos. Propõe-nos um sistema económico fundado na contínua renovação dos apetites, e um sistema social alimentado pela ânsia de encaixar na cuba de diferentes idealizações irrazoáveis que fazem qualquer um/a viver acima das suas possibilidades. Por isso mesmo, a nossa cultura não sabe inventar uma ética ou mesmo uma etiqueta do desejo enaltecido. Somos constantemente ameaçados/as pela liberdade de fantasiar e desejar o que nos é indispensável e que nos define.
A autodeterminação beira a falta de lei, o individualismo beira o solipsismo. E a masturbação é uma metáfora deste paradoxo. Nela, o desejo e a fantasia triunfam, mas dispensam o encontro com o Outro – satisfaz sem os limites impostos pela realidade. Descobre-se que as nossas faculdades prediletas arriscam desagregar o laço social mínimo: a célula da vida amorosa.
Nestes termos, a masturbação lembra que a exaltação moderna do indivíduo ameaça comprometer qualquer projeto de sociedade. Aparecem novas maneiras de preocupar-se com a contradição entre a apologia do desejar e a necessidade de regrar o desejo para que a vida seja tolerável e a convivência social sejam possíveis.
Em consultório, nunca ouvi queixas a respeito de uma problematização da masturbação – deixou de ser vista como doentia ou alienante (o que efetivamente não é), como o foi durante dois séculos da nossa história. Mas oiço queixas a respeito das drogas que entregam jovens e adultos a um mundo separado de fantasias, em que a realidade e a sociabilidade se perdem. Oiço queixas a respeito do exercício solitário do devaneio de crianças induzido pelos videojogos e pela contínua atividade online. E percebo que o que muda é apenas a forma das preocupações. Porque o paradoxo moderno do ‘querer’ – esse permanece ainda por resolver-se.
Somos todos/as seres de desejo e de ‘falta’. E é o Amor que nos permite regular o vazio que essa falta nos provoca. Mas com o alargamento dos espaços de opção às esferas próprias do estilo de vida e da moral, o individualismo sagra-se como valor atual dominante, fazendo-se largamente responsável por obscurecer a imprescindibilidade do Outro na criação e manutenção de relações interpessoais significativas. O resultado é substituirmos a experiência amorosa por relações banais e fugazes, destituídas de um carácter direto e humano. Isto acontece porque se torna cada vez mais difícil demorarmo-nos a conhecer e a confiar no Outro, e vice-versa. Não temos tempo para fazê-lo. É demasiado ameaçador para a nossa liberdade pessoal. Além disso, há demasiadas ofertas à escolha no mercado da globalização. Ao invés, procuramos algo rápido, algo que nos faculte uma gratificação imediata. É um ‘toca-e-foge’ e nada mais.
Num dos seus seminários, intitulado “A Angústia”, Lacan afirma que de todas as angústias, a única que termina é o orgasmo. É um alívio que as coisas possam terminar. Na sociedade de uma ‘ejaculação afetiva precoce’, a necessidade tiranizada pelo ‘quero já’ trivializa o suado compasso de espera que a sedução implica; faz-nos esquecer que o Amor vive do desejo, e o desejo da ausência que parecemos não conseguir tolerar; da ânsia que nos não permitimos sentir; da imaginação que avidamente trocamos pela imediatez do consumismo. Seguindo a metáfora masturbatória, quanto mais corremos atrás do alívio da gratificação imediata, menos sabemos lidar de forma ajustada com a ‘falta’ a que o desejo nos conduz: a falta que nos leva ao Outro.
“O amor é sempre novo. Não importa que amemos uma, duas, dez vezes na vida – sempre estamos diante de uma situação que não conhecemos. O amor pode nos levar ao inferno ou ao paraíso, mas sempre nos leva a algum lugar. É preciso aceitá-lo, porque ele é o alimento de nossa existência. Se nos recusamos, morreremos de fome vendo os galhos da árvore da vida carregados, sem coragem de estender a mão e colher os frutos. É preciso buscar o amor onde estiver, mesmo que isto signifique horas, dias, semanas de deceção e tristeza. Porque, no momento em que partirmos em busca do amor, ele também parte ao nosso encontro. E nos salva” (Paulo Coelho).
Com estima,
Carlos Marinho
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