#8: "IDENTIFICAÇÃO COM O AGRESSOR" | CONHECER UM MECANISMO DE DEFESA POR DIA... NÃO SABE O BEM QUE LHE FAZIA!
Identificação com o Agressor
O indivíduo torna-se aquele de quem havia tido medo; assim, suprimindo-o, regressa à tranquilidade interior. Este mecanismo, descrito por Ferenczi e Anna Freud, pode ir de simples inversão dos papéis (brincar aos médicos, fazer de lobo, de fantasma) a uma verdadeira introjeção do objeto perigoso.
Este mecanismo foi observado por vários autores, nem sempre concordantes. Ferenczi (1932) distinguiu dois aspectos deste mecanismo: em primeiro lugar, seria uma táctica interactiva (ou estratégia social), utilizada pela criança face a uma relação de poder traumatizante, vivida com as figuras parentais. Em segundo lugar verificar-se-ia uma mudança intrapsíquica na criança, consequência de um trauma severo. Neste processo identificam-se dois mecanismos: identificação e introjecção. A criança introjecta os sentimentos de culpa que o adulto sentiu pelos seus actos e sente-se culpada pelo que lhe aconteceu. Por outro lado, Ferenczi (1932) referiu, ainda, que existe uma confusão de línguas entre o adulto e a criança. O adulto apresenta uma linguagem erotizada que choca com uma linguagem de ternura e carinho da criança, esta sente-se invadida por desconfiança, medo e tristeza que dará origem ao trauma. A criança constrói um falso self e subordina-se mentalmente ao agressor.
De acordo com Frankel (2002), a criança que vive uma situação de trauma, desenvolve capacidades precoces (hipersensibilidade, super inteligência e clarividência) que lhe permitem lidar, de forma mais adaptativa, com uma experiência dolorosa. A identificação com o agressor tem consequências específicas no funcionamento intrapsíquico da vítima manifestadas pela clivagem, fragmentação da personalidade, abandono emocional e isolamento.
Torok e Abraham (1978,), falam de uma morte parcial do self, onde as palavras e pensamentos da criança são enterrados vivos e substituídos pelos desejos e formas de agir do agressor.
Numa perspectiva diferente, Anna Freud (1936), descreve este mecanismo como uma imitação da agressão que a vítima sofreu, desta forma, transformar-se-ia na pessoa que outrora a agrediu e ameaçou.
É impressionante o facto de as observações relatadas situarem geralmente este mecanismo no quadro de uma relação, não triangular mas dual, que, como muitas vezes sublinhou Daniel Lagache é de fundo sadomasoquista.
Acredita-se que este mecanismo possa ser uma forma de identificação de cariz transitório, que se altera em função de relações interpessoais sanígenas (intra ou extra familiares) que o indivíduo estabelece ao longo da sua vida. Assim como, tendo em conta casos em que a criança agredida vive numa situação ambivalente (e.g. pai agressor e mãe protectora e afectuosa), o mecanismo poderá manifestar-se de forma diferente, uma vez que existe uma figura parental afectuosa com a qual a criança se pode identificar.
Este mecanismo de defesa poderá manifestar-se de forma diferente, em função do modo e da dimensão da agressão. Os maus tratos sofridos pelas crianças podem ser físicos (hematomas, fracturas e queimaduras na sua forma mais grave), de abuso sexual, de violência psicológica e casos de negligência. As crianças vítimas de violência psicológica, foram durante muito tempo ignoradas das estatísticas.
Um olhar contemporâneo para o conceito identificação com o agressor, revela uma abordagem mais ampla e generalizada. Frankel, (2002) analisa este mecanismo como um fenómeno interactivo generalizado, fugindo um pouco à conceptualização original de Ferenczi, estendendo o conceito a situações de traumas leves e até a situações não traumáticas. Haverá diferença entre a identificação com o agressor numa resposta a um trauma severo ou outros acontecimentos traumáticos? Frankel (2002), sugere que o tipo de trauma em questão afecta em simultâneo a extensão e a rigidez da identificação. Refere que o nível de resistência que cada pessoa demonstra depende do objecto internalizado ser mais ou menos rígido e inflexível.
As abordagens descritas na literatura, não são elucidativas quanto à persistência deste mecanismo no funcionamento dos indivíduos. Por outro lado, este mecanismo pode surgir subitamente, mesmo na vida adulta, numa situação de perigo (um sequestro), referido na literatura como a “Síndrome de Estocolmo”, termo introduzido por Bejerot (1973). Não existem dados suficientes que permitam estabelecer uma comparação e uma análise conclusiva entre homogeneidade do mecanismo de identificação com o agressor e a Síndrome de Estocolmo. São evidentes, algumas semelhanças, porém sobressaem também algumas diferenças como a idade e a ligação afectiva entre vítima e agressor. O mecanismo identificação com o agressor aparece descrito na literatura em idades muito precoces (infância), fase em que se verificam várias etapas da estruturação psíquica. A ligação afectiva entre a vítima e o agressor é de proximidade, de uma forma geral o agressor é uma figura parental ou cuidador da criança (vítima). Existem, portanto, laços relacionais, sejam estes consanguíneos ou não. A Síndrome de Estocolmo, pelo contrário aparece referenciada na maioria dos casos em adultos, nomeadamente em situações de raptos. Geralmente, segundo o que aparece descrito na literatura, não existe qualquer relação afectiva ou conhecimento entre o agressor (e.g. raptor) e a vítima (e.g. vítima de sequestro). O impacto da agressão na idade adulta terá com toda a certeza uma dimensão diferente, uma vez que nesta fase da vida a personalidade da vítima já se encontra estruturada. Apesar de se encontrarem semelhanças nas reacções das vítimas na agressão sofrida, presumo que se encontrem muitas diferenças ao nível intrapsíquico.
Conheça o próximo, amanhã...
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